A cruz e o canino - Capítulo 2: Júlia (Reescrito)

Santa Fé – 1961

Antônio nasceu em uma cidadezinha do interior, no sertão. Seu pai era fazendeiro e sua mãe, dona-de-casa. Os pais de Antônio não eram ricos, tinham dinheiro apenas o suficiente para sobreviver sem luxos, mas não passavam fome.

Aos 14 anos, quando ia iniciar o ensino médio, Antônio se mudou para a capital, e lá conheceu Júlia, colega de sua turma, por quem se apaixonou. Júlia era linda, seus cabelos da cor de castanha e seus olhos cerúleos encantavam todos quando combinados com seus gestos delicados, como que de uma bailarina, e Antônio se apaixonou por ela assim que a viu.

Antônio era muito tímido para falar alguma coisa com Júlia, mas sempre ficava admirando-a durante as aulas. A amava secreta e ingenuamente, com uma pureza da qual apenas as crianças são capazer; a amava sem que ela soubesse, como as flores amam o sol, sem que o sol se importe, tampouco note a existência delas.

Um dia, quando Antônio saía da escola, Júlia o cutucou, e, quando virou e a viu, ele corou, e ela, também corada, estendeu-lha um envelope rosa com um coração escarlate.

-O que é isso? - perguntou o menino, confuso e curioso.

-É um convite, para meu aniversário. - respondeu ela, tímida

O menino estava rubro de vergonha, o coração palpitava e os dedos tremiam. A voz escapou-lhe, mas ele respirou fundo e, enfim, disse:

-Mas... nós mal somos amigos, somos?

A menina parou e pensou. Ela revirava os olhos com quem procurava palavras para formular uma frase.

-Não, mas é que eu... eu gosto de você.

Antônio ficou estático, e a menina apenas o olhava, vermelha, enquanto ele esperaa que ela risse e dissesse que aquilo era apenas uma pegadinha. Ela não riu.

-Como assim você gosta de mim se nós nem conversamos.

-Você é o único menino da sala que não fica dando em cima de mim, e não fica com imaturidade todo o tempo. É muito chato o que eles fazem. - disse ela, sincera.

-Eu... também gosto de você, mas não tinha coragem de te falar. - foi só o que Antônio conseguiu dizer, quase mudo.

-Então você vai para a minha festa?

-Claro! - respondeu, sem nem pensar.

Júlia abriu um largo sorriso e saiu saltitando pelo pátio da escola. Antônio ficou mais alguns instantes parado, perplexo, até conseguir andar de novo, e, então, foi para casa, onde passou o resto do dia com um sorriso bobo, um sorriso de apaixonado, da paixão de uma criança, a mais bela e pura que pode existir.

O resto da semana seguiu normalmente, apenas agora Júlia e Antônio ficaam se olhando no meio da aula. Um dia, quando uma das amigas de Júlia viu os dois se olhando, cutucou as amigas e todas deram risadinhas, o que fez os dois apaixonados corarem.

Enfim chegou o dia da festa, e Antônio foi para a casa de Júlia, mas, ao tocar a campainha, foi atendido não por Júlia, mas por uma senhora que tinha por volta de 40 anos, mas que não aparentava. Parecia ter 30, no máximo. Era bela e, como Júlia, tinha os cabelos castanhos e os olhos. Antônio ficou hipnotizado pela beleza da mulher, e teve que apertar os olhos e balançar a cabeça para voltar a si e não babar. Ela sorriu e disse:

-Boa noite, pode entrar.

Antônio obedeceu, mudo, e, ao cruzar o portão, ficou maravilhado com a bela casa, que era simples, mas aconchegante e bem-cuidada. Havia um pequeno jardim em frente à casa, com as mais variadas cores, numa harmonia inimaginável de tão bela. Atrás do jardim, uma casa bege, não ostentava ornamento algum, nem precisava: qualquer detalhe a mais naquela fachada estragaria o encanto da casa. Antônio estava desligado do mundo, admirando a casa, quando a mulher chamou sua atenção.

