Um zumbi no meu pátio
Ela apontou a arma. Era para ser uma brincadeira, de mau gosto, é verdade. Rogério não deu bola. Continuou segurando sua latinha de cerveja, com os olhos grudados na TV. Resumiu-se a perguntar:
- Larissa, não tem louça na pia?
O estampido soou forte e Larissa só se deu conta que tinha matado seu marido quando ele desabou para a frente, com um buraco do lado da cabeça. A cachorrada latiu, a televisão não alterou sua programação por causa do Rogério e Larissa disse para si mesma: estou encrencada. Não que amasse o Rogério. Longe disso. Só estava com ele para não passar fome. Mas... ser presa por assassinar aquele inútil nem pensar.
Rápida, Larissa pôs a arma sobre a mesa e foi em direção ao corpo inerte. Sim, o desgraçado estava morto. Tentando se controlar, ela pegou um cobertor grosso, enrolou o falecido junto com o revólver e o arrastou até o pátio. Felizmente era noite. Não havia uma única estrela no céu para iluminar seu crime. Larissa, apavorada, escavou da melhor maneira que pôde uma cova para enterrar o defunto. Depois do que considerou estar razoavelmente fundo, empurrou-o para dentro do buraco, jogando terra por cima.
A pior parte veio depois. Limpar a sujeira. Munida de todo o tipo de material de limpeza que dispunha e luvas, Larissa procurou dar um jeito de acabar com todas as provas. Quando pensava que tinha dado conta, encontrava resquícios de sangue em um canto. Seu tormento levou uma madrugada inteira. O sol raiou e encontrou Larissa pondo suas roupas dentro de duas sacolas. Não teve tempo de sentir culpa. Saiu para sempre daquela casa maldita e na vila ninguém soube dizer aonde haviam ido parar a Larissa e o Rogério. E quem se importava com eles?
Quando a Valentina foi morar naquela simpática casinha, esperava ali recomeçar sua vida. Fazia pouco mais de um mês que resolvera tentar a vida na cidade grande e estava morando junto com uma prima. Descobriu que uma vizinha da vila precisava urgentemente alugar uma casa, pertinho de onde estava.
Valentina logo gostou da casa. Era pequena, simples e alguma coisa confortável. Tinha um banheiro decente e uma cozinha ajeitada. O aluguel era baixo, dava para pagar com as suas faxinas. A única coisa que estranhou foi o cheiro.
Nunca disse nada para a proprietária, mas a primeira coisa que sentiu quando botou os pés na casa foi o tal cheiro. Ele estava impregnado por tudo, inclusive no pátio. Não que fosse forte, mas era persistente. As janelas abertas não eram suficientes para eliminá-lo e Valentina terminou por se resignar. No fim das contas, terminou se acostumando e nem o sentia mais.
Os fatos estranhos começaram a acontecer duas semanas depois de instalada na sua nova moradia. Valentina passou a escutar gemidos vindo dos fundos da casa. Uma ninhada de gatinhos? Ao abrir a porta que dava para o pátio, os gemidos silenciaram. Ela chegou a achar que havia escutado mal e ficou por isto mesmo.
A partir disto, todas as noites gemidos e lamentos invadiam a casa de Valentina, tirando seu sono e sossego. Atemorizada, a mulher chamou alguns vizinhos, porém estes não escutaram absolutamente nada. A sensação de insegurança aumentou. Mesmo assim, Valentina se recusou a deixar a casa. Talvez fosse mesmo impressão sua.
Naquela noite chuvosa, Valentina se preparava para tomar um chá antes de dormir. Até então, o único som que escutava era das gotas da chuva batendo no telhado. Sua calmaria durou pouco. Um relâmpago, seguido de um clarão, iluminou a porta dos fundos no exato momento em que Valentina escutou lamentos mais altos e mais sofridos vindos do pátio. O susto foi grande, mas ela já estava com raiva daquilo tudo. E se fossem alguns moleques querendo lhe pregar uma peça?
Furiosa e armada de uma faca, Valentina escancarou a porta, pouco se importando com a chuva. Seus olhos perscrutaram a escuridão e algo lhe chamou a atenção. A terra do pátio, próximo ao muro, estava revirada. Aquilo a intrigou. Mesmo se molhando, Valentina foi até o local e se deparou com uma... cova aberta! Imediatamente, ela deu uma volta em torno de si mesma, em pânico. Algo estava muito, muito errado.
A porta bateu violentamente, deixando-a do lado de fora. Valentina largou a faca no chão e se jogou contra a porta, pensando que ela estivesse trancada. Mas ela a empurrou com tanta força que terminou caindo no chão, zonza. O piso da cozinha apresentava pegadas de terra, passo por passo, indo em direção à sala escura. Lentamente, Valentina se levantou. Ainda não sabia do que se tratava. Um ladrão? Brincadeiras de mau gosto? A única coisa que Valentina tinha certeza era de que estava odiando tudo aquilo.
Devagar e respirando fundo, Valentina caminhou até a sala, temerosa do que iria encontrar. O ambiente estava escuro, mas pelo canto do olho percebeu uma sombra se mexendo próxima à janela. Os trêmulos dedos dela encontraram o interruptor e Valentina acendeu a luz. E então ela gritou.
Um homem sujo de terra e com um ferimento na cabeça a encarava sem dizer uma única palavra. Ele era alto e seus olhos, arregalados. O que era aquilo? Um zumbi?
- O que você quer, seu monstro? - berrou ela, em pânico.
- Você - respondeu ele, com a voz surpreendentemente clara.
A coisa se jogou com uma rapidez impressionante por sobre Valentina, que bateu a cabeça no chão. Ela ficou tonta, mas mesmo assim bateu fortemente no peito dele com os punhos cerrados. O mesmo cheiro que tomava conta da casa agora voltou mais forte e vinha do monstro. Cheiro de coisa morta, pensou ela, debatendo-se.
Valentina nunca pensou que a coisa pudesse ser tão forte. Por mais que lutasse, era quase impossível se mexer debaixo daquele corpo fedido. O cheiro que emanava dele a sufocava, fazendo que tossisse até seus pulmões parecerem que iam explodir. Por fim, Valentina soltou seu último suspiro. O zumbi venceu.
A vizinhança só deu falta dela uns dois dias depois e isto porque a dona da casa queria o dinheiro do aluguel. Um vizinho fortão arrombou a casa, mas ali dentro só havia um cheiro... cheiro de podre, terra, morte. De Valentina, nem sinal.
Dias mais tarde, alguns meninos da vila que jogavam futebol no campinho voltaram para casa mais cedo, apavorados. Juraram que viram um casal de zumbis vindo na direção deles, de olhos arregalados e as roupas esfarrapadas. Ninguém acreditou na história e os adultos disseram que era invencionice deles.
Um mês depois não havia mais ninguém morando na vila. As casas estavam vazias e fedor impregnava pelas ruelas. Os zumbis estavam prontos para atacar a cidade.
Mas esta já é uma outra história.