A Espera Circular
O mecanismo repetitivo e barulhento do arredondado relógio de parede era apenas um, dos muitos sinais da eterna espera de Dona Benedita: os riscos dos tamancos no soalho, o rasgo do gasto papel de parede com arranjos circulares que revelava outro revestimento igualmente gasto e com os mesmos sinais de fadiga e paciência do seu irmão caçula e idosa anfitriã (provavelmente uma outra espera de uma outra era).
Em sessenta anos de espera, a rotina transformava os objetos, ambiente, situações e Dona Benedita em algo monótono, repetitivo e tediosamente previsível: o mesmo relógio, cortina, fresta, parede, paciência, moscas; os mesmos ruídos, breu, espaços vazios (internos e externos); as mesmas corrediças, baratas, rachaduras; a mesma... Dona Benedita.
A mesma estridência da campainha invadiu os mesmos tímpanos, e arrastando os novos tamancos - porém transmutados nos antigos pela rotina enlouquecedora - seguiu em direção a familiar e previsível porta. De tanto esperar não mais esperava: como um vinil arranhado, cumpria sua sina tediosamente robótica e, presa que estava aos pesados e tirânicos grilhões da rotina, atendia sem se irritar, sem mais esperar. Abriu a porta e a previsível visão familiar da movimentada calçada de sua casa, enfileirada por pinheiros e canteiros de orquídeas e gerâneos, foi repentina e misteriosamente transmutada: em seu lugar um ciclópico e opressor muro de aço e concreto barrava sua vista e enegrecia sua casa: com olhos marejados levou as mãos ao firmamento que o muro barrava e ajoelhada agradeceu a Alguém ou Algo por lhe ter presenteado com tão intensa satisfação e felicidade, aniquilado sua tediosa rotina: morreu feliz.