Entre Irmãos ( Por Mauro Alves e Sidney Muniz)
Este conto é para mim como um presente raro, pois escrevi em parceria com o meu grande amigo Mauro Alves! Esse cara é deveras um filho da mãe muito inteligente, amigo e talentoso por demais. Adoro esse carioca. Então tenham uma boa leitura. E Mauro, muito obrigado mesmo pela parceria!
1
O administrador de empresas, Jonathan Garcia, ia atravessando uma longa estrada serrana com seu Escort Supreme quatro portas. Um dos motivos de estar viajando, era que ele não queria mais permanecer em Niterói sozinho. Queria mudar de ares, principalmente por causa das brigas com a sua recente ex-esposa sob quem ficaria com a guarda de seus filhos. Como Ana Lúcia era estéril, os únicos filhos que eles conseguiram ter em cinco anos de casados conviviam dentro de um aquário comunitário: Peixe-beijador, peixe-espada, peixe-betta, entre outros.
Isso lhe era um tormento.
Jonathan resolveu ligar o rádio do carro enquanto viajava. Sintonizou em uma estação de rock, tomando certo cuidado para não colocar uma batida romântica e impedindo, é claro, que as lágrimas brotassem; pois ainda sentia algo muito forte por Ana. Afinal, foi ela própria quem pediu o divórcio.
A primeira canção que Jonathan ouviu ao ligar o som foi a dos Engenheiros do Hawaii cantando “refrão de bolero”: (“Ana... Teus lábios são labirintos Ana... Que atraem meus instintos mais sacanas... O teu olhar sempre distante sempre me engana...”)
— Eu entro sempre nesta dança de cigana — Jonathan mudou de sintonia rapidamente, com lágrimas nos olhos. Por que você fez isso
comigo Ana? Ele pensava.
Mas nem tudo era motivo de tristezas. Dois dias atrás, ele havia recebido uma ligação a cobrar de seu irmão gêmeo Jonas, avisando-o que iria se casar. O seu irmão deixara claro de que ficaria eternamente magoado com a sua ausência. “Vai ser uma festa daquelas Jony!” dissera seu irmão deixando escapar o som de um riso.
Na ocasião em que recebera o telefonema do irmão, Jonathan chafurdava-se em bebidas dentro de um bar noturno onde morava, em Niterói. O objetivo era tentar esquecer o último arranca-rabo que tivera com Ana Lúcia. Havia sido uma briga boba, como, aliás, são todas as brigas que prescindem o Grande Desentendimento entre Casais – brigas principalmente devido à falta de dinheiro para comprar comida para as “crianças” (no caso os peixes) que já borbulhavam de fome. Aquilo, logicamente, era um pretexto que Ana Lúcia tinha para começar uma briga. Afinal de contas, ela nem ligava tanto para os pobres peixinhos assim... mas ela parecia decidida a acabar logo com o casamento dos dois.
Quando o celular de Jonathan vibrou em cima do balcão engordurado do bar, ele ainda não se encontrava bêbado. Por que fez isso comigo Ana? Por que?
— Dê boa sorte para o seu brôu, Jony. Ele vai se casar! — dissera Jonas na outra linha. Jony deu um gole no Campari a sua frente.
Seu irmão gêmeo iria casar-se, e ele, separar-se. Que ironia.
Jonathan foi convidado para ser o padrinho do casamento. E, apesar do tumulto que sua vida se tornara, é claro que ele aceitaria. E estava ansioso para conhecer a sua nubente cunhada.
2
No dia seguinte a ligação de seu irmão, Jonathan Garcia tinha colocado a sua melhor roupa e pegado a estrada até Juatuba/MG, local onde sua ex voltou a morar depois da discussão entre os dois. Acabou tendo o azar de viajar em um dia ruim – muita chuva e aguaceira no caminho. A maioria das estradas estava esburacada, motivo dele já se sentir aflitivo. Após 150 km rodados, parou em um posto Texaco para abastecer, voltando a desligar o som. Chega de Engenheiros do Hawaii. Chega de refrão do bolero.
Um borracheiro de dois metros de altura, usando um macacão cinza escuro de oficineiro, se aproximou do Escort Supreme batendo uma chave de grife na palma das mãos.
