O energúmeno - Capítulo 6

Canela, 1965

Um ano se passou desde que Demétrio foi morar no orfanato. Nos primeiros dias, Demétrio era impossível se ser controlado, mas, depois de um tempo, sua ira foi diminuindo, e apareceu um brilho em seus olhos, como nunca tinha acontecido, mas uma vozinha falava em seu peito às vezes, dizia que o mundo era ruim, e lhe lembrava dos dias ruins que passou com Maestro, dizia que os homens eram todos assim, que ele tinha que se vingar de todos, que ele não era como os outros, que era um monstro. O menino lutava contra essa voz, para ela não lhe dominar, e conseguiu abafá-la por um ano, mas, cada vez mais, essa voz aumentava de força e influência, e o menino começou a sucumbir a ela.

O pequeno órfão um dia jogava bola e, quando um menino que estava de juiz no jogo marcou uma falta injusta, Demétrio pulou em cima do árbitro, e começou a lhe desferir socos no rosto. Quando os meninos foram apartados, o juiz estava com os olhos roxos, o nariz sangrando, e a bochecha inchada. Demétrio foi posto em seu quarto, depois de uma bronca da madre superior, e por lá permaneceu o resto do dia.

O dia consecutivo se seguiu sem nenhum incidente, e o seguinte, e o seguinte, mas, no quarto dia após a briga no jogo de futebol, Demétrio não conseguiu ignorar a voz de novo, e, quando uma freira estava distraída, ele levantou-lhe o hábito e arrancou-lhe o véu, e saiu correndo com este na mão pelo orfanato. Mais uma bronca e um dia em seu quarto.

Duas semanas se passaram, e todos já tinha até se esquecido das coisas que Demétrio fizera, mas, um belo dia, o menino puxou os cabelos de uma menina, e a arrastou pelo corredor do dormitório. Gritos de dor e desespero saíam da boca da menina, lágrimas corriam por seus olhos, e a sensação dos cabelos sendo puxados, parecendo que serão arrancados do seu couro cabeludo é terrível, mas nenhuma súplica da pobra menina parou Demétrio, que continuava arrastando-a pelo corredor, mesmo quando a dor fê-la perder a voz, e nenhum som era emitido de sua boca, senão guinchos quase mudos, abafados pelo sofrimento de ter os cabelos quase arrancados da cabeça. A freira superior ouviu os gritos, levantou da cama e foi correndo em direção a eles, e, quando chegou lá, viu a cena e separou o menino de sua vítima, que jazia no chão, paralisada pela agonia, e o agressor, agora nos braços da madre, se debatia com todas as suas forças, mas sua pequenez o impedia de se soltar, e a madre o levou para a sala da coordenação do orfanato, enquanto outras freiras socorriam a menina, e a levavam ao pronto-socorro. A madre olhou profundamente no olhos de Demétrio e perguntou-lhe:

-Por que fizeste aquilo?

-Não sei.

-Como não sabes?

-Simplemente não sei.

-Fizeste do nada?

-Uma vozinha dizia dentro de mim que eu devia fazer isso, pois a menina me xingou ontem de deformado.

-E por que tu não me disseste nada sobre ela ter te xingado?

-Não sei, eu só achei que eu mesmo deveria mostrar a ela que isso era errado.

-E, então, fizeste uma coisa mais errada ainda?

-Desculpa, eu só queria ser normal, como os outros.

-Mas vós não sois normais, todos sois especiais, únicos,filhos de Deus, muito amados por Ele como se cada um fosse seu filho único. Mas Deus fica triste cada vez que um de seus filhos faz uma coisas errada, assim como tu ficaste triste quando a menina te chamou de deformado.

-...

-Tu não vais brincar com os meninos por alguns dias, vais ficar no seu quarto, refletindo sobre tua atitude de hoje, e espero que isso não volte a acontecer. Posso contar contigo, Demétrio? Sei que és um bom menino.

-... Pode, madre.

-Então dorme agora, e amanhã reflete sobre isso tudo.

-Está bem

-Boa noite.

-Boa noite.

Demétrio passou o dia no quarto, mas não conseguia achar nenhum erro em suas atitudes, a voz dizia que o que fizera na noite anterior era o que devia ser feito. E isso consolava Demétrio, que quase se sentiu culpado por ter feito a coisa certa.

O dia foi tranquilo, e todos foram dormir quando anoiteceu. A noite foi sem gritos, mas, quando amanheceu, nem Demétrio, nem a menina dos cabelos puxados, que já tinha voltado do hospital, estavam em suas camas. As freiras começaram a procurar pelo orfanato, e encontraram a menina, com as roupas rasgadas, sangrando em frente ao banheiro, ela estava desfalecida sobre o piso, e tinha marcas de arranhões no rosto e nos braços, e sua calcinha estava aos pedaços pelo chão do banheiro, junto a um rastro de sangue. Demétrio arrastou a menina durante a noite até o banheiro, devidamente amordaçada, para que não gritasse outra vez, e lá mesmo rasgou-lhe as veste e a pele, e tirou-lhe a virgindade. O choque foi tamanho que a menina agora jazia desmaiada no chão. E Demétrio agora estava desaparecido, em algum canto daquela cidade.

-Eu não sou filho de Deus! - repetia Demétrio consigo mesmo, deitado num beco úmido e escuro.