O energúmeno - Capítulo 8

Canela, 1967

Demétrio já fugia da polícia há alguns meses, não tinha lugar para dormir, qualquer buraco escondido estava bom, e o dinheiro para comida era, às vezes, da mendicância, e ,às vezes, do roubo, mas as vezes do trabalho eram raras, ou até inexistentes: o que poderia fazer um pequeno monstro.

O menino não se lembrava de nada daquele dia, há 3 ou 4 meses, no qual Maestro lhe apontara uma arma, e ele, o menino, correu com todas as suas forças. A última cena que tinha daquele dia era a arma apontada em sua direção, e, depois disso, lembra-se de ter acordado em outro beco, dentro de uma lata de lixo.

Ouviu pelas ruas que um filho do demônio matara um homem naquela noite. Mas não poderia ser ele próprio, ele não matou ninguém. Ou matou? Não se lembrava. Alguém poderia não se lembrar de ter matado alguém? E, se foi ele mesmo quem matou, por que não era ele que estava com a carteira? Teria ele jogado em algum lugar? Não se lembrava.

Quando saía de dia, tomava cuidado com os policiais, principalmente Maestro. Se alguém apontava para ele, e corria em sua direção, ele já tinha várias rotas de fuga planejadas. De dia era a medicância, à noite era o furto.

Numa bela noite de lua cheia, foi assassinada uma velha, dona de um bordel, chamada Madame Crystal. Foi morta afogada numa fonte, e seu cadáver foi estuprado e esquartejado, e os pedaços amanheceram jogados numa rua. A polícia logo foi chamada, e Joaquim logo atribuiu o crime a Demétrio, pois sabia das relações do menino com a velha, pois ele mesmo persuadira a velha para conseguir o menino.

Demétrio ficou sabendo da notícia no mesmo dia. Sim, o filho do demônio de quem todos falavam nas ruas era realmente ele, ele sabia porque falaram de sua mãe, que trabalhou no cabaré. Ele não matou ninguém, até dormira cedo na noite passada, ou será que o menino matava durante o sono e não se lembrava?

O menino puxou um terço que carregava consigo, e tentou rezar, mas não conseguia, uma força maior que ele o impediu de fazer a oração, e impeliu o terço para longe. Será que era essa mesma força que matava pessoas contra a sua vontade, e apagava a sua memória? Tudo levava a crer que sim, mas Demétrio sentia que tudo isso só poderia ser mentira.

Um mês se passou, e mais duas pessoas foram mortas durante a noite, duas freiras do orfanato, e a culpa, é claro, foi para cima de Demétrio que, é tão claro, não se lembrava de nada. E se assustava com essas notícias.

Joaquim fazia muito barulho cada vez que acontecia um assassinato, mas pouco parecia fazer para achar o menino, apesar de mobilizar todas as viaturas que estavam ao seu dispor, e isso atraía olhares atravessados de seus superiores, e Joaquim sabia que cada vez mais estavam na sua cola, mas não deixaria o menino assim, seu plano tinha que dar certo.

O policial ficou “nessa enrolação”, como diziam seus superiores, por muitas semanas, até que aconteceu um novo assassinato, mas a vítima dessa vez nada tinha a ver com o menino, era um velho sócio de Joaquim, que o deixou cuidando sozinho do circo, na miséria, na primeira oportunidade que apareceu. Joaquim sabia que dessa vez os seus superiores não tirariam o olho dele, e foi, pessoalmente, atrás de Demétrio.

Poucos dias se passaram e o rosto de Joaquim amanheceu numa rua. Não se tinha paradeiro do resto de seu corpo.