Bala de Prata
 
 
            - Homem baleado! Homem Baleado!
            O pandemônio entrou feito vento louco porta adentro do Hospital de Urgências. O sossego da madrugada fora rompido. Até aquela altura havia nascido um bebê, em parto tranquilo, e dois casos de bebedeira. Enfermeiros correndo, médicos sonolentos despertando-se num átimo. Não havia tempo para vacilo. A vítima precisava de atendimento urgente.
            Os alto-falantes convocavam a equipe de apoio. Raios-x, diagnósticos de urgências, estabilização do paciente. Corre maca, para maca, abrem portas, instrumentos preparados, correria e agilidade.
            - Cirurgia! Cirurgia!
            Mantendo a calma dentro do possível, o cirurgião se prepara na sala de desinfecção.
            - Bala no peito.
            - E o paciente?
            - Ainda vive, mas o quadro é grave.
            - Não precisava nem dizer.



            Enfermeiras a postos. Vítima inerte, respirando por aparelhos e o coração batendo fraco. O bip-bip do monitor desacelera-se.
            - Pressão caindo.
            Medidas, providências. O perito examina as chapas, enxerga a bala. Alojada perto do coração, muito perto. Foi por pouco. Ainda há chance de sobrevivência. Será uma cirurgia delicada. Não há tempo a perder.
            Anestesia. Peito aberto, cortado, a serra não perdoa a fragilidade dos ossos. Se sobreviver, vai sentir o peso de um guindaste a cada inalação de ar. Quando as camadas das costelas são removidas, vem a surpresa, o pasmo, a incredulidade diante dos olhos. No lugar do coração, após a perda de sangue que, de repente, estancara, via-se apenas um abismo. O médico acreditou estar louco. Seria esquizofrenia? Apertou os olhos, pediu que limpassem o suor em profusão e solicitou aos demais que olhassem. Pasmo e espanto passaram a medo e horror.
            - Mas o que é isso, doutor?
            - O homem não tem coração.
            - Mas as chapas mostram, o monitor bate, a pressão é medida...
            - Não sei explicar. Alguém sabe explicar?
            - E a bala? Onde está a bala?
            O médico retoma o olhar e a encontra suspensa no oco, perto de onde deveria estar o coração. Habilmente a retira. Era uma bala de prata. Ao ser depositada em uma bandeja faz um ruído fino de bater de metal.
            - Impressionante. – O paciente se estabiliza. Os monitores voltam à frequência normal rapidamente para espanto de todos.
            - Vamos suturar. – Atônitos, fecham o homem.



            Horas depois, no dia seguinte, retoma a consciência. Examinam-no e, de acordo com o que avaliam, é aparentemente normal. Tendo cerca de 35 anos, recupera-se de forma inacreditavelmente rápida. Um temor aflige a todos no hospital. Receosos, procuram manter a discrição.
            O cirurgião mantêm o primeiro contato como a vítima. Ao ler o nome estremece:
            - O Senhor se chama Lúcifer? Somente Lúcifer?
            - Sim, seu criado.
            - Senhor, Lúcifer. A cirurgia foi impressionante e, devo dizer-lhe, que precisamos fazer exames mais completos no seu coração quando se recuperar melhor, é claro.
            - Doutor?
            - Sim.
            - Ambos sabemos que é melhor deixar como está.
            O médico acenou com a cabeça, fez mais algumas perguntas habituais e se retirou procurando manter a calma e pensando numa maneira de conceder alta àquele homem o mais rapidamente possível...