Um assassinato no recanto das letras

A vida de um escritor amador é algo em meio a sonhos, conflitos, perspectivas, solidão, amores, e muita entrega.

Lá estava ele em frente ao computador redigindo seu conto como de praxe. Sempre postava um conto por dia, nem mais, nem menos. Dividia seu tempo entre família, profissão, e é claro, aquele maravilhoso Recanto das Letras. Concentrado em sua tarefa costumeira ele ouve abruptamente o som bipante emitido pelos auto falantes das caixinhas de seu computador. Era seu melhor amigo virtual no MSN.

- Oi Sargento, você está aí? – Perguntou a pessoa do outro lado da linha.

Ele sorriu, riu como se estivesse frente a frente com seu amigo. Sempre conversavam pelo Messenger, e mesmo detestando interromper seus escritos, pausou sua atividade e o respondeu.

- Sim amigo, é claro que estou aqui – ele respondeu – Como vai você? – continuou rendendo assunto.

- Estou em perigo! – respondeu o amigo.

- Pare de brincar Sid. KKKKKKK... – Marcos sabia bem como seu amigo era. Cheio de truques, um palhaço pelo MSN. Ás vezes se perguntava se pessoalmente era tão cômico quanto pela net. Eles pareciam se conhecer tão bem.

- É sério Marcos – Sidney digitou novamente.

Poucos no recanto o chamavam pelo nome. Todos o conheciam por sargento. Mas aquela amizade já os unia há 28 anos. E eles acabaram por se tornar confidentes, amigos de longa data.

- Tem alguém me ameaçando, acho que é do recanto, ameaças de morte. Estou com muito medo! – continuou Sidney.

- Não deve ser nada, só alguém querendo lhe passar um trote – Marcos disse, tentando acalmá-lo.

- Eu recebi uma carta aqui em casa, hoje cedo, ele sabe onde eu moro, sabe tudo de mim, não posso confiar em mais ninguém – Marcos leu cada palavra, e começava a achar que de certo seu amigo falava sério.

- Do que está falando? É impossível! – Sondou.

- Claro que não, o meu nome está lá, e parece que foi muito fácil me achar – revelou Sidney, parecendo estar ainda mais assustado.

- E o que dizia a carta? – Indagou o Sargento.

- Dizia que eu morrerei amanhã. O que faço Marcos? – ele perguntou.

Marcos coçou seu bigode, era uma de suas manias. Tinha um bigode espesso. Seus dedos deslizaram pelo teclado. Ele respirou fundo, depois de tantos anos de conversa, olhou para foto acima da escrivaninha e então digitou.

- Bem, saia da sua casa. Saia agora e vá para um lugar seguro – Ele aconselhou.

- Você está louco! Não posso fugir também – Marcos leu aquilo e ficava assustado – ele sabe tudo que eu faço.

- Fuja logo!! – o sargento aumentou a exclamação tentando ser mais enfático.

- Já disse, não posso! Ele ameaçou matar cada pessoa próxima a mim. Uma a uma. Parentes, melhores amigos, todos – Explicou Sidney.

- Sei que a lista não é grande após meu divórcio. Meus filhos, já não vejo há muito tempo, depois que se mudaram para Europa – Sidney digitava como se desabafasse. As frases chegavam enquanto o sargento via a imagem, Sidney Muniz está digitando uma mensagem... e ele esperava pela próxima pacientemente.

- Minha ex já se casou novamente. Já é até viúva, e dona de um hotel ridículo – Sidney continuava...

- E ele me passou até uma lista dos endereços das pessoas – ele então parou.

- Ele é um psicopata, amigo! Tem que sair logo daí – Marcos voltou a sugerir.

O sargento estava nervoso, começava a fazer algo realmente fora do comum, digitava palavras erradas enquanto conversava. O que era realmente incomum, visto que seu português era perfeito. Era um dos contistas mais completos do recanto, Sidney sempre o comentava com demasiada devoção pelos seus textos. Os elogios chegavam furtivos de emoção.

- Ele me disse que se eu chamar a polícia, a primeira vitima iria aparecer degolada – Sidney digitou.

