Ouro de Tolo

Por Ramon Bacelar

Em uma ensolarada e agradável manhã de domingo, dois amigos de infância se encontraram no Rio da Garganta Funda e remaram em direção à bacia.

Com o calor ainda distante do seu pico, um deles retirou o chapéu de palha e arremessou a linha de pesca a três metros da canoa.

-Tu num vai jogar a vara não Jão?

-Vô sim Zé.

-O dia tá bunito num tá?

-Tá. - Respondeu secamente.

-A pesca vai sê das boa né?

-É.

-Virge Maria ...Tu tá acabrunhado com o que homi de Deus?

Não respondeu.

Duas horas depois Zé tentou novamente.

- Aí ó... Mais outro peixe biliscando seu anzol e eu até agora num peguei ninhuzinho... e tú desse jeito quieto como pedra.

O amigo continuou silencioso por toda manhã.

-Óia jão, se tú num quisé falá cumigo eu vô remá minha canoa e ir imbora agora mermo.

O amigo deu um pulo.

-Vô...Vô falá sim... – Mordeu os lábios enquanto retirava mais uma truta do anzol. – Num é nada cum você não.

-Não?

-Não.

-Intão...

-Intão o quê?

-É o quê homi!

-É a vida Zé. – Desabafou cabisbaixo.

-Cuma?

-É qui... Eu vô morrê sem fazê meus sonho e desejo.

-Oxente?!

Continuou.

-O que eu quiria...Quiria mermo de verdadi, desde minininho, era ficar rico, muito rico, podrão de rico.

O amigo soltou a vara com o susto que tomou.

-Paizín do céu, tu tá reclamando do que homi?! Deus num gosta dessas sujerinha no coração não. Tua canoa tá qui num guenta com tanto peixe e a minha... – Suspirou - Treis trutinha bem piquininhinha. Quem divia tá assim era eu sô.

-Eu sei Zé, mais é que...

-Agora tu vai me deixar falá.

Jão não respondeu.

-Como tá a Neuza?

-Tá bem, muié boa como ela num inzeste não.

-E o Carlinho, Joana...

- Os fio tá tudo bão e com as bochecha rosadona que tu pricisa vê.

-Intão homí!Que qui tu quer mais?! Se tu fossi rico ia precisá sair daqui e ficá longe dos amigo. Cidade grande...Tú sabe né?

-Sei o que homi?

-Homi de cidade grande é compricado.

-Num intendi não. - Balançou a cabeça.

- Põe compricado nisso. Eles tira leitinho fresquinho de nossas vaquinha e manda prus cientista da cidade... Aí eles faiz leite virá pó e coloca numa lata prá vendê prá nóis... Aí pra compricar inda mais... A gente pega água e mistura com pó pra fazer o leitinho iguarzinho como de nossas vaquinha, e inda paga caro. É compricado. –Lamentou.

-Oxente. – Coçou a cabeça - E num é sô!! Nunca matutei esses assunto não. Tu tá certo homi!!!

- Pois é.

-Pois é.

Silêncio.

-Sabe o que é Zé?

-Que Jão?

-É que... Que... mermo compricado eu inda quero ser rico. Vou pidir.

-Cuma? Pidí o que?

-Pidí pra Deus pra ser rico, ter muito, muito...

-Tu tá cum sujeirinha na cabeça homi! Pricisa ir à missa falar com...

-Paizinho nosso que tá no céu...

-Que... que qui tu tá...

- Tô pidindo, num tá vendo?– Continuou rezando – Santificado seja...

-Óia, óia, eu num guento vê essas coisa não.

-Vem a nóis o nosso...

-Tô indo imbora!

Girou a canoa, mas antes de alcançar a outra margem foi surpreendido com gritos.

- Virge, Virginha Maria, meu Deus, Deuzin do Céu!!!...So..Socorro! Socorro Zé... Zé socorro, sooo... ... ... ...

Girou o pescoço, mas só distinguiu a ponta da frágil canoa sumir nas profundezas pelo peso das incontáveis trutas douradas.

FIM

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 13/08/2011
Código do texto: T3157223
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