O energúmeno - Capítulo 12

Canela, 1972

O enterro de Demétrio foi no mesmo dia. Poucas pessoas acompanharam-no, apenas as que queriam ter certeza de sua morte. O seu caixão era revestido e lacrado, para que não pudesse “ressuscitar” de novo, e seu túmulo era simples, com uma inscrição que dizia “Aqui jaz o filho do diabo” e sem quaisquer flores.

Fausto, que ainda não tinha recebido a notícia da morte de Demétrio, estava matutando sobre todas as coisas que aconteceram com ele. As peças que ele montara não eram nada perto do tamanho do quebra-cabeças que ele tinha para resolver. Comia mal há dias, não se banhava regularmente, nem falava muito com as pessoas, sua cabeça estava concentrada naquele mistério.

Fausto estava em seu quarto, à noite, quando alguém bateu de leve em sua porta, ele, desconfiado como sempre, pegou a sua arma e apontou em direção à porta:

-Quem é?

-Sou eu, filho.

-Entre.

Maestro entrou nos aposentos de Fausto, e o saudou com um breve aceno de cabeça. Não tomou cadeira alguma, apenas apoiou a mão sobre uma mesa, cruzou as pernas, e começou a falar:

-Meu dever está quase cumprido, o menino já está morto, assim como todos os meus inimigos.

-Como assim o menino está morto!? Desde quando? Como foi?

-Eu o matei, noite passada mesmo.

-Como?

-Simplesmente matei dois policiais que estavam distraídos numa rua no meio da noite, baleei Demétrio com a arma de um deles, e joguei o corpo do menino ao seu lado.

-Se pra você era tão fácil matar o menino, por que não fez isso antes? E por que teve que fingir sua morte? E que corpo era aquele no porão? - Fausto estava cada vez mais horrorizado com seu pai.

-Acalme-se, filho, uma coisa de cada vez. Há muitos anos, eu criei este circo, que agora é seu, junto com um sócio, muito meu amigo na época, só que passamos por vários problemas financeiros, e a coisa ficou preta depois que um de nossos artistas se acidentou, e ficou todo deformado. Não demorou muito para que ele morresse, não sem fazer uma ou outra apresentação antes, e o povo sentiu tanto a falta dele depois de sua morte... até parece que ver uma pessoa deformada lhes fosse prazeroso. Mas talvez fosse isso mesmo, e ali nascia uma ideia para que a gente não morresse de fome: fazer um circo de horrores. Meu sócio não aceitou a ideia, e me abandonou ali, me deixou tomando conta do circo sozinho, e eu consegui! Montei um circo de horrores. Isso era suficiente para garantir minha sobrevivência, mas eu não me sentia pleno, não sem realizar a minha vigança contra aquele que me abandonou na primeira dificuldade, e, para isso, eu precisava de um peão, que levasse a culpa pelo assassinato, e foi aí que eu conheci Demétrio, que ainda era um bebê na época, e prometi para o diabo que daria o que ele quisesse, até minha alma, depois que eu morresse, se eu pudesse me realizar aqui, durante a vida. Afinal, de que vale morrer sem se sentir realizado? A mãe de Demétrio era uma prostituta muito pobre, mas lhe dava muito amor e carinho, mas, com um pouco de dinheiro, não foi difícil acabar com esse amor da mãe. Tratei mal o menino, chicoteei-o, fiz-lhe passar fome, tudo isso para piorar sua imagem, e fazê-lo acreditar que realmente era o filho do demônio. Quando julguei-o grande o suficiente para o meu propósito, armei a sua fuga: quebrei a sua jaula e matei o guarda. Mas acabei preso. O diabo me ajudou a fugir da prisão, fiquei amigo dos guardas, e eles até me ajudaram depois quando eu virei policial, quando Demétrio foi preso, e eles colocaram um sonífero em sua comida, para ele ficar como que morto, e, é claro, eu que armei a sua segunda fuga, desta vez da prisão. Matei algumas pessoas de meu interesse, e algumas que seriam de interesse do menino, só para disfarçar, mas, quando meus superiores começaram a desconfiar de mim, parti, não em busca de um menino, mas sim de um sósia, para forjar minha morte. O cara era parecido comigo, mas eles perceberiam que não era eu se eu o matasse e o jogasse na rua, então eu arranquei-lhe a face, e joguei apenas esta na rua. Aquele corpo sem rosto que você viu no porão era dele. Tudo claro?

Fausto estava paralisado com tanta maldade que ouviu de uma só vez. Não sabia o que dizer: não podia apoiar, pois sabia que era errado; não podia contrariar Maestro, pois era seu pai; e muito menos entregá-lo à polícia, pelo mesmo motivo. Só ficou parado até o pai sair pela porta, e dizer:

-Cumprirei meu dever hoje à noite.

Numa velha casa, na cidade de Canela, amanheceram mortos um senhor, e Maestro. O primeiro estrangulado, e o segundo simplesmente morto, sem nenhum motivo aparente. Fausto, que fora até a cidade na noite anterior, soube da notícia logo, e foi na polícia, e contou a história toda, o que ele descobriu e o que o pai dele lhe contou. Os policiais investigaram o circo e a casa velha, acharam nesta segunda o corpo, como disse Fausto, e um diário de seu pai, que contava todos os planos e assassinatos, um por um, detalhe por detalhe, com toda a insanidade da mente de Maestro.

-E qual era o nome dele, afinal? - Perguntou o policial

-Nefasto.