PRECISO MORRER II – ELA PISCOU PRA MIM

Volto a passagem de nível. O dia, já desperto, livra-se do manto da noite, torna-se másculo. Minha cabeça jaz dependurada no cimo do poste de alta tensão. Uma gota de sangue já cristalizada, suspensa no ar, entre meu crânio e o solo. Gosto de firulas inexplicáveis. Sugo a minha cabeça e a coloco entre os ombros. Tomo um banho de sol, apolíneo-me. Minha nudez arranca suspiros das virgens e imprecações das desvirginadas com sinais de calvície. Caminho ao centro da cidade arrastando uma multidão atrás de mim. Invado uma loja de roupas. Em passos lentos escolho e colho a olho nu o que preciso. Terno, camisa, todo enxoval masculino voam dos cabides, acasalam-se sobre meu corpo. Saio na rua oposta politicamente correto. A multidão, antes lasciva, agora me segue estupefata ansiosa por futuras mágicas merlinescas. Viro a cabeça para trás em dois rostos, Deus e Diabo, encarando a turba. Torno-me um solitário, rio baixinho.
Entro numa lanchonete. Um casal roça os narizes. Amantes. São casados de outro homem, de outra mulher. Ele, já maduro. Ela, os pendões de trigo ainda não amarelaram. Arranco o marido dela de dentro de uma oficina de automóveis a mil léguas de distância e coloco-o junto a eles metido num macacão sujo de graxa tendo na mão uma chave inglesa. O rosto dela, estuporado, se dilata em cor rósea-goma de mascar. O amante arroxeia por inteiro. A Morte se apossa do seu espectro envolvendo-o numa espiral multicolorida. Levita. Na saída, pisca pra mim.
 

PB – Amanhã, à meia-noite, temos um novo encontro, não esqueça.

Sagüi
Enviado por Sagüi em 29/09/2011
Código do texto: T3246918
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