- Me tornei um solitário por todos estes anos. Já não escrevo tanto depois das inúmeras críticas que recebi, após aquele conto idiota. Mas por que eu. Não tenho nem contato com as pessoas. Fico aqui isolado neste quarto – Completou.

- Bem, você acha que ele pode ser alguém do recanto? – perguntou Marcos. A pergunta tinha relevância, ele aguardou a resposta ansioso, e ela não demorou nem mesmo dez segundos.

- Sim, acho! Tenho amigos por aí, mas também fiz alguns desafetos – Sidney respondeu – Seu modo de escrever é muito típico de uma pessoa culta. Palavras... ele citou textos e datas de publicações na carta – nossa, aquela era uma pista certa que podia ser alguém de lá.

- O que você vai fazer? – O sargento perguntou, já bastante preocupado.

- Eu comprei uma arma! – Sidney respondeu, secamente.

Até mesmo pela internet dava para sentir as emoções que as palavras carregam.

- O quê? Está louco! – Com os olhos completamente vidrados na tela do computador o sargento se assustara com aquela resposta.

- Tenho que me defender, apenas não tinha a quem contar. E nossa amizade vem durante longos anos amigo – Disse Sidney.

- Eu sei e dou muito valor a ela. O que quer que eu faça por você? – Marcos queria poder fazer algo, mas de onde ele estava era inútil. Por tantas vezes os dois sorriram juntos, a distância pareceu ser o alicerce que solidificara aquela amizade. A mensagem a seguir veio como uma bomba relógio.

- Meu Deus! Tem alguém lá fora. Me ajude amigo! – Sidney digitou.

- Que isso amigo? – primeira mensagem sem resposta.

- Sidney... isto é uma brincadeira né? – nada!

- Oiiiiiiii... – O coração do sargento havia acelerado.

- Sidney??? – Ele tentou pela ultima vez, e sentindo-se um completo inválido, afundou em sua cadeira aconchegante, enquanto sua mente tentava organizar-se, idéias e sentimentos fundidos e descontrolados.

Sidney não voltou mais aquele dia. A cabeça do sargento estava cheia de pensamentos... “Será que a internet havia caído!?”, "Ele estava brincando comigo?”, “Não! Alguma coisa aconteceu!”. Passou a noite em claro depois daquela conversa, andou pela casa a madrugada inteira. Esperou o dia amanhecer e se conectou novamente, mas nada do Sidney estar conectado. Ele não sabia o que fazer. Mais um dia se passou, tentou novamente contato e nada. O que fazer? Ele precisava descobrir por si mesmo, era seu amigo, precisava de sua ajuda. Pegou sua arma, sua farda, se aprontou e saiu em seu Cadillac azul de colecionador rumo à cidade que seu amigo tanto mencionava.

Iria para lá e procuraria por Sidney. Não deveria ser tão difícil. Viajou por quilômetros, sempre conectando-se no MSN pelo celular. Mas seu amigo não estava on line. Depois de atravessar o estado, enfim chegou àquela pequena cidade, parou num posto e saiu do carro.

- Bom dia! – ele cumprimentou.

A frentista era uma moça gorda de seus 22 anos, ou algo em torno disso, usava um batom ridículo, um chapéu para se proteger do sol, aquilo era verdadeiramente um horrível chapéu de praia.

-Bom dia – respondeu com uma voz que realmente combinava com sua beleza. Um azar tremendo para ela, pobre coitada.

- Procuro por um homem – o sargento disse pausadamente – Seu nome é Sidney. Ele mora na cidade há muitos anos – ele completou.

- Sidney? Conheço não senhor – ela respondeu com uma certeza que já o desanimara.

- Ele tem 57 anos, cabelo crespo, 1,74 altura – Disse o sargento tentando dar-lhe uma descrição melhor da pessoa que procurava, entretanto ela apenas balançou negativamente a cabeça e perguntou se ele queria que enchesse o tanque.

- Pode sim! Acho que vou ter que rodar muito mais do que imaginei – deduziu, enquanto olhava ao redor observando a imagem de uma cidade dominada por indústrias, entre elas uma fábrica de bebidas, e ao longe uma serra que até deveria ter sido bonita um dia, mas agora era totalmente povoada por um aglomerado de casas mal acabadas. Pagou a mulher com seu cartão de crédito e seguiu para o pequeno centro da cidade.

