O energúmeno - Capítulo 11

Canela, 1972

Por incrível que pareça, desde que Demétrio fugiu da prisão, não houve mais assassinato algum, apesar de o episódio da prisão ainda permanecer um mistério: vários peritos foram à cela na qual Demétrio estava preso, e não conseguiram explicar como alguém poderia arrebentar aquelas grades com as mãos. Os guardas foram realmente mortos por mãos humanas, apesar de que uma força descomunal seria necessária para estrangular guardas daquele tamanho, o que era improvável, e suspeito, para um jovem magricela de 17 anos.

Paulatinamente, os cidadãos de Canela retornaram ao estado de paz, alguns nem se lembravam mais de Demétrio, outros ignoravam o fato de ele ter existido, e alguns ainda achavam que ele estava morto.

As famílias que perderam entes queridos foram superando isso, a polícia foi se acalmando, e as mulheres foram andando com suas bolsas despreocupadas (até demais) pelas ruas.

Mas algumas pessoas, como Fausto, não conseguiam aceitar como o menino pôde ter desaparecido. Será que isso tinha alguma coisa a ver com os planos de seu pai? Não era impossível, afinal o velho fingiu a sua morte, e alguns dos mortos eram inimigos seus. Fausto deveria obedecer o pedido de seu pai, deixá-lo resolver os assuntos pendentes, e esperá-lo voltar, mas, agora que as peças começavam a se encaixar, não podia ficar se fazer nada. Pegou o revólver com o qual sempre andava, munição, e saiu em busca do pai, ou do menino.

Procurar por duas pessoas aparentemente mortas era tão difícil quanto Fausto esperava, ninguém em sã consciência vê mortos andando na rua. Mas ele não podia desistir, tinha que resolver esse mistério, e saber o que o pai quer com esse menino.

As buscas não estavam dando certo, até que um dia Fausto lembrou-se do velho casebre no qual seu pai se escondia sempre que tinha problemas com algum bandido, ou com a polícia.

A casa tinha dois andares e um sótão, e era muito velha. A pintura descascava, e havia uma ou outra janela quebrada. A madeira podre era comida pelos cupins, e as aranhas e morcegos fazia suas casa nos cantos. A grama do terreno estava alta, um verdadeiro mato, as flores do jardim murcharam e morreram, e as poucas pedras do caminho que não foram surrupiadas estavam encardidas pelo tempo. As telhas quebradas provavelmente não forneciam um abrigo muito eficaz na época de chuvas, e a porta da frente estava entreaberta, talvez nem fechasse mais.

Fausto acendeu uma vela que trouxera e entrou na casa. O lugar estava deserto e sombrio, e o vento assobiando pelas frestas das janelas ajudavam a compor o clima aterrorizante. Fausto procurou por todos os cômodos da casa, inclusive no sótão, e no quintal, mas não achou nada, e se lembrou que não procurara na casa toda, havia uma passagem secreta embaixo da escada, que levava para o porão.

O porão era escuro, úmido e fedido. Ratos e baratas andavam livremente pelo chão. Fausto pisou em uma poça, e olhou para baixo, aquilo não era água, certamente, era vermelho. Sangue? Será humano? Fausto estava saindo do porão, pois não havia muito o que procurar naquele lugar pouco mobiliado, quando se deparou com um guarda-roupa, o lugar de onde vinha o sangue era dentro desse móvel. Fausto engoliu em seco e abriu-o. Um cadáver sem rosto caiu em cima de Fausto, que tomou um susto, e o pôs de volta no lugar, antes de sair da casa.

“Dessa vez eu não achei nada,” pensou Fausto. “mas ainda hei de achar meu pai e aquele moleque.”

No dia seguinte, dois policiais apareceram mortos no meio da rua, junto com Demétrio, que fora baleado.