O energúmeno - Capítulo 5

Canela, 1964

Demétrio chegou à cidade, mas não sabia o que fazer: não conhecia ninguém, são sabia sobre nada da cidade, não tinha dinheiro algum consigo; decidiu, porém, que esta era a primeira providência que deveria ser tomada, precisava de dinheiro para matar a fome, que era tremenda.

O menino pediu emolas do jeito que pôde, mas não conseguia muito dinheiro, pois não conhecia a arte de inventar desculpas, as poucas pessoas que lhe deram dinheiro são as que não precisavam de desculpas para dá-lo, pois viram a necessidade nos olhos dele. Quando demétrio conseguiu o suficiente para um sanduíche, dois pivetes apontaram-lhe uma faca, e pegaram o seu dinheiro, alegando que ali era a área deles, e que essa era a taxa por mendigar ali. Demétrio sentou no chão e chorou, com a cabeça entre os joelhos.

As pessoas que passavam apontavam, comentavam, e às vezes até riam, não era difícil de ouvir comentários do tipo: “Coitado desse menino, os pais mandam ele pedir esmola ao invéns de mandá-lo para a escola. Isso é errado.”, “Esse menino fica aí chorando de mentira só para nos apiedarmos dele, ao invés de fazer alguma coisa, é por isso que o Brasil não cresce.”, “Cadê a polícia pra prender ele? Aposto que ele está chorando porque foi pego roubando.”. Demétrio chorava mais a cada comentário, e isso criou um ciclo vicioso, que o impediu de levantar-se. Passaram-se alguns minutos, até que um bom homem cutucou o menino, e perguntou:

-O que você tem, filho?

-Eu estou com fome.

-Venha aqui, vou lhe dar de comer.

-Sério!?

-Muito sério.

Demétrio contou sua história para o homem, enquanto devorava alguns sanduíches, em uma lanchonete do outro lado da rua. Contou que nascera naquela cidade, mas se olvidou dela, pois desde cedo morou no circo; contou que era órfão; contou da freira, do terço e da mulher barbada; e contou de como aparecera no mato, e andou até a cidade.

Depois dessa narração de desventuras, o homem decidiu levar o menino até um orfanato de freiras, que tinha na cidade.

Demétrio foi bem acolhido pelas freiras, elas eram tão boas quanto a que dera-lhe o terço, e lutara por ele contra Maestro. Mas, por mais que as freiras fossem boas para com ele, o menino sentia um vazio no coração, sentia às vezes aquele sentimento de ódio dos tempos em que vivia com maestro voltando, mas se segurava para que nada mais acontecesse.

No orfanato, aprendeu as orações, ouviu mais belas histórias da bíblia, comia bem todo dia, recebia amor e carinho, aprendeu a ler e escrever, jogava bola com os outros órfãos, ajudava no dia da faxina da casa, e aprendeu a fazer operações matemáticas.

Esse ano que se passou foi o melhor da vida de Demétrio, e talvez fosse o único bom em toda a sua vida.