Vovó assombrada

Mamãe e eu íamos para casa de minha avó uma vez por ano, mesmo que ela não gostasse de nossa presença. Ela havia virado uma velha amargurada desde que meu avô morreu após um infarto fulminante.

Ela era uma velhinha de oitenta e seis anos, tinha um semblante cadavérico, mas estranhamente tinha uma saúde de ferro. Eu tinha certeza que aquela casa era assombrada. Mamãe parou e desligou o carro.

Saímos e lá estava ela a porta nos esperando de cara amarrada.

- Já disse que não queria vocês aqui! - Disse com sua voz irritante. Mas eu a amava, pois só tinha ela como avó.

- Vovó, que bom que está bem! Estávamos com saudades. – Disse enquanto ela me dava as costas e entrava para dentro de sua casa. Mamãe levou a mão sobre minha cabeça e me fez um leve carinho.

- Fique calma querida. Sua vovó sofreu muito na vida. – Olhei para mamãe, seu olhar pesaroso me mostrava o quanto ela havia sofrido junto dela. Entrei naquela casa que mais parecia um pesadelo. Cortinas empoeiradas, teias de aranha agarradas a madeira rústica do telhado daquela casa-cabana. Mais parecia um chalé amaldiçoado no meio daquela formosa montanha. Seguimos vovó até a sala enquanto ela ignorava nossa presença.

Aquele dia ela tinha algo preparado para nós.

- Mamãe, como está sua saúde? Precisa ir no médico! – Disse minha mãe. – Vovó virou-se com um olhar sombrio.

- Eu avisei vocês! Deviam ter parado de vir aqui! Mas não, tinham que vir mais uma vez! Malditas... maldidas! – Ela bradava. Nos assustamos com aquilo.

- O que é isso vovó? Você está realmente doente e precisa de um médico! – Eu disse caminhando na direção dela, quando ela sorriu diabolicamente.

- Ah menina! Deixe de ser inocente! Estou melhor do que sempre estive! Hoje ele me dá forças! – Ela disse caminhando contra mim.

- Mamãe, o que há com você? – Perguntou minha mãe enquanto vovó avançou para cima dela com suas mãos, usando-as feito garras, suas unhas enormes e mal cortadas arranhando o pescoço de mamãe. Ela apertou o pescoço de minha mãe com uma força hedionda e vi minha mãe virar os olhos na minha direção fazendo sinais como se quisesse que eu fugisse dali. Mas eu avancei contra ela enquanto mamãe dava seu ultimo suspiro e desfalecia no chão.

- Agora é sua vez menina! Praguejou, enquanto inutilmente tentei golpeá-la com uma cadeira que mal pude levantar. Senti – me agarrada como um cachorro pego pelo pescoço e erguido com extrema facilidade. Acuado, temeroso e principalmente sem saber o porquê dela fazer aquilo comigo já que a tratava tão bem.

- Por que vovó? Por que matou mamãe? – Eu a perguntei vendo minha querida mamãe morta no assoalho.

- Por que sim querida! – Ela sussurrou assustadoramente. Me arrepiei ao ouvir aquela voz.

- Você está louca! – Eu disse enquanto ela me jogou contra a parede. Senti uma presença estranha naquele lugar. Um vento frio soprou meus cabelos e então pude distinguir a frieza nos olhos dela e enxerguei a áurea do diabo.

- Vovó! É o espírito dele! Não se renda! Não deixe que ele te confunda! Por que faz isso? Por que fez isso com ela? – Ele estava ali. Senti sua maldade, senti sua inexpressão e pude ver que ele tinha medo de mim.

- Garotinha! Saia daqui! Saia enquanto pode! – Ela me disse debatendo-se como se lutasse contra si mesma.

- Não Sara! Não me deixe aqui! Não quero ficar sozinha com ele! – Ela me pedia, era uma voz de seu interior fazendo uma súplica. Desatei a chorar como qualquer criança faria, e corri para perto de mamãe que jazia no chão. Vovó abriu seus braços e veio até mim.

- Não me mate, por favor, vovó! – Choraminguei de olhos fechados sentindo suas mãos pousarem em meus ombros apertando-os levemente.

- Ah Sara, pobre Sara. – Ela me disse.

- Por que quer me matar? – Perguntei sentindo um calafrio enquanto a boca dela aproximava-se de meu ouvido.

- Não quero minha querida. Você é especial. Sua avó é uma louca e sua mãe sempre acreditou nela, mas você é como eu. Sua avó me prendeu aqui com sua macumba maldita, impedindo que meu espírito seguisse meu caminho. Agora preciso de você! Meu avô disse através da boca dela enquanto sua voz chegava ao meu ouvido, doce e estranhamente confortante.

- O quer de mim? – Perguntei.

- Mate-a querida! Mate-a agora e estarei livre. Só você pode me libertar. – Segurou-me pela sua mão, levantei-me e o segui até a cozinha. Ele pegou uma faca e sorriu para mim. Seus olhos estavam normais, os meus cheios de ódio. Ele me passou a faca e eu o degolei. Este foi meu primeiro assassinato. Fui encontrada a beira de uma estrada vagando com a faca ensangüentada na mão, fui internada num hospício, tomando medicamentos controlados, sendo acompanhada por um psiquiatra, sendo culpada pela morte das duas. Isso, até ontem quando botei fogo no lugar após matar uma enfermeira com um pedaço de caco de vidro de um copo que quebrei enquanto ela tentava me dar um maldito remédio. O copo caiu no chão e ambas nos abaixamos para catar os cacos.

- Pobrezinha... foi tão ingênua, o vidro rasgou seu pescoço lindamente. Tinha que ser ela, a única fumante daquele lugar, e a única que tinha pena de mim. Tudo foi ao anoitecer, peguei o esqueiro ateei fogo em tudo. Escapei enquanto a segurança se preocupava em salvar o lugar.

Agora só me resta vagar, e fazer a única coisa em que sou boa na vida, a única que minha família me ensinou.

-Matar...matar... e matar.

Wiliam Roter
Enviado por Wiliam Roter em 04/10/2011
Reeditado em 04/10/2011
Código do texto: T3257880
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