A cruz e o canino - Capítulo 3: A decisão (Reescrito)
Santa Fé 1972
Dias, semanas, meses, anos se passaram, até que a turma de Antônio se formou. Ele, apaixonado por números, foi para a faculdade de engenharia e Júlia, cuja matéria preferida era português, fez letras.
Júlia, que desde sempre se interessou por magia negra e ocultismo, começou a mexer com isso, e Antônio, muito católico, não gostava, mas nada dizia.
Eles se casaram, e Júlia, que se envolvia cada vez mais com ocultismo, começou a sofrer de uma estranha doença.
Antônio ficou preocupado quando ela teve que deixar de trabalhar por causa da doença, e ele a deixava sob os cuidados da irmã durante o dia e ficava com ela à noite.
A doença não parecia ser muito grave no começo, mas logo Júlia começou a sofrer delírios, dores, insônia; e os médicos, que acreditavam que era apenas um simples resfriado no começo, não sabiam o que dizer sobre a estranha doença de Júlia.
Antônio saiu mais cedo do trabalho porque a irmã de Júlia não pôde ficar com ela nesse dia e, ao chegar em casa, se dirigiu diretamente ao quarto, mas não achou a esposa. Preocupado, começou a gritar seu nome pela casa, e ela não respondia.
Antônio procurou Júlia no quarto, no banheiro, na sala, e ouviu um barulho vindo da cozinha, um prato se quebrando. Ele correu em direção ao barulho e, ao entrar pela porta da cozinha, viu Júlia de costas. Ficou aliviado e foi ao encontro da mulher.
-Fiquei preocupado com você, mas vejo que já está melhor, até consegue se levantar.
Antônio andou para perto da mulher, que estava parada, calada, virada para a pia. Ao chegar perto dela, ele estendeu a mão e tocou no seu ombro. Ela virou subitamente e ele pôde ver a expressão demoníaca em seu semblante, os olhos sedentos o fitavam, e ela abriu a boca, revelando os dentes afiados que morderam Antônio. O homem puxou o braço, e um pedaço de sua carne ficou na boca da mulher. Ele correu o máximo que conseguiu, e a mulher o seguiu. Antônio subiu as escadas e, quando Júlia terminou o lance, ela esbarrou numa pia de água benta, que caiu em cima dela, e fê-la cair agonizando no chão. Antônio entrou em seu quarto e pulou pela janela, caindo sobre um arbusto. Conseguiu correr por um tempo até que a mulher pulasse atrás dele, mas, quando esta foi banhada pelos raios de sol, começou a queimar, bolhas aparecera em seu corpo, que ficou vermelho. Ela começou a gritar, urros e guinchos assustadores e insuportáveis saíram de suas cordas vocais, tão altos e estridentes que Antônio achou que seus tímpanos estourariam. A mulher se contorcia no chão, quando um homem vestido de branco apareceu e fincou uma estaca no coração dela.
Lágrimas escorreram pelos olhos de Antônio, que saiu correndo em direção a Júlia, que jazia morta no chão. O homem debruçou-se sobre a mulher e, aos prantos, começou a dizer:
-Por que você matou minha mulher, seu monstro? Ela estava doente, ela não tem culpa, e você não tem poder de julgar se ela merece viver ou não. Você não é Deus.
Antônio foi para cima do homem e tentou desferir-lhe um soco, ineficaz, e ouviu o homem dizer, segurando o seu pulso:
-Sua mulher já estava morta.
-Claro que não, ela corria e gritava, mas estava viva. Por que você a matou ao invés de salvá-la? E quem é você?
-Eu sou um caçador de vampiros, e sua mulher já estava morta, provavelmente morreu hoje mesmo, e um demônio tomou seu corpo.
Barulhos de sirene ecoaram pela rua, e logo policiais, chamados por uma vizinha, que ouviu os gritos, estacionaram as viaturas em frente à casa de Antônio e arrombaram-na, mas nada acharam dentro ou fora da casa, a não ser um prato quebrado e uma pia caída sobre uma poça.
-Para onde vamos? - perguntou Antônio. - E qual o seu nome?
-Desculpe-me por não me apresentar. Meu nome é José Maria, e eu sou um padre caçador de vampiros. E nós vamos falar com o bispo agora.
