O Sorriso da Mulher Misteriosa

Tudo começara com uma simples pergunta: "Mamãe, quem é a mulher que sorri?". Após isso, tudo transformou-se. Agora, caminhando por estes ladrilhos, não posso deixar de pensar: "Deus abandonou-me". Toco o cruxifixo que carrego no bolso, reinvindico-lhe o seu significado, a ressureição, o renascer. Qual seria a cor do desespero, penso, ao subir os três degraus que levam à recepção do hospital. Deliro, estou com os nervos afetados.

Dei por suar exageradamente agora. Meus olhos fecham-se devido aos líquidos que descem pela minha face. Estou velha. Meu reflexo é feio. E tudo começou com uma pergunta. Depois daquele dia, tudo mudou. Tudo.

Quem era aquela menina cuja foto eu guardava em minha bolsa? Minha nossa, como estava fraca! Um aperto atingiu-me o peito. Minha filha! Nem ao menos a reconheci!

As pessoas passam distraídas. Nada as atormenta, nem naquele lugar, onde os demônios se concentram, elas aparentam fraqueza. Minha filha. Sim, Catarina. Observo agora a sua foto. Lembro-me deste dia. Ah, lembro sim! E como gostaria de retorná-lo! Mas já não posso.

-Senhora - Uma mão toca-me o ombro. Sinto um choque. Me sobressalto. Quem é a mulher que sorri, eu quis dizer. Mas contive-me. Onde estou, que faço? Catarina, minha filha... Ponha o vestido, querida... Oh, como são lindos os seus olhos, lembram-me os de minha mãe... Catarina, o cachorro! Mais cuidado, menina! -, ela não quer vê-la hoje... Senhora?

Estavamos jantando certa noite, Paulo chegara, estava cansado. Beijou-a na testa. Olhou-me. Estava apreensivo. Eu bem via, nos seus olhos, sabia quando temia, sabia até mesmo quando o seu coração batia mais rápido, conhecia cada movimento seu. Mas naquela noite... Não saberia dizer.

-Mamãe, limpe a sua boca...

-O que foi, querida?

-Mamãe...

-Diga, Catarina!, que há em minha boca, afinal? - Rspondi-lhe sorrindo, divertida com a sua insistência.

-Sangue, mamãe...

-Senhora, a senhora me escuta?

-Sim, querida, o que foi? - A enfermeira não me respondia. Onde está minha filha? Catarina? Querida, eu lhe perdôo! Perdôo-lhe...

Aquela fora a primeira vez, mas a partir de então, estava sempre a falar da mulher que sorri. Meu Deus, quantas vezes eu pensei tê-la visto! Quantas vezes, caminhando na rua com Catarina, duvidei se alguma mulher que nos sorria não fosse então aquela que estava sempre a visitá-la. E afinal, eu desejava profundamente poder vê-la! Era uma questão de fé, eu pensava. Afinal, eu também talvez a veja, e nesse caso, não haveria nada de errado com Catarina. Mas o sangue, as cobras, os ratos... Oh, Catarina, que demônio lhe atormentava agora? Divida o seu fardo comigo, minha filha! Pregue-me junto à ti na cruz a qual encontras-te condenada.

A enfermeira afastou-se. Não me respondera. Não deixaria de vê-la, de abraçá-la, de expulsar os seus demônios com o meu amor. Afinal, era sua mãe, eu a amava. Não me importava que a mulher que sorria lhe pedisse para fazer coisas ruins e que por medo - ah, minha pobrezinha! - ela as fizesse.

Era uma sexta-feira, vi quando saiu de seu quarto. Ouvia seus passos, podia até dizer que ouvia seu coração. Da minha parte, sentia como se ocupasse o espaço de outra pessoa, meu corpo estava dolorido, estava sempre com a sensação incômoda de não pertencer a aquele lugar, àquelas pessoas.

-Querida? - Lá estava ela, a me olhar, os olhos vermelhos, vidrados, a pele pálida, a respiração lenta. - Querida, vá dormir!

-Ela voltou! - Disse-me ela com raiva. Escoarava-se na porta, parecia prestes a cair.

-Eu vou com você, minha filha!

-Não! Fique, aí! - E saiu, arrastando os pés e segurando-se nas paredes. Eu ouvira então uma respiração, que não era de Paulo. Meu Deus, será que eu também a ouvia? Estaria prestes a vê-la? "Que queres, maldita! Tirar-me a minha menina?! Pois eu dei a ela a vida e a amo sobremaneira! Se a queres para ti, então mate-me, pois em vida, eu lutarei por ela!".

Não, nada me impediria de vê-la! Se não quer ver-me, é pois envergonha-se de ser amada.

-Mamãe, eu matei o papai...

Oh, Catarina! Apague essas memórias da minha lembrança, minha querida. O sangue, a faca...

-Catarina, o que é isso nas suas mãos?

-Mamãe, eu matei o papai...

Ela tinha dez anos quando me disse: "A mulher que sorri quer que eu mate a minha mãe". Como me lembro dos seus olhos, da sua tristeza. Por quê, minha filha, por quê?

-Mamãe, eu matei o papai...

-Por quê, Catarina?!

-A mulher que sorri pediu...

Vejo-a agora no seu quarto no hospital. Não temo que me descubram, que me expulsem daqui. Os cabelos loiros desgrenhados, os olhos negros vidrados...

-A mulher que sorri pediu...

-Meu Deus, filha, quem é a mulher que sorri?

Há alguém, alguém a se aproximar da minha menina. Ela a abraça, a beija... Não! Minha querida! Por que tiraram-me de você, eu, que por ti tudo fiz...

-Meu Deus, filha, quem é a mulher que sorri!

-Você! Você é a mulher que sorri...

Vejo a outra mulher abraçá-la, e escuto Catarina dizer: Mamãe! Eu, eu sou a mulher que sorri. Mas agora, serei a mulher que chora, para outra criança.

F W
Enviado por F W em 08/09/2011
Reeditado em 08/09/2011
Código do texto: T3207385
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