Procurou informação por toda parte, mas ninguém conhecia o homem com a descrição que relatara. Seguia em busca de seu amigo, que parecia ser mais desconhecido que ele próprio naquele lugar. Por fim já ao anoitecer decidiu que deveria procurar um lugar pra dormir.

- Senhor, boa noite. Poderia me informar onde há um hotel onde eu possa repousar – ele perguntou a um homem que vagueava pela rua. O velho fumava um cigarro de palha e usava uma boina por sobre a cabeça.

- Sim meu filho, o Hotel da Dona Ana. É o único nesta pacata cidade – o homem respondeu.

- Dona Ana. É claro! Obrigado senhor – ele disse mais entusiasmado.

Ele seguiu para o hotel, que ficava num bairro não tão afastado do centro, era um lugar sem muito luxo, mas adequado para um bom descanso. Entrou e se deparou com uma mulher por volta de 60 anos.

- Boa noite, amigo. Em que posso ajudá-lo? – ela perguntou com uma voz um tanto quanto sofrida.

- Procuro um quarto, senhora – ele respondeu.

- Um quarto? Ah sim, é claro. Aqui sempre procuram quartos – disse deixando escapar um leve sorriso, entre as rugas que a cercavam, ainda assim era uma mulher bonita, pela idade – Siga-me, por favor – ela o convidou.

Era um hotel velho, mas bem cuidado, paredes todas de tijolos à vista, laminados. Havia um enorme corredor que dividia os quartos como uma rua, números pares de um lado e ímpares de outro. Eram oito quartos.

- Belo hotel, senhora – ele comentou.

- Nem tanto amigo – ao dizer isso o sargento voltou a sentir certa melancolia na voz dela – Aqui, nesta cidade nada é belo – ela murmurou.

- Posso cometer uma indiscrição? – perguntou como se a própria pergunta soasse como sendo indiscreta.

- Diga logo. Não me deixe curiosa – ela respondeu num misto de educação e ansiedade.

- Você por acaso conhece ou conheceu algum Sidney Muniz? – ele lançou a isca. A mulher deixou cair as chaves que carregava em suas mãos e com um rosto pálido voltou-se para o sargento.

- Quem é você? – perguntou com os olhos arregalados, parecia estar ligeiramente tremendo.

- Eu sou um amigo dele. Meu nome é Marcos – ele se apresentou – E o seu deve ser Ana Lucia. Suponho que seja a ex-mulher dele? – Marcos sabia que era ela desde que o velho falara da pensão.

- Sim. Sou – Ela parecia assustada, ou seria constrangida? Marcos se perguntava no porque deles terem se separado. Sidney sempre disse que a amava.

Pelo que Sidney contara, Ana nunca aprovou a idéia de ele escrever aqueles contos, nunca...

- Mas diga-me, por que ninguém o conhece por aqui? – marcos voltou ao interrogatório.

- Há quinze anos ele se isolou de todos. De mim de meus filhos. De todo mundo da cidade. Não sai daquela miserável fazenda pra nada. Um motoqueiro leva pra ele tudo o que precisa. Sid sempre paga pra ele por debaixo daquela porta de madeira – havia certo rancor na voz de Ana – Ele é conhecido apenas como poeta. Mas por pouquíssimas pessoas.

- Olha ele corre perigo. Alguma coisa aconteceu com ele – Marcos alertou.

- Não seja tolo. O que iria acontecer com ele? É apenas um velho gagá – ela disse rancorosa.

- Você pode me levar até a fazenda amanhã? Eu te trago de volta – ele pediu, seu olhar encontrou o dela que desviou abruptamente.

- Está louco! Eu não vou lá há 14 anos. Acha que vou agora só por que um policial de não sei onde está me pedindo? – respondeu rispidamente.

- Ele foi ameaçado de morte, Ana! E só não saiu de lá por você. Para proteger sua vida – Marcos iria até o fim, tentaria convencê-la.

- Ah, sei! – ela estava inflexível – Eu te ensino o caminho e você não me enche, certo? – Ana ofertou.