— Encha o tanque, por favor — pediu Jonathan a ele.
— É pra já, sinhô...? — o homenzarrão usou os dois primeiros dedos da mão direita cheia de sebo para massagear o meio da testa. — Desculpe não lembrar o nome do sinhô, apesar de tu vir sempre aqui. Memória num é meu forte, mas inchê o tanque sempre é a tua preferência, disso eu nunca se asqueço! Tu mudou de carro né?
— Mudei, sim.
Apesar de ser a primeira vez que Jonathan Garcia via aquele homem a sua frente, era preferível não revelar nada a ele. Contudo, o fato de saber que seu irmão gêmeo freqüentava aquele posto, já era algo no mínimo curioso. Foi com esses pensamentos que Jonathan retomou viagem, dessa vez sem ter parado uma única vez.
Acabou chegando ao prédio onde morava a sua ex-esposa antes mesmo daquele fim de tarde.
3
Subir até o apartamento dela no 16° andar com um buquê de flores na mão não foi um grande problema. Nem mesmo passar pelo porteiro. Agora, encontrar Ana Lúcia de quatro na cama, com o rabo empinado na direção do ventilador de teto ligado enquanto fazia sexo anal com um homem idêntico a ele? E pior! O filho da mãe era seu irmão!
Esse sim foi um grande problema.
O som de um rock pesado invadia seus ouvidos naquela bela cobertura. Nem sempre é bom obter a chave de seu antigo lar.
— Por quê? — Jonathan perguntou com um bolo remoendo seu estômago.
4
Ana Lúcia voltou a ficar em uma posição de “moça comportada”. E Jonas continuava nu ao seu lado. Ambos completamente nervosos tentavam esconder seus corpos numa briga pelo lençol branco que cobria a cama.
— Mano, eu posso explicar... — os lábios de Jonas se contorceram num esgar de medo puro. — Nós íamos te contar!
— Quando? — Jonathan perguntou tirando uma Tauros PT 138 de dentro do buquê de rosas vermelhas que ele carregava. Apontou a arma na direção dos dois. Ana e Jonas arregalaram os olhos, desesperados.
— Acalme-se Jony! Não foi nossa culpa! — Ana dizia num tom de voz agora moderado. Ele olhou para ela e deu um disparo. A bala passou próxima a ela que desmaiou de susto. Ele então apontou a arma para Jonas.
— O que vai fazer Jony? — Jonas disse, o encarando nos olhos.
— Hoje eu vou á forra! — Jonathan mostrou um sorriso quase maquiavélico.
5
Ana Lúcia acordou ao lado de Jonas que estava desacordado, seu rosto cheio de hematomas. Estavam amarrados á duas cadeiras ainda nus na sala de estar.
— Você dormiu bem amor? — Jonathan perguntou sarcasticamente. Seu olhar era completamente diferente do que Ana acostumara em ver.
— O que vai fazer conosco Jony? Esse não é você!
— Vocês terão um lindo presente do padrinho aqui. Sabe para que servem os padrinhos no catolicismo? Sabe? — Ele perguntava para Ana enquanto andava de um lado para outro.
— Bem... é que... — ela estava nervosa e gaguejava.
— Responda! Sabe ou não?
— Não!
— Os padrinhos no catolicismo servem para ensinar aos afilhados a trilhar o caminho de Jesus. Mas o que é o caminho de Jesus, dona Ana? O que ele é na realidade senão um caminho de árduo sofrimento! É um caminho de sangue. De dor. De perda. Isso que ele nos quis mostrar. Que na vida para se chegar ao céu tem que pagar aqui na terra!
— Está louco? O que vai fazer conosco Jony? — As lágrimas brotavam dos olhos de Ana. O medo era refletido em seu olhar. Jonathan então saiu do cômodo em direção a cozinha sem se importar com o que ela dizia. A mulher pensou em gritar, mas o som estava alto demais. Ela tentava se soltar, sem sucesso. Então começou a chamar por Jonas, mas ele não acordava... a cadeira não se movia... Ana bateu com sua cabeça na dele repetidas vezes. Jonas então acordou, o sangue ainda escorrendo pela sua face, pelo nariz e pelos seus olhos roxos e inchados.