-Qual é o seu nome?

Antônio balançou a cabeça, voltando a si, e disse seu nome, olhando para a mulher, e ela respondeu:

-Eu sou Fernanda, mãe de Júlia. Muito prazer. Você conhece minha filha da escola?

-Sim, somo colegas de

-Ele é meu namorado. - interrompeu Júlia, que saia pela porta da casa. Sua beleza já era tão divina com o uniforme da escola que Antônio não imaginou como ela poderia ficar mais bonita, mas agora obteve sua resposta.

Antônio não entendeu muito bem o que se passava, mas não achou ruim, então não reclamou.

-Que gracinha, minha filha, ele é lindo. - disse dona Fernanda, apertando as bochechas do menino, que ficou vermelho com o sangue que sentia pulsar como se fosse romper suas veias.

-Mãe! - berrou a menina, envergonhada com a atitude da mãe, e pegou o menino pela mão e o conduziu até a varanda dos fundos.

A família de Júlia e algumas de suas amigas estavam sentadas em mesas, comendo um jantar preparado pela mãe da aniversariante e conversavam. Júlia puxou uma cadeira para Antônio se sentar ao seu lado.

O jantar foi maravilhoso: a comida estava deliciosa e as pessoas conversavam alegremente. Até teve uma hora em que alguém ligou um som numa música dos Beatles, Twitst and Shout. Os tios e avós de Júlia foram dançar, e todos se divertiam com a diversidade de danças, desde as mais belas e sincronizadas até as mais espontâneas e desengonçadas. Antônio olhou para Júlia, que o fitava envergonhada, e tomou coragem de chamá-la para dançar. A menina aceitou antes que Antônio pudesse se lembrar de que não sabia dançar, mas já era tarde, já estavam dançando. Antônio tentou imitar as pessoas que dançavam, mas ele desequilibrava facilmente devido è falta de técnica, enquanto Júlia dançava graciosamente em sua frente, com um belo sorriso nos lábios, e dando risadinhas divertidas quando seu par tropeçava, o que não era muito raro.

A música parou de tocar, e logo o som começou a tocar Sailing. Fernanda apagou as luzes da varanda, que ficou iluminada apenas pelas luzes de dentro da casa e pelas velas acesas na mesa. Os dois mais novos namorados daquela varanda continuaram sua dança atrapalhada e inocente, quando Júlia pouso sua cabeça no ombro de Antônio, e dançaram juntos, tão entretidos que nem notaram quando todos pararam de dançar e os observavam. A menina levantou um pouco a cabeça e começou a falar, no ouvido de Antônio:

-Está se divertindo?

-Estou sim. Sua casa é linda... assim como você.

Júlia corou e afundou o rosto no ombro de Antônio, mas logo lhe disse, tímida, mas verdadeira, com a voz sussurrada e quase falhando:

-Obrigada por ter vindo.

-Eu que lhe agradeço.

-Eu gosto de você. - sussurrou Júlia, quase inadivelmente.

-O que? - perguntou Antônio, afastando a cabeça da menina e olhando em seus olhos.

A menina desviou o olhar, mas logo repetiu, mais confiante:

-Eu gosto de você.

A música terminou e os dois pararam de dançar, mas ficaram se olhando, e os olhos se aproximaram cada vez mais até que os lábios se tocaram num beijo inocente e sincero. Todos começaram a aplaudir, e os dois meninos ficaram rubros de vergonha e foram se sentar. Nada mais falaram até o fim da festa, mas se olhavam o tempo todo, trocando sorrisos.

Depois da festa, quando Antônio ia embora, Júlia se despediu dele com um beijo e disse: “Até segunda.”.

Jacobina
Enviado por Jacobina em 28/09/2011
Código do texto: T3246643
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