- Ok! – Marcos já tinha o que precisava, despediu-se dela e entrou para seu modesto quarto provisório. A noite passou lentamente enquanto o sargento escrevia em seu computador, que carregava para onde ia. Passou boa parte da noite tentando formulara algo, mas não conseguiu terminar seu conto. Era a primeira vez que isso acontecia em anos. Visitou a página de Sidney e leu alguns contos. Novamente tentou encontrá-lo conectado, mas sem sucesso. Por fim ele dormiu.

Acordou às seis horas e lá estava ela, de pé.

- Pode, por favor, me mostrar onde é? – ele mal disse bom dia.

- Sim – ela respondeu – Mas mudei de idéia. Vou com você.

Um sorriso escapou dos lábios do sargento. Ambos tomaram um rápido café, depois disso o sargento entrou no seu carro e saiu dirigindo sendo orientado por Ana.

A curta viagem pela parte rural da cidade seguiu sem interrogatórios, o Sargento contemplava aquele lugar, dava para sentir o aroma do mato, e também a poeira que os perseguia á medida que os pneus tropeçavam. A rua encascalhada e esburacada ditava o ritmo barulhento daquele carro. Dava pra ouvir o barulho da chave de roda batendo no porta malas.

Ana parecia um pouco tensa, não dava para decifrar afinal o que ela sentia, o porquê de estar ali. Ela afinal ainda o amava? Marcos a todo instante desviava os olhos e tentava decifrá-la, mas mesmo que ele fosse excelente nisso, ela era um verdadeiro enigma.

Depois de 40 minutos chegaram a uma porteira velha. Era a entrada da fazenda.

- É aqui? – ele perguntou enquanto parava o carro.

- É sim! Quanto tempo desde a última vez – ela suspirou alto, ficara evidente que havia algo mais.

Eles entraram e seguiram por mais dois quilômetros até a casa. Não havia animais, nada. Era um lugar praticamente deserto, a não ser pelos pássaros que voavam livres por ali, cantarolando, o sargento lembro-se dos pássaros que havia em seu viveiro. Lembrou-se sua casa. De como sempre vivera em uma cidade grande. Talvez nunca vivesse em um lugar tão belo como aquele.

- Sidney! Você está aí? – o sargento perguntou.

Chamaram-no por diversas vezes. Mas, nada. Até que o sargento resolveu entrar. Chegou até a porta e girou a maçaneta, mas a porta não estava sequer trancada.

Quando ele tocou nela, ouviu-se o ranger das dobradiças enferrujadas, e posteriormente ela se abriu. À sua frente o que ele viu foi uma tamanha desordem, que até mesmo Ana se assustou. Dezenas de livros rasgados no chão, uma velha máquina de datilografia e um computador de última geração, ambos quebrados por sobre uma mesa de sucupira, feita especialmente para suportar o peso deles.

Ele pegou sua arma e a segurou olhando pela mira. Ana o viu empunhando a arma, e não teve certeza se estava segura. Andava à passos lentos, e se assustou quando viu uma mancha de sangue sobre o teclado do computador.

- Meu Deus! O que aconteceu por aqui? – Ele indagou assustado. Talvez tivesse sido melhor acionar a policia local.

- Isso é sangue!? – Ana perguntou aturdida.

- Sim senhora – Marcos respondeu com a voz melancólica – Alguém o atacou – ele concluiu.

- Mas por quê? – ela não estava satisfeita, olhava para todo o lugar e se sentia familiarizada, parecia ter muito apego com aquela espécie de cabana, velha.

- Ainda não sei – ele disse.

- Devemos chamar a policia. E rápido – Ana parecia realmente mais assustada do que o esperado.

O capitão lembrou-se da conversa. Ele o havia dito que se chamasse a polícia o psicopata mataria um de seus próximos. E se Sidney estivesse vivo? Aquilo começou a martelar em sua mente, ele precisava ter certeza. Ainda não havia nada de concreto.

- Não, ainda não. Me dê mais um tempo – ele pediu.

- Eu preciso pegar a memória desse computador. Acho que o Sidney não está morto. Tem algo de errado por aqui. Vou dar uma volta pelos arredores da fazenda. Você vem?

– ele a disse.

- É claro que sim. Não vou ficar aqui sozinha!

