A cruz e o canino - Capítulo 4: Olhe para os dois lados

Vaticano – 1974

Antônio foi morar no Vaticano depois de conversar muito com o bispo, e entrou no seminário de Roma para se ordenar como padre e virar caçador de vampiros. Salvo as matérias específicas para caçadores, a formação de Antônio e de quaisquer padres era a mesma.

Como futuro caçador de vampiros, Antônio teve que aprender angelologia, demonologia e exorcismo, matérias que pegou com um padre brasileiro que tinha nacionalidade italiana chamado Pedro.

Pedro gostava muito de Antônio, tanto como aluno, por ser estudioso e dedicado, quanto como pessoa, por causa da bondade de seu coração, e, por isso, conversava muito com ele, e dava-lhe muitas dicas.

Essas corriqueiras conversas logo transformaram a relação docente dos dois em amizade, e eles assim passaram a conversar sobre diversos assuntos, desde a estrutura do seminário até política. Pedro era a única pessoa com quem Antônio falava abertamente de sua vida naquele minúsculo país.

Os casos de vampiros não eram muito frequentes (apesar de serem mais frequentes que os de possessão), como lhe disse o professor, que também contou que muitas vezes era chamado para diagnosticar casos que não eram possessões ou infestações verdadeiras, como o caso de um menino brasileiro chamado Demétrio, que era injustamente alcunhado de “filho do demônio”.

Antônio não raramente se pegava pensando em Júlia e sonhava com ela quase todas as noites. Às vezes eram sonhos bons, nos quais se lembrava de algum bom moento com ela, mas em sua maioria eram pesadelos: sua mulher virando vampira, se afastando dele ou chorando e culpando-o. No começo, Antônio tentou ignorar esses sonhos, mas passou a se preocupar à medida que eles se tornavam mais frequentes, e começou a rezar um terço por noite, antes de dormir.

Antônio estava feliz com seus estudos no seminário, mas pensar em Júlia trazia para si uma tristeza no coração. Ele se lembrava de todos os momentos que passoucom ela, desde aquele aniversário, há treze anos atrás: os encontros, as brigas, as reconciliações, a transformação...

- Bom dia, Pedro. - disse Antônio.

- Olá. - Respondeu o homem, metido em um casaco preto acolchoado, por causa do frio vento matinal.

- Vamos tomar um café em algum lugar? Preciso conversar com alguém.

- Então vá colocar um casaco se não quiser morrer congelado. Você ainda não se acostumou com a ideia de que aqui em Roma faz frio, não? - disse Pedro, rindo.

Antônio entrou para buscar um casaco, e Pedro ficou admirando o nascer do sol, enquanto as luzes dos postes eram apagadas e as pessoas começavam a sair de casa. Pedro observava um passarinhos cantando e levantando voo quando Antonio apareceu:

-Vamos!

Os dois saíram do seminário e começaram a andar pelas calçadas, enquanto a cidade ganhava vida.

Os carros começavam a se tornar constantes na rua, e logo ocorreria um engarrafamento. As lojas se abriam, e as máquinas começavam a funcionar. Pessoas andavam na rua, algumas cumprimentando todas pelas quais passavam, outras, apressadas, nem olhavam para a cara dos outros transeuntes.

O café era um lugar pequeno e arrumado. A maioria das mesas ficavam do lado de dentro, mas havia algumas feitas para as pessoas que gostavam de se aventurar sob o frio das manhãs de inverno, o que não era o caso de Antônio, embora Pedro não ligasse para aquele frio.

- Um café por favor. - pediu Pedro, em italiano, para a garçonete.

- Um café e uma torrada com manteiga. - foi o que disse Antônio, por sua vez.

Um homem com um chapéu bebia seu café num canto do restaurante. Era velho e feio como uma múmia, e só se mexia para levar a xícara a boca, para passar a página do jornal.

- O que você queria conversar? - Perguntou Pedro.

- É sobre Júlia. - disse Antônio, se virando para o lado das grandes janelas que davam para a rua. - Não consigo parar de pensar nela. Eu entrei no seminário por causa dela, mas agora não sei se isso é o certo a ser feito. Toda vez que eu penso nela, me entristeço e me angustio.

- Reze. Reze muito. E persevere. Você sentiu o chamado de Deus, então Ele te dará forças para você superar isso. Júlia não vai voltar, e você quer ser um caçador de vampiros para que ninguém mais perca alguém importante.

- O café de vocês, e sua torrada, senhor. - disse a garçonete, colocando os pedidos sobre a mesa. Os dois homens agradeceram, e a mulher se retirou.

-Você perdeu uma pessoa importante, e de uma maneira tão horrível, - disse Pedro, olhando nos olhos de Antônio. - mas Deus não deixará nada acontecer com você que você não possa suportar.

Uma lágrima escorreu no olho de Antônio, que sorriu e assentiu com a cabeça.

-Terminou o café? - perguntou Pedro. - Vamos voltar.

Quando os dois atravessavam a porta do café, o homem do jornal surgiu atrás dele, e discretamente sacou um revólver, e disse:

- Buongiorno, signori, eu quero grana, e o relógio.

Os homens passaram as carteiras e Antônio deu o relógio. O homem saiu correndo pela calçada, mas, ao atravessar a rua sem olhar, foi atropelado por um carro. O corpo do assaltante voou por alguns metros e caiu no chão, sangrando muito.

Uma ambulanza pegou o corpo do ladrão, mas já era tarde de mais, e a polícia apareceu no local para fazer a perícia, recolheu provas e ouviu testemunhas, como os dois homens, que tiveram as carteiras e o relógio ressarcidos.

Antônio estava sentado à mesa do seu quarto, lendo um livro sobre a Igreja na Idade Média, nume parte que falava sobre as lendas e mentiras sobre a Inquisição, quando alguém bateu à porta. Antônio se levantou pacientemente e abriu-a. Era Pedro, que falou:

- O diretor quer você na sala dele. Agora!

- Está bem. - disse Antônio, fechando a porta e se dirigindo imediatamente à sala do diretor.

Antônio parou em frente à porta, entreaberta, e ouviu a voz do diretor, vinda do lado de dentro:

- Pode entrar.

Antônio obedeceu, e se sentou numa cadeira em frente à mesa do diretor.

- Recebi um telefonema de Santa Fé... do bispo. - disse o diretor, com seu sotaque italiano. - Você embarcará num avião amanhã mesmo.

- Aconteceu alguma coisa? - perguntou o rapaz, preocupado.

- O padre José Maria faleceu. - disse o senhor, sério, impassível.

Jacobina
Enviado por Jacobina em 30/09/2011
Código do texto: T3250875
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