O Espírito da Velha Casa
Nunca poderei me esquecer desse dia, talvez o mais assustador de toda a minha vida.
Como sou moço do interior, lá o pessoal costuma fazer umas festas nos sítios e povoados. Esses lugares costumam ficar bem afastados da estrada principal, sendo em geral interligados por estradinhas de areia e terra, aquelas só com as marcas das rodas dos carros e com um canteirinho de mato no meio, típico de fazendas.
Era uma sexta-feira. Apesar da escuridão, a lua-cheia iluminava bem a estrada e também, o céu estrelado do interior ajuda muito.
Fomos em seis, eu e mais cinco primos, fazendo a maior zueira. Chegando lá muita música, belas moças, comida típica e cerveja. Ficamos nos divertindo bastante. A festa iria virar a noite, mas no dia seguinte eu teria que sair em viagem para buscar uns bois em uma cidade distante.
Por volta das vinte e três horas comecei a me despedir dos mais próximos para pegar estrada. O pessoal queria que eu ficasse, pois ninguém iria embora naquela hora, mas meu compromisso era mais importante.
Então saí estrada afora. De repente, aquele belo céu estrelado começou a se fechar e ouvi ruídos de trovão anunciando uma grande e inesperada tempestade. Eram três horas de caminhada, então comecei a me preocupar, pois somente havia caminhado metade do caminho.
Enfim aconteceu o esperado. A chuva veio com toda a sua força e comecei a correr procurando abrigo. De repente avistei uma velha cabana que já havia visto muitas vezes por aquelas bandas. Fui até a varanda, mas a chuva de vento estava investindo de forma muito intensa. Forcei a porta e entrei. Lá dentro só ouvia somente o ruído dos pingos nas telhas e confesso, apesar de ser uma velha cabana abandonada ainda oferecia um certo conforto, ou talvez isso fosse mais voltado à sensação de não estar debaixo daquela terrível tempestade.
Então me sentei em uma velha rede, enquanto observava a sala, com aqueles móveis antigos e empoeirados. De repente ouvi um som estranho vindo de um dos quartos e que não parecia ser da chuva. Permaneci onde estava. Então o ruído se repetiu mais duas vezes, como se estivesse me chamando. Tomei coragem e fui ver. Seria estranho tratar-se de um morador porque há anos ninguém mais morava ali. Talvez outra pessoa também fugindo da chuva.
Chegando perto da porta o ruído parou. Entrei no quarto e não havia nada de estranho. Voltei e me sentei novamente na rede.
Repentinamente senti um calafrio que vinha dos pés à cabeça e a sensação de ter mais alguém ali. Me virei e tive uma visão terrivelmente assustadora. Uma mulher com aparência horrível, idosa em olhava com olhos secos e lábios roxos. Caí no chão assutado e tremendo de medo.
Aquela mulher me olhou e perguntou o que eu estava fazendo eu sua casa. Não deu outra. Saltei e saí correndo em direção à porta. A porta se fechou para sozinha para aumentar ainda mair o meu terror.
A velha se aproximou e disse: "não vá embora, por favor, ninguém vem me visitar há anos, fique mais um pouco". Tentei insistentemente abrir a porta mas nada acontecia.
Então corri em direção a uma janela mas essa também se fechou e a velha apareceu na minha frente pedindo novamente para eu ficar.
Então vi que não tinha saída e talvez fosse melhor tentar saber o que ela queria, e, com muita coragem perguntei: "o que você quer de mim? Me desculpe invadir sua casa". Ela me olhou e disse: "rapaz, não te farei mal, mas peço-te um favor. Vá ao cemitério da cidade e deposite uma rosa em meu túmulo e te deixarei em paz. Mas cumpra, senão voltarei e não te deixarei em paz". Procure pelo túmulo da senhora Arilda Vermon.
Nesse momento a porta se abriu e estranhamente a tempestade parou. Quando corri em direção à porta escorreguei e saltei da minha cama, assutado e suado com o terrível pesadelo.
Passado o susto me arrumei e fui trabalhar. No caminho passei em frente ao cemitério da cidade e acabei desviando meus olhos. Nessa hora tentei frear o carro bruscamente mas acabei atropelando uma velhinha que atravessava a avenida.
Corri e tentei socorrê-la mas já era tarde demais. Acompanhei o socorro e dentre os pertences daquela senhora de setenta e tantos anos, cabelos bem brancos, pele clara e olhar sofrido havia um cartão de aposentadoria e quando vi o nome quase desmaiei: "Arilda Vermon Silva". Tomado de terror, destampei o lençol que cobria o corpo. Os olhos se abriram e ouvi de seus lábios: "não se esqueça do que lhe pedi; a rosa". Não sei se vi mesmo isso porque ao olhar novamente estava apenas um corpo morto sem movimentos.
No dia do enterro levei um buquê de rosas e depositei em seu túmulo. Uma das filhas daquela senhora me agradeceu pelo gesto e disse: "obrigada moço. Não se preocupe, pois sei que a culpa não foi sua. Minha mãe estava proibida de andar sozinha na rua".
Ficamos a tarde conversando. Confesso que um ano depois subimos ao altar.
Tudo isso é muito estranho. Estamos casado há nove anos e não poderia ter escolhido melhor esposa, mas até hoje não entendi direito o que houve.
De uma coisa tenho certeza. Atender ao pedido do espírito da cabana foi uma das decisões mais sábias da minha vida.