Os dois saíram em busca de pistas ou de um corpo jogado, ou terra mexida em algum canto daquele lugar deserto, mas não encontraram nada. Não havia sequer uma pegada.

- Isto é loucura! Já estamos andando há quatro horas e nada. Andamos pela fazenda inteira. Devemos ir – Ana temia continuar ali, e se a pessoa voltasse? E se realmente houvesse um assassino?

- Nós vamos, Ana – disse Marcos.

- Mas e a polícia? – ela questionou.

- Eu sei o que estou fazendo. Ainda não é hora de chamar a polícia! – ele disse com uma certeza que a fez acreditar que aquilo era a coisa certa a se fazer. Saíram da fazenda e voltaram para o hotel. Chegando lá refletiam juntos sobre o que haviam visto.

- Coisa de amador, Ana. Se fosse um profissional não deixaria essa memória desse jeito... a menos... Ah... meu Deus! – Ele gaguejou.

- O que foi? Sargento me diga logo. Vamos? – ela estava eufórica.

- Acho que pode ser uma mensagem – Marcos especulou.

- Como? – ela estava perdida em meio aquele raciocínio.

- Vou coletar os dados aqui. Você tem um computador em algum lugar na pensão? Esta memória não vai servir no meu.

- Sim eu tenho. Fica no meu quarto! Vou buscar – ela disse prontamente.

- Eu te ajudo – se ofereceu Marcos. Ana fulminou um olhar em sua direção. As sobrancelhas dela se inclinaram e ele recuou.

- No meu quarto só entro eu. Coisa de mulher. Eu trago pra você – ela respondeu.

- Entendo. Pego no corredor então? – ele amenizou a situação no mínimo desconcertante.

- Tudo bem – ela parecia mais calma.

Depois do computador instalado o Sargento conectou a memória no computador e após muito procurar, seus ombros baixaram.

- Não sei como achar. É quase impossível.

- Mas você acha mesmo que é uma mensagem? – ela perguntou curiosa.

- Sim, eu acho que ele deve ter deixado algo, mas não há nada nessa memória. É como se nunca tivesse sido usada – concluiu.

- Como assim? – Ana perguntou novamente.

- Não sei Ana. Estou deixando escapar algo – sua voz soou desapontada. Ele odiava não conseguir fazer nada.

Lembrou-se da ultima conversa, de como Sidney sumira de repente. Naquele instante aceitou a possibilidade de seu amigo estar morto.

O dia passou. Ana o deixou ali, pensativo e foi cuidar dos afazeres. Ele estava lá, parado em frente à porta do hotel, assistindo o tempo passar, recapitulando cada passo dado, mas não conseguia enxergar nada diferente, entretanto, sabia que havia algo errado ali. Resolveu voltar ao quarto e avaliar a memória novamente, precisava encontrar alguma coisa, qualquer coisa. Entrou no seu quarto, fechou a porta e ligou o computador. Novamente não encontrou nada.

- Droga – disse a si mesmo, angustiado pela situação.

Lá estava ele a coçar seu vasto bigode, dirigindo-se ao quarto de Ana para falar com ela. Chegando lá, bateu, mas ninguém atendeu. Foi quando ele viu que a porta estava entreaberta.

- Ana? Você está aí? – ela não respondeu.

- Ana? – ele chamou novamente. Por fim, pegou sua arma e decidiu entrar. Lá dentro viu um cenário completamente desorganizado. Papéis pelo chão, um computador sobre uma mesinha velha e uma cama de solteira. Mas o que mais chamou a atenção é que Ana estava caída no chão e sangue escorria pelo piso, próximo a seu pescoço.

- Meu Deus! – ele se ajoelhou, e quando ia verificar seu pulso...

- Socorro!!! – Ana acordava de seu desmaio, seu pescoço havia sido apenas arranhado por uma faca, mas ela estava repleta de pânico. Também tinha marcas de dedos pelo pescoço. A pessoa tentou enforcá-la, ou talvez, apenas assustá-la.

- O que aconteceu? – ele perguntou.

- Ele chegou e tentou me enforcar, mas disse que não iria me matar ainda. Ele disse que eu vou morrer ainda esta noite... se... – algo a impossibilitou de terminar aquela frase, ela parecia muito assustada, porém indecisa.

