A cruz e o canino - Capítulo 2: Júlia
Antônio nasceu em uma cidadezinha do interior, no sertão. Seu pai era fazendeiro, e sua mãe, dona-de-casa. Os pais de Antônio não eram ricos, tinham apenas o suficiente para viver bem, sem luxos, mas sem passar fome.
Aos 14 anos, quando ia iniciar o ensino médio, Antônio sem udou para a capital, e lá conheceu Júlia, uma menina de sua turma, por quem se apaixonou. Júlia era linda, seus cabelos da cor de castanha e seus olhos cerúleos encantavam todos quando combinados com seus gestos delicados, como que de uma bailarina, e, assim que a viu, Antônio se apaixonou.
Antônio era muito tímido e se dedicava demais aos estudos para falar alguma coisa com Júlia, mas sempre ficava admirando-a durante as aulas. A amava secreta e ingenuamente, com uma pureza da qual apenas as crianças são capazes, a amava sem que ela soubesse, como as flores amam o Sol, sem que o Sol se importe, tampouco note a existência delas.
Um dia, quando Antônio saía da escola, Júlia cutucou-o, e, quando virou e a viu, ele corou, e ela, também corada, estendeu-lhe um envelope rosa com um coração escarlate.
-O que é isso?
-É um convite para meu aniversário.
-Mas... nós nem somos amigos, somos?
-Não, mas é que eu... gosto de você.
Antônio ficou estático, e a menina apenas o olhava envergonhada enquanto ele esperava que ela risse e dissesse que aquilo era apenas um brincadeira de mau gosto. Ela não riu.
-Como assim gosta de mim se mal conversamos?
-Você é o único menino da nossa turma que não fica dando em cima de mim o tempo todo. É muito chato o que eles fazem.
-Eu... eu também gosto de você, mas não tive coragem de falar-lhe.
-Então você vai para a minha festa?
-Claro que vou.
Júlia abriu um l argo e sincero sorriso e saiu saltidando escola afora. Antônio ficou mais alguns instantes parado, perplexo, até conseguir andar de novo, e, então, foi para casa, onde passou o resto do dia com um sorriso bobo, um sorriso de apaixonado, da paixão de uma criança, a mais bela e pura que pode existir.
O resto da semana passou normalmente, mas agora Júlia e Antônio ficavam se olhando no meio da aula. Um dia, quando uma das amigas de Júlia viu os dois se olhando, cutucou as amigas e todas deram risadinhas, o que fez os dois corarem.
Enfim chegou o dia da festa, e Antônio foi para a casa de Júlia, onde foi atendido por sua mãe:
-Boa noite, - disse ela. - Vamos entrando.
Antônio obedeceu e, ao cruzar o portão, ficou maravilhado com a bela casa da menina, que era simples, mas aconchegante e bem-cuidada.
-Qual é o seu nome?
-Antônio.
-Eu sou Fernanda, mãe de Júlia. Muito prazer. E você, conhece minha filha da escola?
-Sim, somo colegas de tur...
-Ele é meu namorado, mãe. - interrompeu Júlia, que saia pela porta da casa.
Antônio não entendeu muito bem o que se passava, mas não achou ruim, então não desmentiu.
-Que gracinha, minha filha, ele é lindo. - disse dona Fernanda, apertando as bochechas do menino, que ficou vermelho com o sangue que sentia pulsar como se fosse romper suas veias.
-Mãe! - berrou a menina, envergonhada com a atitude da mãe, e pegou o menino pela mão e o conduziu até os fundos.
A família de Júlia e algumas de suas amigas estavam sentadas em mesas, comendo um jantar preparado pela mãe da aniversariante, e conversando. Júlia puxou uma cadeira para Antônio se sentar ao seu lado.
O jantar foi maravilhoso: a comida estava deliciosa e as pessoas conversavam alegremente. Até teve uma hora em que alguém ligou um som numa música dos Beatles, Twitst and Shout. Os tios e avós de Júlia foram dançar, e todos se divertiam com a diversidade de danças, desde as mais belas e sincronizadas até as mais espontâneas e desengonçadas. Antônio olhou para Júlia, que o fitava envergonhada, e tomou coragem de chamá-la para dançar. A menina aceitou antes que Antônio pudesse se lembrar de que não sabia dançar, mas já era tarde, já estavam dançando. Antônio tentou imitar as pessoas que dançavam, mas ele desequilibrava facilmente devido è falta de técnica, enquanto Júlia dançava graciosamente em sua frente, com um belo sorriso nos lábios, e dando risadinhas divertidas quando seu par tropeçava, o que não era muito raro.
A música parou de tocar, e logo o som começou a tocar Sailing. Fernanda apagou as luzes da varanda, que ficou iluminada apenas pelas luzes de dentro da casa e pelas velas acesas na mesa. Os dois mais novos namorados daquela varanda continuaram sua dança atrapalhada e inocente, quando Júlia pouso sua cabeça no ombro de Antônio, e dançaram juntos, tão entretidos que nem notaram quando todos pararam de dançar e os observavam. A música terminou e os dois pararam de dançar, mas ficaram se olhando, e os olhos se aproximaram cada vez mais até que os lábios se tocaram num beijo inocente e sincero. Todos começaram a aplaudir, e os dois meninos ficaram rubros de vergonha e foram se sentar.
Depois da festa, quando Antônio ia embora, Júlia se despediu dele com um beijo e disse: “Até segunda.”.