O Jardineiro

– Clang, clang, clang! – Tilintou o batedor da porta pausada e pesadamente. Cerca de cinco minutos depois, Juno descia as escadas, ainda resmungando por terem lhe acordado àquela hora.

De chinelos de dedo e roupão por cima do pijama, abriu parcialmente a pesada porta da frente, e frente a ele viu um homem magro, um tanto alto, que vestia um macacão parecido com o de um mecânico, mas claramente dava para ver que não estava sujo de graxa, e sim de terra. Por baixo da sujeira, dava para ver que se tratava de um macacão azul. Seus cabelos longos e escuros as vezes pareciam fazer parte da sujeira do macacão. Apesar do caráter sombrio, o homem não pareceu ameaçador para Juno.

– Desculpe-me senhor. Cheguei agora a cidade, tenho fome e não tenho onde dormir. Não peço caridade; sou jardineiro, um excelente jardineiro, tenho certeza que o senhor não se arrependeria em me dar abrigo e comida em troca dos meus serviços.

Agora sim Juno estava arrepiado de medo, não pelo tamanho do homem, em comparação ao seu 1,65 de um homem de meia idade, mas pela sua voz grutural e assustadora. Mas o homem não lhe parecia mal, tinha apenas um aspecto estranho.

– Atravesse o jardim e bata na pequena casa aos fundos, fale com Surya, a minha empregada, diga que tem ordens minhas para lhe dar comida e arrumar-lhe uma cama. Pode começar o trabalho amanhã.

Surya já era naturalmente uma alma caridosa, e cuidou de tudo para o jardineiro com a ternura de uma freira. Ela lhe foi tão gentil, que ele quase esboçou um sorriso. Quase.

No dia seguinte Surya preparou um humilde café da manhã, e disse ao jardineiro todas as normas da casa, disse também que os negócios de Juno não andavam muito bem, e que por isso não poderia esperar que o emprego durasse muito. Nada que desanimasse o trabalho dele. O trabalho foi incessante nos primeiros dias, e o resultado não tardara.

Os primeiros brotos de flores, gramíneas e pequenas plantas surgiam belos e verdes. A cerca viva estava bela como nunca, e agora sim aquela casa parecia a casa próspera que fora há tempos atrás. Nos tempos em que Juno tinha uma família e os negócios iam bem.

Certo dia Juno chegara de bom humor e até elogiara o trabalho do jardineiro, coisa que jamais havia feito desde sua chegada. Caminhava em passos rápidos e parecia radiante, coisa que nunca mais se vira desde a morte de sua querida esposa.

Aos poucos as coisas iam melhorando para Juno, assim como o jardim, que a cada dia estava mais bonito e florido. Os negócios iam prosperando, e agora o jardineiro até ganhava um salário. Era pouco, ele sabia, mas o que lhe importava era ter onde morar e o que comer.

A cada dia o jardim estava mais belo, agora com enormes flores, belas plantas e a grama mais verde que qualquer um já vira. Sem duvida Marcus era um jardineiro fabuloso.

As coisas iam muito bem para Juno, que agora até arrumara uma namorada – coisa que não havia nem pensado desde que perdera sua doce esposa –. Fazia as vezes algumas festas na enorme casa, que agora voltava a ser a casa alegre de outrora.

Os ventos sopravam ao favor de Juno, assim como a chuva chovia em favor do jardim. Ele estava incrível, não havia uma pessoa que passasse pela casa que não notasse a magia que possuía aquele jardim. Caro leitor, você pode imaginar inúmeros belos jardins, mas nunca um como esse, ele era fantástico, e talvez tão belo como nem no paraíso seria possível.

Juno fechara grandes contratos naquele ano. A empresa abriu filiais na maioria dos países do mundo, e agora ele se tornava um dos homens mais ricos de seu país.

O casamento estava marcado. Seria a festa do ano. O ambiente da casa mudara muito desde a chegada do jardineiro. Juno era muito mais feliz, os empregados eram mais felizes, até a casa parecia ser mais feliz. Parecia que todos sorriam; sorriam perante todo o esplendor do magnífico jardim.

A voz do jardineiro ainda assustava os empregados mais novos, mas não a Surya, ela aprendeu a gostar dele, mesmo sendo ele tão calado e sozinho.

Certo dia quando Juno passava pelo jardim ouviu:

– Não case na igreja!

– Como disse, Marcus?

– Não disse nada, senhor. – E virou para a frente para continuar seu trabalho.

– Pensei ter ouvido algo. – E continuou andando. – Tenha um bom dia.

O jardineiro não respondeu. Juno provavelmente não interpretou isso como falta de educação, pois ele sabia como era o jardineiro, e mesmo que interpretasse não o mandaria embora, pois seu trabalho era magistral.

Outras vezes quando passava perto do jardineiro Juno pensava ter ouvido a mesma coisa: – Não case na igreja. – Mas o mesmo sempre negava, o que Juno achava muito estranho, pois sua voz era inconfundível.

Certa vez enquanto dormia, Juno ouviu novamente. Olhou pela janela e lá estava o jardineiro trabalhando de madrugada. Não fazia sentido ele estar trabalhando aquela hora, nem estar falando tal coisa. Juno tinha medo dele. Imediatamente acordou Surya e disse para que demitisse o jardineiro. Ela estranhou tal atitude, mas nunca questionava seu patrão. Ela deu a noticia para o jardineiro, que sem dizer uma palavra foi arrumar suas coisas e então partiu.

Finalmente chegou o dia do casamento, a igreja estava bela, mas um certo medo ainda fazia Juno arrepiar-se. Não conseguia esquecer aquela estranha voz, que ecoava em sua cabeça. Na hora de dizer sim, por um momento Juno viu o jardineiro no lugar de sua noiva, mas que após uma piscadela voltou ao normal. Tudo estava muito estranho, as pessoas pareciam lhe julgar, sua noiva parecia saber seu segredo. Juno chegou a pensar se aquilo seria o purgatório, mas uma idéia tola dessas não fazia o menor sentido. – Está tudo perfeito. – Juno tentava se convencer.

O jardim que antes encantava qualquer pessoa, agora já não tinha mais a mesma magia. Agora cuidado por outro jardineiro, o jardim perdia cada vez mais o brilho; morria, na verdade.

Diferentes tipos de adubo, produtos químicos e todo o conhecimento do novo jardineiro não foram o suficiente para salvar o jardim, que inexplicavelmente morria como se tivesse vontade própria.

No dia em que se podia dizer que de fato o jardim morreu, também outra morte aconteceu. A esposa de Juno caíra das escadas, e a vida maravilhosa que ele readquirira, agora estava se esvaindo, assim como a vida de sua amada e de seu futuro filho.

Juno nunca mais viu o jardineiro, queria trazê-lo de volta, mas não conseguia o encontrar...

Exceto em seus sonhos, de onde o jardineiro nunca mais sairia, com aquela voz ecoando em sua cabeça, como se um martelo esmagasse seus sonhos.

Agora o jardineiro não tinha mais aquele corpo, e sim sua forma original, a qual Juno nunca conseguia descrever, mas ele tinha certeza de que era Lúcifer, e que ele o estava castigando por ter descumprido seu pacto.

Derek Mendonça
Enviado por Derek Mendonça em 24/08/2011
Código do texto: T3178461
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