- Se o quê Ana? – o sargento perguntou – Ana?

- Se o Sidney não aparecer – ela concluiu.

- Então ele está vivo. Mas por que não nos procurou? Você pode descrever o assassino, Ana?

- Não, ele usava uma máscara. Uma máscara branca, um rosto sem vida, olhos com lágrimas negras escorrendo pela face...

- A sua altura? Idade? Cabelos brancos? Não conseguiu ver nada?

- Nada, foi rápido demais, sargento. Só me lembro da máscara – Ana parecia estar apavorada, porém havia algo mais, mas o quê? O sargento pensava em tudo o que tinha, nas possibilidades, era tudo um maldito quebra cabeças.

- Espera aí. Máscara Branca! É claro! – ele disse eufórico.

- Do que está falando? – ela perguntou, ansiosa.

- O conto do Sidney. Ele fez um conto há um ano e meio, um conto de terror, era um padre que havia abdicado da batina por uma linda mulher, e que com o passar dos tempos ficou louco e começou a matar as pessoas usando uma máscara como essa. Muitas pessoas o criticaram por este conto. Eu nunca havia sentido meu amigo tão abatido como naquela época. Você nunca o leu? – Ele perguntou, ela apenas não respondeu – Alguns começaram a persegui-lo, deixaram comentários maldosos em sua página, e desde então ele não publicou mais contos, apenas poesias, sonetos e poetrix – a voz do sargento pareceu ficar mais fraca – ele apenas queria continuar no recanto – ele terminou.

- Você faz idéia de quem pode ser? – perguntou Ana.

- Não. Mas e o pescoço, como está? – disse levando as mãos até o queixo dela e levantando para ver os hematomas, as marcas ainda estavam lá.

- Vai ficar bem. Ele apenas me riscou – ela desvencilhou-se das mãos do policial, parecia ter ficado arisca de repente, e então tudo se apagou. A energia do hotel havia sido cortada.

- Ele ainda está aqui! – Ana segurou-se ao antebraço do sargento.

- Não entre em pânico, Ana. Vai ficar tudo bem – ele tentou passar-lhe segurança.

- Do que você está falando, não vai ficar nada bem – ela retrucou amedrontada. Eles começaram a ouvir passos em sua direção, em meio o breu que os cercava.

- Quem está aí. Diga ou eu atiro! – falou Marcos.

- Você atira! Ha. Ha...Ha... Essa foi boa! – a voz respondeu.

- Não duvide de mim seu imbecil, eu falo sério! – Marcos empunhava a arma na direção do nada, ele não podia ver sequer um palmo a sua frente.

- Esta sua arma de brinquedo não mata ninguém, Marcos. Deixe de ser tolo – disse a voz em um tom sarcástico.

- Sidney? – Marcos perguntou.

- Não! O seu amigo Sidney não existe mais – respondeu o assassino.

- Mas quem é você então? – perguntou.

- Pergunte para Ana! – A voz do assassino chegou num tom diferente, algo que o sargento não pode distinguir. Afinal do que ele estava falando. Pergunte para Ana? A voz continuava rindo o tempo todo. Um riso desafiador, que causava pânico em Ana.

- Deu tudo errado amigo! – Ela disse enquanto corriam.

- O que está acontecendo? E como ele sabe meu nome? – marcos estava ficando assustado.

- Precisamos correr, sargento! Te explico depois! – Ana o guiava enquanto seguiam pelo corredor. Ela conhecia aquele lugar melhor que qualquer um. Eles corriam em disparada corredor afora, perseguidos pela sombra de uma máscara com lágrimas negras.

- Me explique o que está havendo! – Marcos pediu enquanto iam até a porta dos fundos – Quem é ele, Ana? – ele insistiu.

A porta dos fundos estava próxima, Ana queria apenas fugir daquela voz. Marcos continuava, e quando chegou até a porta parou em frente a Ana interrompendo a passagem.

- Você vai me dizer agora! Quem está nos perseguindo? Onde está o Sidney? – Pela primeira vez ele ficara zangado.

Enquanto falava, ambos ouviam o barulho de metal riscando a parede, quem quer que seja que os estava perseguindo tinha algum tipo de arma.