Antônio estava completamente desconfiado do homem, mas queria respostas, então simplesmente aceitou.
O Opala de José Maria parou em frente ą catedral, e os dois saíram dele e se dirigiram para uma casinha ao lado da igreja.
-Bispo! - gritou José Maria, ao entra na casa, sem bater.
-Não grite, filho. - disse um senhor de 60 anos ou um pouco menos, que saiu de algum aposento. - O vampiro apareceu?
-Sim. Era a mulher deste homem. - e apontou para Antônio. - A propósito, Antônio, este é...
-Dom Francisco Sales, bispo da nossa diocese. Eu o conheço, já assisti a muitas missas presididas por ele nessa catedral aqui do lado. A bênção, padre.
-Deus te abençoe, meu filho. - disse o bispo, sorrindo. - Então o padre José já te contou sobre os vampiros?
-Um pouco, mas não deu tempo de falar sobre muita coisa, tivemos que vir para cá.
O bispo se virou para o padre e disse, sem sorrir:
-José, vá cuidar do corpo, eu vou falar com o rapaz.
José Maria entrou em seu carro e saiu dirigindo. O bispo convidou Antônio para sentar-se e explicou-lhe que os vampiros são cadáveres possuídos por demônios, e que havia duas formas de “nascimento” de vampiros.
-Uma é quando uma pessoa abre as portas para o Diabo, mas morre antes de uma possessão efetiva, então o demônio entra em seu corpo e a controla como que uma casca ou roupa. A outra é se uma pessoa for morta por um vampiro e outro demônio entrar em seu corpo. - e viu a mordida no braço de Antônio, e seus olhos aflitos. - Uma mordida não é o suficiente para que alguém vire um vampiro, não se preocupe.
Antônio pensou um pouco, para aceitar aquilo tudo, e enfim perguntou:
-E um vampiro não tem salvação? Não há volta, como nas possessões?
-Filho, numa possessão o hospedeiro é ainda uma pessoa viva, então, ao expulsar um demônio, a pessoa volta a “possuir” o próprio corpo. Um vampiro é um cadáver com um demônio dentro, a alma da pessoa já foi para o outro mundo, e não pode voltar para seu corpo, como as pessoas que morrem de forma ordinária não o fazem, então a única coisa que resta é separar o espírito mau do corpo que ele possui, ou seja, “matá-lo”.
-E como se mata um vampiro?
-A única forma de matar um vampiro é enfiando-lhe uma estaca benzida no coração. Luz do sol e água benta lhes são insuportáveis, mas apenas uma estava no coração os mata. Mas alguma pergunta?
-Como eu faço para ser um caçador de vampiros? - disse Antônio, sem pensar muito.
-Primeiro você tem que se ordenar.
Antônio pensou um pouco dessa vez e disse, convicto:
-Então eu quero ser padre.
-Você não pode simplesmente querer ser padre só para matar vampiros, você tem que ser chamado por Deus. - advertiu-lhe o bispo, com os olhos fixos nos seus.
-Minha mulher morreu por causa desses vampiros, e eu sofri com sua morte, e não quero que ninguém passe pelo que eu passei, mas, se tiverem que passar, quero ajudá-los. Isso não pode ser um chamado?
-Você tem que ir para o Vaticano. Só o papa ordena padres caçadores de vampiros, e você terá que dedicar-se ao trabalho de corpo e alma, sua vida pessoal mudará drasticamente depois que você se ordenar.
-Ela já mudou. Minha mulher está morta. - disse Antônio, pesaroso, e continuo. - E, falando nela, como o padre já estava lá quando ela virou vampira e pulou pela janela atrás de mim?
-Nós já estávamos em alerta por causa dela, sabíamos da situação dela, e ficamos vigiando, para agira caso fosse necessário, e foi. Os detalhes você entenderá se virar um caçador de vampiros. Está preparado?
-Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos. - disse Antônio, e não disse mais nada, apenas fitou o bispo, que também estava mudo. Ficaram os dois se encarando, sérios, o bispo pensando no que Antônio disse, e Antônio esperando o bispo dizer algo.
-Eu vou para o Vaticano no próximo mês. - Enfim disse o bispo. - Se você quiser, levo-te comigo.