O energúmeno - Capítulo 3
Sertão, 1959
-Agora, para vocês, a mais nova atração do nosso circo de horrores, o filho do diabo!
As cortinas se abriram, e apreceu um menino, o mais feio que qualquer uma daquelas pessoas já tinha visto: esquelético, pálido, de extremidades deformadas, cicatriz na face e marcas pelo corpo todo.
Demétrio passou os últimos 6 anos sob a flata de cuidados de Maestro. Desde aquele dia no prostíbulo, o menino era apresentado como o filho do diabo, e Maestro ajudava a manter essa imagem. Dava comida apenas o suficiente para o menino não morrer de fome; flagelava-o diariamente (e sempre que o menino o desobedecia), como na vez em que ele não agiu como um energúmeno durante uma apresentação. O menino ou estava engaiolado, em presentações, ou acorrentado, quando ia tomar seus dez minutinhos diários de ar, ou ambos, como passava a maior parte do tempo.
A zombaria dos espectadores era tanta que Demétrio tentou várias vezes, sem sucesso, se matar. As marcas em seu corpo, quando não eram resultado dos flagelos, eram dos cortes, arranhões e mordidas que o menino desferia contra si mesmo.
A ida com a mãe era miserável, mas a miséria à qual ele se submetia agora era incomparável, e, infelizmente, era a única que ele se lembrava. Sua mãe pelo menos o amava, e o Maestro nem sequer o via como ser humano, apenas como uma forma de ganhar dinheiro.
Fazia apenas uma refeição por dia: o dono do circo almoçava, as sobras dele eram dadas aos funcionários, as destes eram dadas às bizarrices, estas, por sua vezes, eram dadas aos animais e, enfim, o resto era jogado no mate, para virar adubo. Demétrio assistia a tudo isso com fome e tristeza.
Os dias nos quais não fazia nada eram ruins, mas os dias de apresentações eram piores, nada era tão ruim quando passar por aquela humilhação. Ele podia trabalhar para um circo normal, seria qualquer coisa, palhaço, trapezista, mágico, domador de leão, ou até leão; só não queria ser o “filho do demônio”, escravo daquele circo de horrores.
Uma vez, uma freira foi visitá-lo, e foi recebida com extrema hostilidade, mas nem assim, sob os xingamentos e ameaças do menino, ela desistiu. Ela disse que pouco podia fazer pelo menino, mas que rezaria por ele, porque ele também era um filho de Deus, e era muito amado por Ele. Depois de dizer todas essas coisas, a sóror abençoou o menino e entregou-lhe uma medalhinha de São Bento e um terço, para que ele pudesse rezar, e fosse protegido do Mal.
O menino não sabia rezar, ninguém nunca lhe ensinara oração alguma, mas já ouvira falar de vários deuses: os deuses dos hindus, dos quais o faquir lhe falava, quando não estava meditando; o Senhor do cristãos, de quem a mulher barbada contava belas histórias que estavam na bíblia; Alá, Deus de Cotoco (um homem que recentemente se juntou à trupe, que nascera sem nenhuma parte do corpo abaixo da cintura, e andava apoiando as mãos no chão), com sua força e grandiosidade; ouvia até de Beelzebul, Satanás, que era idolatrado pelo homem-cobra e, apesar de saber que não era boa coisa (pois por ser considerado filho dele que estava nessa situação), Demétrio não deixava de ter um certo fascínio por ele, pois era tentadora a promessa de ser o príncipe deste mundo que tanto o condenou e julgou, pelo preço da sua alma, que, para Demétrio, já estava mesmo perdida. Assim, às vezes o menino, de dentro da sua jaula, olhava para as estrelas, e pedia uma vida melhor para qualquer deus que estivesse lá em cima e pudesse atendê-lo.