- Este é Borges, meu ex-marido! – ela disse.

- Mas ele não estava morto? – indagou.

- Não! Internado num manicômio. Ele fugiu há dois anos e nunca mais o encontraram. Até agora... – ela suspirou.

- Cuidado!!! – gritou o sargento, ao mesmo tempo em que puxou Ana, desviando-se da lâmina cortante de um enorme machado. Eles abriram a porta e saíram pelos fundos do hotel. Continuaram correndo em direção ao Cadillac.

- Meu Deus! Essa foi por pouco. Por que o Sidney não me contou nada disso? – O sargento estava confuso. Afinal, como ele não sabia que aquele homem estava vivo. Por que seu amigo escondeu isso dele todos esses anos. Eles pareciam contar tudo um para o outro.

Eles entraram no carro, e Marcos deu partida, mas o carro não ligava.

- Droga!!! Ele... – o machado interrompeu sua conversa, e partiu o para brisa ao meio. Por sorte Borges acertou o machado entre os dois. Pela primeira vez o sargento pode ver o psicopata frente a frente, foi aí que ele se assustou ainda mais.

- O quê é isto? – era uma máscara fria, mórbida, aterrorizante. Foi quando o grito de Ana interferiu seus pensamentos...

– Corraaaa!!!

Eles saíram correndo pela porta do passageiro enquanto o louco os perseguia.

- Onde está o Sidney? – ele voltou a perguntar.

- Ele está na casa de uma amiga minha. Mas... – eles corriam, já cansados, deram a volta e entraram novamente no hotel, trancafiando as portas e seguindo para a cozinha.

- Mas o quê?Diga! – Marcos estava impaciente.

- Ele é meu filho.

- Como? Está louca! O que está havendo aqui? Vocês são loucos. Os dois. Onde está o Sidney? – O sargento pegou uma das facas sobre a pia e andou na direção de Ana.

- Onde ele está? Vocês estão juntos nisso. O Sidney sempre me falou que você não o amava. Que o deixou. O que você fez com ele? – Marcos a segurou contra a parede.

- Todos mentem, amigo. Não é? – era o assassino entrando na cozinha. Ele tirou sua máscara e isto deixou Marcos ainda mais perplexo.

- Mas você...

- Sei... eu sou o Sidney... ha. ha...ha...

Foi quando o sargento largou Ana. Enquanto sua mente unia os fragmentos, o amigo do recanto, a cabana, os filhos, Ana, o padre louco, o assassino.

- Não você não é ele. É a descrição dele. Você é o padre. E você... Ele agora olhava para Ana.

O assassino continuou feroz...

- Então você enfim compreendeu! É isso mesmo. O Sidney não existia meu amigo, até que esta vagabunda resolveu engravidar e colocar este nome ridículo no seu filho.

- Você é o Sidney, Ana. Você??

- Sim – os olhos dela marejaram – sou. eu entrei no recanto com um pseudônimo, como muitos. Era uma brincadeira, apenas, algo para servir de inspiração. Com o tempo, Borges ficou louco de ciúmes.

- Do recanto?

- Não. De você. Ele viu o quanto eu estava gostando de

você. E de repente ficou louco. Começou a me dar surras e me trancar no quarto por dias. Deixava-me presa ali. Até que um dia ele matou uma de nossas babas e foi preso. Alegou insanidade mental e foi transferido para um manicômio.

- E seu filho?

- É filho dele, mas ele não acredita em mim, ele é louco, diz que o filho é seu. Meu filho tem 15 anos, está escondido como eu já te disse.

- Mas vou achá-lo – Borges carregava um olhar cheio de ódio – e depois vou cortar cada um de seus membros, isso depois de matar vocês é claro. Mas vou começar com você sargento, que não é policial coisa alguma.

- Do que está falando? – Marcos perguntou.

- Você como a grande maioria, é um mentiroso. Não é da polícia. E esta sua farda barata, comprou onde? Numa loja de fantasias? – O assassino riu sadicamente.

- Então foi você quem me chamou até aqui. Era com você que eu conversei pelo MSN na última vez?

