O energúmeno - Capítulo 1

Nos meus textos, você pode encontrar um conto chamado: Filho do demônio. Eu escrevi esse conto semana passada, e a repercussão que ele deu aqui no site e em outros lugares foi muito positiva, gerando muitos elogios, discussões, sugestões... Hoje eu estava discutindo com meu pai sobre quem poderia ser o assassino, com base no parágrafo do epílogo do conto, e no meio da discussão, ele falou que dava para enriquecer a história com detalhes, e colocar mais o assassino na trama, armando contra Demétrio, usando-o, e eu respondi que, para isso, teria que fazer outra história, com outra forma. Na mesma hora eu peguei uma folha de caderno e um lápis, e comecei a escrever. O trecho que se segue foi o que deu para digitalizar hoje, e espero que num futuro breve, publique aqui a última parte. Para quem leu o conto, a história não é a mesma, mas é baseada naquela, contada de um ponto de vista diferente, com algumas mudanças nas personagens e suas histórias de vida, e é claro, num vou dizer o resultado da discussão acerca do assassino. Boa leitura.

Canela, 1952

Demétrio nasceu num prostíbulo, sob o cheiro de charuto e orgia. A tênue luz avermelhada e a densa fumaça não impediam que a feiúra do recém-nascido pudesse ser vista: um bebê magro; de pele pálida, quase gris; os dedos deformados, assim como as outras extremidades do seu corpo; e uma marca no lado direito de sua face, como que uma cicatriz de queimadura.

A má formação do bebê se devia a uma doença que a mãe contraíra há anos, em uma das sua sessões de terapia anti-stress, no cabaré; embora suas colegas, doutoras da cópula, atribuíssem os defeitos do seu filho a algum castigo divino, próprios de quem vive do pior dos pecados, o de usar o ser humano como um objeto para seu mero prazer.

O pequeno bebê passava o dia no trabalho de sua mãe, dentro de alguma caixa que lhe servia de berço tomando leite de alguma cabra magra que havia no quintal e, na maior parte do tempo, chorando, até sua mãe acalentá-lo, entra um cliente e outro. Mas o choro incessante do bebê incomodava as moças e os clientes, pois “abafa a música e atrapalha o orgasmo”, como declarou um cliente assíduo daquela casa de prazeres, pai de um menino que no futuro seria a causa de sua morte, mas isso é outra história.

-Glory, venha aqui. - chamou Madame Crystal, a dona do estabelecimento. - Aquele bebê horrendo é a coisinha que você ousa chamar de filho?

Sim , senhora, é sim o meu filho. - respondeu se graça a cortesã, enquanto sua chefe a encarava, enrolando os dedos da mão destra em sua peruca ruiva, cujos cachos caíam até pouco abaixo de seus ombros, e, com a mão sinistra, segurando um cigarro aceso, que colaborava com a isalubridade daquele as esfumaçado.

-Sua criaturinha está assustando os meus clientes. - argumentou a proprietária, que largara o cigarro sobre o cinzeiro e agora ajeitava os fartos seios dentro do espartilho.

-E o que você quer que eu faça,... senhora?

-Quero que você se livre dele.

-Impossível!

-Então me livrarei de você.

-Não! Eu preciso do trabalho, tenho que sobreviver.

-É você ou seu filho.

-Não posso abandonar o meu querido, ele só tem a mim, e eu só tenho a ele.

-Ele é um monstro!

-Ele é meu filho!

-Vá embora! Rua!

A velha pegou Glory, a jogou para for a da sala, e bateu a porta. O salão principal calou-se com a cena, o piano parou de tocar “Maple Leaf Rag”, e até o bebê parou de chorar.

Sob o silêncio mórbido, a moça pegou o bebê e saiu, sempre com a cabeça abaixada. Assim que ela fechou a porta atrás de si, o piano começou a tocar “Milord”, e as conversas foram retomadas de onde pararam. Nesse momento, a jovem percebeu que sua existência era insignificante, que ela era só mais uma vagina que saciava os desejos mais animalescos daqueles homens doentes, sua ausência ou sua morte não mudariam a vida daquelas pessoas, rindo, bebendo e transando, naquele pedaço de inferno.