— Meu amor! Ele está louco! — Ela exclamou.
— Fizemos tudo errado Ana. Desculpe-me por isso. Agora ele vai nos matar! Ele apontou a arma para mim e fez com que andasse de joelhos até ele com as mãos para trás e com os olhos voltados para baixo. Quando cheguei, ele me deu uma coronhada no rosto e começou a me chutar. De repente desmaiei...
— Meu Deus!Temos que nos soltar!
— Então vocês dois estão namorando! — salientou Jonathan entrando na sala novamente, trazendo consigo uma sacola de lixo preto. Enfiou a mão dentro da sacola e pegou algo.
— O que é isso? — Perguntou Ana.
— Isso é para vocês dois! — Jonathan partiu na direção dela com um martelo de bater bifes e alguns garfos partidos no meio. Parte do cabo foi jogada fora. Jonathan avançou contra Jonas carregando aqueles apetrechos nas mãos. Pegou as duas cadeiras e os dois agora estavam de costas um para o outro.
— Não quero que nenhum de vocês desmaie. Então vão ouvir os gritos de dor um do outro. Acho que isso vai ser ainda mais angustiante para vocês. Imaginarão cada milímetro de pele sendo perfurada... E não poderão fazer nada — Ele então pegou um garfo e olhou para o irmão. Sorriu e bateu o objeto. Jonas gritou enlouquecido, se debatendo na cadeira.
— Não grite seu canalha! — Disse Jonathan dando um soco no rosto de Jonas. Ele pegou outro garfo — Hora da esquerda! — Agora ele se referia a mão esquerda de Jonas, que chorava de dor.
— Não faça isso irmão! Por favor! Não faça! — Jonas repetia como se fosse uma criança que pedia ao pai para que não lhe desse uma cintada. Mas Jonathan simplesmente posicionou o garfo e bateu mais uma vez. Os gritos agora eram ainda mais fortes e ensurdecedores. O som mal os abafava.
Ele então andou na direção de Ana Lúcia, que chorava como uma criança.
— E agora cadela! É sua vez — Jonathan pegou um garfo e posicionou sobre a mão dela. Ela tentava se soltar, se debatia, gritava, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Ela sentiu o metal tocar sua pele, a sensação gélida a tomou por completo, um frio no estomago a invadiu. Fechou os olhos enquanto o martelo descia e o alumínio perfurava sua mão. A dor que ela sentiu era algo indescritível.
— Covarde! Não faça isso com ela! Deixe-a ir Jony! A culpa é minha! — Dizia Jonas, mas seu irmão psicopata pegou outro garfo e repetiu o mesmo processo na outra mão de Ana. Os gritos eram horríveis. Eram gritos de agonia, desespero e dor. Eram gritos de misericórdia.
— Deus! O que eu fiz? — Disse Ana Lúcia em meio a soluços. Ela abriu seus olhos e viu os garfos cravados em suas mãos. Jonathan Garcia então fez o mesmo com os pés. Os dois gritaram alucinados. Ele voltou-se para o saco plástico. Pegou dois vidros e uma vasilha de plástico e foi na direção deles.
— Vocês vão adorar isso! Ou melhor! Eu vou! — Pegou o liquido e jogou sobre as mãos de Jonas. Depois o pó. Por fim outro liquido. Jonas parecia ter sido cortado por algo.
— Está queimando! Aaaaaaaaaaaa! Meu Deus! Está queimando!!! — Jonas gritava exasperado.
— O que você está fazendo com ele seu louco! Mate-nos de uma vez então! Ele é seu irmão! — Jonathan então se aproximou dela, ouvindo o irmão chorar e se estrebuchar de dor.
— E acha que o que ele fez foi papel de um irmão, sua vagabunda? Vocês vão pagar por tudo isso! Acham que podem me fazer passar por um idiota? —Jonathan derramou o liquido nela, antes que tocasse a pele, ela pode ler.
— Pimenta? Nãoooooo! — Ele jogou o sal! Primeiro sobre as mãos, depois sobre os pés. Por fim jogou álcool. Os olhos de Ana Lúcia lacrimejavam, o sangue escorrendo de suas mãos e pés. Ambos gemiam de dor. Ele então voltou-se para ela.