- Sim, era eu. Sabia que iria vir proteger seu amiguinho. Você e seu coração mole. Seus contos são tão amáveis, cheios de mensagens, você se julga especial, mas não é nada. E Ana, nem pra mudar sua senha do MSN, como ela é previsível. Foi tão fácil te trazer até aqui. Deixar aquele sangue no teclado, sangue de animal, fazer uma bagunça na cabana... a memória do computador foi só para te prender mais aqui... para que eu tentasse encontrar o Sidney.

- Desculpe-me! – disse Ana envergonhada.

Foi quando Borges veio avançando em sua direção.

- Você vai morrer, agora. Ele passava o machado de mão em mão, com um sorriso psicótico, e um olhar de maníaco.

- Não faça isso – implorou Marcos enquanto Ana se encolhia.

- Vai fazer o quê? – sua voz ainda mais perturbadora.

Borges ergueu o machado e partiu para cima de Marcos que jogou a faca nele. Acertou seu ombro esquerdo. O assassino perdeu o equilíbrio, mas ainda assim o machado passou a dois centímetros de Marcos, bem do lado de sua orelha. Ana chorava em pânico. Estava paralisada.

- Levante Ana, fuja daqui!!! – Gritou Marcos.

Borges arrancou a faca de seu ombro, um jato de sangue espirrou em Marcos, que agora segurava a arma em sua mão, apontando-a para Borges.

- Vai me matar? – o assassino ria, ele pegou o machado novamente e investiu contra Marcos. O sargento olhou para o assassino, teve certeza que ele faria aquilo e esperou o homem atacar.

- Nem todos mentem, Borges! ___enquanto puxava o gatilho, anos de sua vida passaram por seus olhos. Aquela era a primeira vez, em muito tempo que fora necessário atirar em alguém em anos na polícia. A bala atravessou o olho esquerdo de Borges, que caiu aos pés de Ana.

- Meu Deus você é mesmo policial? – ela indagou.

- É claro que sou – afirmou – Você está bem? – ele perguntou.

- Sim. Desculpe-me por isso, por todos esses anos te enganando. Não podia te envolver nisso. Nem mesmo tive a coragem de me declarar, ou de te dizer quem realmente sou. Eu – ela baixou os olhos – eu sinto muito – Ana ainda chorava assustada, arrependida, triste e ao mesmo tempo feliz por estar liberta daquele martírio.

- Ana – marcos parou para pensar um pouco – como é estranho te chamar assim. Eu te perdôo amiga. Entendo sua situação. Fique calma. Precisamos chamar a polícia agora. Você está livre, você e o Sidney estão seguros agora. Isso é o que importa. Mas e a cabana?

- É minha. É onde eu escrevia os contos. Um refúgio. Aquele era meu recanto.

Dois anos se passaram. O sargento nunca mais usou sua arma. Ana e seu filho eram felizes juntos, sem medo. Ela voltou a publicar seus contos e o pseudônimo ainda continua o mesmo. Sidney Muniz.

O sargento estava lá como sempre redigindo seu conto para publicar quando o bip tocou.

- Oiiii – sua amiga estava on line como de praxe.

- Oi amiga. Como vai? – ele perguntou, alegre por poder ver a foto verdadeira dela no MSN.

- Muito bem, e você? – ela perguntou.

- Terminando meu conto – ele respondeu.

- Qual título você colocou? – ela perguntou curiosa. Marcos sorriu, coçou seu bigode e respondeu:

- Um assassinato no recanto das letras. Gostou?

- Eu sempre gosto! Você sabe disso – Ela respondeu.

- E o Sidney? – perguntou o sargento.

- Está ótimo. E sua família? – perguntou ela.

- Idem.

- Humm... Vai lá... publique logo pra que eu possa te ler...

Ele sorriu, odiava ser interrompido enquanto estava escrevendo. Mas Ana poderia interromper qualquer hora.

Olhou para o teclado, e digitou.

- Xau, Sidney! – primeira mensagem

- rsrsrrsrs – segunda mensagem

- Te adoro – terceira mensagem

- Xau Marcos! - primeira resposta.

Ele ficou feliz por ela estar ali para respondê-lo. No fim ela digitou.

- Te amo!

Fim!

Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 06/08/2011
Reeditado em 22/04/2014
Código do texto: T3142908
Classificação de conteúdo: seguro
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