A agonia do rei Horacio Tomasson

Tão incomum quanto ao tempo e tão infalível a ele mesmo. O rei do meu país, Horacio Tomasson. Filho do ventre dos sábios, dos justos e honrosos, até a época de uma donzela ter pisado no salão de seu peito. Até o mais ilustre como Horacio, até mesmo seus ancestrais, todos em ramificação, suando, chorando, no fim.

O rei estava noivo naquele inverno de Abril. De tantas candidatas ao trono real, nenhuma a tinha tanto carinho como a bela Julia P. A dama era das mais oportunas em apresentações de teatro. A cada dança, sentado nas tribunas reais, Horacio a olhava sempre com prontidão, o que não deixava de ser notado por seus amigos e familiares, não demorando muito para um pedido de casamento.

Ainda era cedo na festa do grande salão, a reunião do casório envolvida por bebidas, pela música clássica e por convidados que abençoavam por palavras o casamento de Horacio. Não poderia haver mais felicidade nos rostos dos amantes que prometeram a vida unida a dois. Viveriam e gozariam de desejos únicos, viveriam do usufruir não negado, Julia P. agora poderia ter o que queria, casou-se com o rei do meu país.

Assim passaram-se os dias, os dois na mesma aura, e Horacio não negava nada a sua querida esposa. Mas dentro de si, Horacio sentia uma insegurança determinada por ele mesmo. Suas intenções com Julia já não eram as mesmas rebuçadas de afeto e carinho. Seu rosto indicava uma sensação amarga, parecia estar se transformando em um homem banido e vulgar. Julia era uma mulher de beleza grande, não passava despercebida em lugar algum, chamando os olhos de todos os homens, a que deixava Horacio em sua agonia cada vez mais viajando em pensamentos e julgamentos sobre sua mulher.

Numa noite, Horacio em sua caminhada, em que fazia sempre antes de dormir, escutava baixos sussurros que vinham de sua sala, arrumada e escura. Voltou para as escadas e novamente escutou os baixos sussurros, que aumentavam de acordo com seus passos. Pensou em sua esposa. Não, ele não poderia imaginar Julia em torno daqueles sussurros, longos e com um ar de paixão escondida. Esqueceu aquilo. Voltou para seu quarto e quando abriu a porta lá estava Julia, deitada em seu sono pesado, descoberta dos cobertores apesar do frio. Horacio imaginou o porquê dela não está coberta, se pouco tempo antes, estava encolhida. Novamente esqueceu e deitou-se. Tocou-lhe o corpo, estava suado e quente. Horacio retirou os dedos em um impulso de repugnância. Começou, desta vez, uma imaginação longa, viu sua esposa diante dos olhos a lhe trair em um amor exaustivo, entre as cortinas de sua sala. Acabou por dormir.

Quando acordou, Julia não estava ao seu lado. Deve ter acordado cedo, pensou. Voltou a dormir, sendo acordado por gemidos amorosos que partiam de seu banheiro. Uma força quase que demoníaca apossou-lhe o corpo e a alma. Levantou-se em fúria, pegou uma faca que estava em uma de suas gavetas do armário e partiu em passos pesados ao banheiro. Sendo-lhe tocado pelas costas, assumiu a faca em ataque contra o corpo que o tocara, rasgando-lhe a jugular de baixo para cima, fazendo um lago de sangue sobre o chão. O corpo, ainda nos suspiros ante morte, era de Julia. Horacio voltando ao estado de lucidez abriu os olhos em total espanto, e soltou um grito estarrecedor que misturava ódio e tristeza. Ainda com sobras de força, ergueu novamente a faca e a cravou em seu peito. Tendo ainda um pouco da visão que lhe restava, arrastou seu corpo ao banheiro e não notara nenhum homem, nenhuma mulher. Apenas sacudia seu corpo a mortalha do amor, a hora da morte.