Uma Segunda Chance

Por volta das treze horas nós estávamos em quatro amigos, Déia, João, Carla e eu, viajando pela rodovia 45, em uma cidade desconhecida, sentido o interior para passar um fim de semana na casa dos pais da Carla.

Estávamos muito alegres e confesso, algumas cervejas rolaram até mesmo com o João que estava no volante,

De repente, após uma curva muito fechada avistamos um animal de médio porte atravessando a pista. João rapidamente tentou desviar do bicho e acabamos entrando num matagal com o carro. A velocidade era muito alta e perdemos o controle. Inesperadamente vimos nosso carro despencar de uma altura enorme e bater com força nas águas geladas do lago. Até essa hora me lembro. O que veio depois foi um apagão, despertado por um grande susto, quando vi meus quatro amigos nadando na superfície, tremendo de frio rumo à margem. Estávamos todos bem, só com muito frio e assustados.

Aquela era uma cena estranha, pois ninguém havia sequer se ferido e nosso carro sumiu no lago de águas escuras.

Seguimos pela estrada à pé até conseguirmos uma carona. Por horas permanecemos quietos quando eu quebrei o gelo e disse: pessoal, tudo bem, estamos vivos e isso é maravilhoso, mas já pararam pra pensar que não faz sentido? Eu vi nosso carro lá no fundo com as portas fechadas, como então conseguimos sair do carro e ainda assim ficarmos todos vivos? Nessa hora, Déia falou: Cara, o importante é que a gente tá vivo, isso é o que importa. Deus nos deu uma segunda chance, vamos aproveitar.

Os dias se passaram e aquilo me incomodava demais, coisa que parecia não acontecer com meus amigos, até que, sábado pela manhã a Carla me chamou e se abriu comigo. Ela disse ter visto algo muito estranho no dia do acidente. Afirmou ter visto o carro afundar e que todos nós estávamos lá dentro. Mas como poderíamos estar lá e nadando fora ao mesmo tempo?

Então eu disse para a Carla que iria até o lago para tirar esta dúvida. Todos sabíamos nadar, mas eu fazia parte do resgate do Corpo de Bombeiros e nadava muito bem. Carla tentou me impedir, mas eu saí escondido.

Com roupa apropriada mergulhei com uma lanterna e procurei pelo carro. Para surpresa ele estava perto da superfície, mas quase despencado em uma vala profunda no lago. A cena era macabra. Estávamos nós quatro, mortos, dentro do carro, em estado de decomposição.

Saí do lago mais assustado ainda e, ao chegar na casa, contei aos quatro o que havia visto, já imaginando que não iriam acreditar. Para minha surpresa todos acabaram confessando que viram nós quatro mortos no carro, no momento que nadávamos para a superfície.

Tomado de um terror inexplicável, tentei convencê-los que isso não fazia sentido. Nós estávamos mortos e não podíamos estar ali, conversando, feito vivos. Isso poderia nos revelar um futuro aterrorizante. Então tomei a decisão que abriria o carro para nossos corpos flutuarem, serem achados e enterrados.

Meus amigos foram tomados pelo desespero. Tentaram a todo custo me impedir e novamente tive que sair escondido e voltar ao lago.

Ao notarem a minha ausência na casa, saíram desesperados para me impedir de tal coisa, pois estaria mexendo com forças além do nosso mundo e o importante era estarmos vivos.

Porém meus amigos chegaram na hora que eu já estava mergulhando. Me gritaram para não fazer isso mas já era tarde.

Forcei a porta com uma pequena alavanca até abri-la. Primeiro flutuou pra fora o corpo do João. Assim que apareceu na superfície e ficou exposto, João, que estava na margem simplesmente desapareceu. Assim ocorreu com Déia e Carla, mas ainda faltava o meu corpo.

Ao movimentar o carro tentando tirá-lo de lá, o carro balançou e caiu na vala profunda e escura, levando meu corpo consigo.

Eu acabei sobrevivendo, mas meus quatro amigos morreram de fato. Por muitos anos carreguei o peso de um possível arrependimento, pois fiquei sem saber se o que fiz foi mesmo correto. Ainda estou vivo e muito bem, mas acabei tirando dos meus amigos tal direto. Fomos todos, divinamente agraciados com uma segunda chance, mas somente eu, que os levei novamente à morte sofri o castigo de ter sobrevivido levando este peso e sem nunca mais ver meus quatro amigos que eu tanto amava.

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 12/08/2011
Código do texto: T3154996
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