— Quem você ama agora sua piranha? Quem?
— Eu amo ele! Mate -nos! Mate-nos logo Jony! Sei que erramos, mas me apaixonei pelo seu irmão!
— E você! O que me diz? Ama ela?
— Me solte e eu te mostro por que fiquei com ela! Você não pode imaginar o quanto eu amo!
— Isso vai ser divertido! — Disse Jony, se dirigindo até Ana com uma faca...
— O que vai fazer seu desgraçado?
— Apenas dar-lhes uma chance. Vamos ver o que conseguem fazer tão debilitados — Ele então pegou a faca e cortou a corda de ambos. Os dois caíram no chão. Ana Lúcia olhava para Jonas. Suas mãos cheias de sangue, seu rosto completamente inchado. Jonathan afastou-se dos dois. Eles, caídos no chão, tentavam se levantar, mas a dor era insuportável. Ana então avistou a Taurus mais a frente... Estava no chão, bem no meio do caminho entre Jonathan e os dois.
— Me matem e saiam vivos daqui — Disse Jony. Eles então começaram a rastejar. Jonas mal conseguia se mover. Parecia estar muito fraco devido à surra que levara e a toda aquela tortura. Eles entreolharam-se. Ana sabia que estava em melhores condições físicas que Jonas. Ela então suportou toda a dor e ergueu-se, tremia e sentia os tendões arderem, o sangue jorrava. Jony a acompanhou. Ela saiu correndo na direção dele que pegou a arma e apontou para ela.
— Por que fez isso comigo? — Ele a perguntou, apontando a pistola na direção de Jonas.
— Eu te amo Ana! — Ele então atirou, mas em um instante de valentia Ana usou toda força que ainda lhe restara e pulou sobre ele, a dor a consumindo. Ambos caíram no chão. Jonas estava vivo, o disparo não o havia acertado. Jony e Ana rolavam no chão, ele apertando a ferida do braço dela. Ela gritou de dor e cravou seus dentes na orelha dele. Ele a empurrou e ela caiu mais a frente com a boca cheia de sangue.
— O que você fez sua cadela? — Jonathan disse passando a mão sob sua orelha e pegando a faca que estava no chão. Foi caminhando na direção dela. Ele a atacou com a faca, mas neste momento houve um disparo e ele caiu a centímetros dela. Jonas deitado no chão. Ela rastejou-se até ele. Ambos se levantaram.
— Ele está morto? — Ela perguntou.
— Acho que sim — Disse Jonas com um olhar melancólico, encostando o cano da pistola na barriga de Ana...
Ela se surpreendeu.
— O que está fazendo amor?
— Você me fez matar meu irmão! — Jonas parecia estar louco, seu olhar completamente irreconhecível. Ele então puxou o gatilho. Ana fechou subitamente os olhos. O barulho chegou á seus ouvidos, como um foguete sendo estourado. Ela pôde perceber tudo. No momento em que ela desmaiou, Jonas estava desacordado ao seu lado, os gritos de dor, Jony caído no chão. Ela sentiu-se segura por Jonas. Suas mãos a apertaram com uma força incrível.
— Você não está ferido?
— Não! — disse ele.
— Mas e os disparos?
— Festim, sua idiota!
— E seu rosto?
— Bati com ele na parede algumas vezes, mas não doeu tanto como o que fez com meu irmão!
— Então ele está vivo?!
— Veja por si própria — Disse Jonas virando-a na direção de Jonathan, que agora se encontrava de pé á sua frente. Ana Lúcia olhava incrédula para ele.
— Mas...
— Não sabemos dividir nada na vida! — Disse Jonas segurando-a. Jonathan então enfiou a faca na barriga de Ana, e a girou. Ana caiu deslizando e se postou de joelhos, o sangue escapou de sua boca em meio a uma crise de tosse.
— Porr quuê...? — Ela perguntou dando um último suspiro.
— Porque aqui é tudo entre irmãos, minha linda! — Disseram os dois gêmeos, vendo-a agonizar. — Tudo entre irmãos!
Fim.