O energúmeno - Capítulo 2
Canela, 1953
Glory, que agora voltaria a atender pelo nome de batismo, Fantina, se não fosse pelo detalhe de ninguém mais lhe dirigir a palavra, passava seus dias pedindo esmolas, pois era o único jeito de uma mulher como ela, que nada sabia fazer, a não ser sexo, ganhar dinheiro, depois de ter sido despedida do protíbulo.
Canela não era uma cidade muito grande, e, nessas cidadezinhas, não se anda muitos metros até encontrar alguém conhecido, o que, às vezes, pode ser um empecilho.
-Meu senhor, me dê um trocado, eu tenho filho para criar.
-Cale a boca, sua puta. Vai dar a bunda para ganhar dinheiro. - Fechava a janela e acelerava o carro.
“Você não é aquela prostituta do filho feio? Cadê aquela aberração?”, “Por que não está mais no puteiro? Sua bundinha não aguentou?”, “Filho, não chegue perto dela, ela é uma prostituta.” ou ainda “Tá mendigando? Deixa eu te comer que eu te dou uns trocados.”. Essa última era sempre aceita, e Fantina levava qualquer homem que falasse isso para sua casa, a sobrevivência do seu bebê era mais importante que qualquer tipo de dignidade que pudesse ter resstado em si mesma. A cada dia que se passava, ficava mais difícil conseguir esmolas ou clientes, até que sobreviver se tornou impossível. Fantina estava cada vez mais magra e fraca, pois deixava de se alimentar para dar comida ao filho, que crescia feio e doente.
Um circo de horrores estava na cidade, entre suas atrações tinha uma mulher barbada, um faquir que dormia numa cama de pregos e andava sobre carvão em brasas, um homem que se dizia “o mais tatuado do mundo, o homem cobra, com seus dentes pontiagudos e sua língua bifurcada, e um homem que tivera a boca cosida.
O dono do circo estava à procura de mais bizarrices para aumentar o seu elenco e, quando tomou conhecimento do bebê desfigurado, foi direto ao cabaré, atrás da meretriz.
-Boa noite, senhor. - disse madame Crytal, que estava numa mesa perto da entrada. - Em que posso ajudar? O senhor deseja ver nossas meninas?
-Na verdade, minha boa senhora, estou à procura de uma jovem chamada Glory, mãe de um...
-De um monstrinho. - Interrompeu a senhora.- Desculpe-me, ela não trabalha mais aqui. Posso ajudar em mais alguma coisa?
-Onde ela mora?
-Não é de sua conta.
-Uma, duas, três, quatro. - O dono do circo contou as notas que tirava do bolso, e entregou para madame Crystal.
-Tem mais de onde essas vieram?
-Primeiro o bebê. Convença-a a entregar-mo. Eu posso pagar por ele.
-É pra já. O senhor volte aqui de noite que eu hei de lhe entregar o bebê.
-Glory! Ande! Abra esta porta! - Berrou madame Crystal, à porta de sua ex-empregada.
-O que foi agora? - Perfuntou Fantina, impaciente, ao abrir a porta.
-Credo! Como você está feia... E o seu bebê está bem?
-Está lá dentro, dormindo.
-E como você está cuidando dele? Está trabalhando?
-Não. Cuido dele como dá. O que você quer aqui? Estou ocupada.
-Eu vim lhe fazer uma proposta.
-Pois faça!
-Eu sei da sua situação financeira, e gostaria de te ajudar. Um amigo meu não pode ter filhos, por um problema que tem lá... nas bolas,... mas ele quer tanto um filho, e garanto que ele cuidaria bem do seu menino, lhe daria comida, abrigo, amor e educação. Eu contei para ele que você tinha um filho, e que não tinha condições para cuidar do pequeno, e ele se prontificou a lhe pagar uma boa quantia pela adoção.
-Não!
-Mas e o dinheiro?
-Não importa, ele é meu filho!
-Se ele ficar com você, morrerão os dois de fome. Se você o ama, deixe que alguém mais apto cuide dele, e lhe dê uma chance de ser alguém na vida, para que ele não termine como a mãe, que nem se alimentar consegue.
-Não sei. Este homeme é de confiança?
-Absoluta! Ele é um velho amigo de infância, muito rico. Sempre me ajudou com as dívidas do bordel, e cuida muito bem dos filhos.
-Mas ele não tem filhos, não?
-Lógico!
-?
-Ah,... Esses meninos são filhos do primeiro casamento da ex-mulher dele, que morreu. Ele cuida dos meninos como se fossem dele.
-Então por que ele precisa de mais um?
-Você vai questionar assim o homem!? Ele quer te ajudar e é assim que você retribui!? Se você quer o melhor para o seu filho, apareça no bordel à noite, se não, morram você e seu filho! - e se retirou.
-Meu Deus! Onde eu me meti?
-Boa noite, senhora.
-Boa noite... Qual é mesmo o seu nome?
-Não importa, me chame apenas de Maestro. E o bebê?
-Está vindo.
-Então você a convenceu?
-Não...
-Que merda! Velha inútil! Você não consegue nem fazer uma coisa simples as...
-Cala a boca! - Sussurrou a velha, quando o sino da porta soou. - É ela!
…
-Boa noite, senhora.
-Boa noite. Estava esperando por você. Onde está o bebê?
-Aqui. Cadê o dinheiro?
-Está aqui. - Disse Maestro. Entregou o dinheiro a Fantina e à madame Crystal, pegou o bebê e saiu. - Adeus!
-Que grosseiro! - Exclamou Fantina.
-Ele está com pressa, tem um compromisso importante, e você ainda fê-lo esperar. Agora vá embora. O rapaz é bom, eu não.
-Desculpa. Boa noite.
Fantina sobreviveu mais alguns meses até acabar o dinheiro e morrer de fome... e de tristeza...