O energúmeno - Capítulo 4
Sertão, 1964
Demétrio esperou pacientemente por 5 anos, após a visita da freira (toda noite ele pegava a medalha e o terço que ela lhe dera, e rezava para Deus, sob a luz da lua, em silêncio, no seu íntimo), até que Maestro o surpreendeu um dia em sua oração, e lhe seu um sermão:
-Olha que irônico, o filho do diabo rezando para Deus, e ainda com uma cruz na mão. - e tomou o terço, que Demétrio segurava firmemente, e o jogou na fogueira. A madeira do crucifixo ardeu em brasas, até ser consumida por completo. - Deus não vai fazer nada por você, pois você é um rejeitado. Deus não tem pena de monstros como você. Vá pedr para seu pai, o diabo.
…
-O menino é um monstro! - bradou Maestro, em depoimento para a polícia. - Ele fez um pacto com o demônio para fugir deste lugar. Ele quebrou as barras da jaula com as próprias mão, e matou o guarda, estrangulando-o com uma corda, e depois fugiu do circo, levando consigo apenas as roupas do corpo. Ele apertou o guarda com tanta força que este não pôde nem gritar. E fiquei atônito quando acordei e via jaula destruída e o guarda jazido morto no chão, e, então, liguei para a polícia, imediatamente.
-Está bem, você vem com a gente, você está preso por manter uma pessoa sob cativeiro. - Disse um dos policiais.
-Mas ele não é um menino! Ele é um monstro! Um possesso!
-Então você está preso por porte ilegal de monstros. Entra aí no carro, e cale a boca.
Maestro olhou para um lado, olhou para o outro, e bateu em retirada. Conseguiu correr talvez dois ou três metros até que três policiais pulassem em cima dele, o rendessem e o predessem.
…
Demétrio acordou no meio da areia, não entendeu muito bem o porquê de estar ali, nada fazia sentido, ele adormecera e, quando deu conta de si, já estava lá. Ele não sabia explicar, mas a imagem daquela freira lutando pela sua liberdade voltou a sua mente, fresca, como se ele estivesse vivendo agora:
-Ei, você, dono do circo, tire o menino da jaula, ele não é um montro! Ele é gente!
-Que nada dona, ele é um bicho.
-Ele é filho de Deus.
-Olhe, a senhora cale a sua boca, e saia daqui, se não você vai acabar como o menino. Melhor, faz tempo que eu não faço isso, então eu talvez te moleste um pouco...
A freira recuou, mas o homem pegou-a pelo braço, e a levou para o lado de fora. Demétrio não conseguia tirar essa imagem da cabeça, mas ele não sabe o que aconteceu com a freira depois disso, pois ela nunca mais viera falar com ele.
Demétrio entendeu que estava livre, e que a primeira coisa que ele podia fazer era achar uma cidade e, mesmo que não fosse culto, ele tinha algum conhecimento, e sabia que sempre andar reto é o melhor, pois alguma hora a gente acha alguma coisa, pois não corre o risco de andar em círculos.
O menino caminhou por muitas horas, mas, enfim chegou èstrada, e avistou uma placa, que ele conseguiu ler, com o pouco que a mulher barbada lhe ensinara “Canela, 10Km”. Demétrio não se lembrava do seu tempo de bebê, nem de sua cidade natal, mas sabia que tinha nascido em Canela, e correu em direção à cidade.