O Tatuador de Borboletas!
 

            - Vim fazer uma tatuagem. – Falei em tom imperativo. O homem, concentrado sobre as costas nuas de alguém, nem se quedou em virar. Respondendo secamente:
            - Espere a sua vez.
            Sentei-me a um canto do apertado cômodo da periferia. A única luz verdadeiramente forte destinava-se a ajudá-lo a ver o que fazia. Uma geringonça sustentando uma lente de aumento era uma de suas ferramentas. A vítima, ou cliente, mantinha-se calada. Depois de alguns minutos naquele ambiente sombrio, vendo figuras exóticas, a maioria de criaturas monstruosas penduradas nas paredes, impacientei-me um pouco:
            - Vai demorar quanto?
            - Pouco.
            Respondeu lacônico. Era uma das coisas que resolvi fazer e recuar seria o mesmo que desistir. Cerca de 15 minutos depois o trabalho terminou. Quando a pessoa se levantou, notei que era uma linda garota de olhos verdes, cabelos curtos, muito branquinha aparentando 19 anos. Não se intimidou. Antes de se levantar amarrou uma espécie de canga no pescoço impedindo-me de ver sua intimidade. Despediu-se do Tatuador com um beijo no rosto e passou-lhe discretamente o pagamento com um aperto de mãos. Ele guardou o recebimento no bolso. Finalmente aquela figura exótica, cabelos compridos e muitos lisos, olhar profundo, na casa dos 50 com um físico de lutador resolveu atender-me:
            - O que você quer.
            - Quero algo agressivo, chocante, que imponha o maior medo a todos.
            - Você tem certeza?
            - Absoluta.
            - E onde vai querer?
            - Aqui. – Mostrei-lhe o antebraço direito na parte anterior.
            - Então, quer impor medo a todos?
            - Sim. Um medo do qual não se esqueçam.
            Botou-me um olhar oblíquo:
            - Está disposto a viver com isso?
            - Sem dúvida.
            Começou o trabalho. Doeu, confesso. No entanto, se aquela garota não gemeu, por que deveria eu ceder? Por duas horas ele trabalhou. Ao final, fui ver o que havia colocado e ali estavam, para o meu espanto, duas borboletinhas azuis que não imporiam medo a ninguém.
 

 
            - Mas que p***** é essa? – Disse esbravejando.
            - É o que você me pediu.
            - Pedi m**** nenhuma! Isso não vai dar medo em ninguém. Que m****!
            Visivelmente irritado, não lhe dei a menor chance e fui saindo irado da sua sala.
            - E você ainda quer que eu pague por isso?
            - Tudo na vida tem seu preço. – Disse-me sem dar muita importância. Pegou um cigarro e acendeu, dando uma baforada na minha direção.
            Saí dali visivelmente contrariado. Atravessei o beco àquela hora de fim de tarde e fui a um Shopping próximo. Precisava esfriar a cabeça. Logo que entrei, uma mulher com um menino de 10 anos passou por mim.
            - Mamãe olhe! – Apontou-me com um ar de horror! A mulher deu um grito e logo bradou:
            - Segurança! Polícia! Socorro!
            Eu não entendia nada. Como duas borboletinhas azuis poderiam causar tamanho horror?
            - Calma minha senhora. – Disse-lhe levantando os braços demonstrando que não queria confusão.
            - Abaixe isso, pelo amor de Deus! Que coisa nojenta! Socorro!
            Logo apareceram dois seguranças. Ao se aproximarem, sacaram as armas e me apontaram:
            - Mais que diabos é isso? Quem é você? Afaste-se das pessoas.
            Fiquei atordoado e fui andando de costas em direção à porta. Os homens estavam muito nervosos. A mulher já se retirara para dentro com a criança e outras pessoas se aglomeraram dizendo coisas horríveis e apontando para mim como se diante de um monstro.
            - Alguém tem que fazer alguma coisa! Matem isso!
            Nisso, um dos homens disparou. A bala passou perto e estilhaçou a porta de vidro atrás de mim. Como outras pessoas entravam, passei por elas correndo enquanto gritavam em pânico:
            - Socorro! Polícia!
            Corri apavorado e, ao cruzar por novas pessoas na rua, todas saíam da calçada berrando:
            - O que é isso? Alguém tem que fazer alguma coisa!
            Sem alternativa, tratei de correr para o beco do Tatuador, enquanto uma multidão me perseguia. Por sorte passaram direto pelo beco. Entrei em sua loja esbaforido. Estava calmamente sentado tragando o seu fumo.
            - Esperava que voltasse. – Foi o que disse.
            - Você tem que fazer alguma coisa. Tem que tirar isso de mim. O que não entendo é o medo que essas duas borboletas azuis provocaram.
            - Borboletas é o que você vê. O que eles vêem é algo muito pior.
            - E o que eles vêem.
            - Vêem os seus piores medos.
            - Mas desse modo vão me matar. Tire isso de mim!
            - Tudo tem um preço.
            - Pago o que for preciso.
            Soltou mais uma baforada:
            - Quero a sua alma! – Nisso, divisei duas chispas vermelhas brilhando no interior dos seus olhos...