Hotel Califórnia

O vento fresco afagava o seus cabelos, soltos em um emaranhado de fios escuros, na estrada deserta e escura, sendo a sua única companhia. Ao lado uma garrafa de conhaque barato, entre os dedos um baseado fumacento. Os olhos cansados começaram a arder, quando as luzes se tornaram trêmulas, mergulhando na penumbra fria da noite. As imagens se tornaram tênues, em um reflexo fantasmagórico, viu uma mulher na estrada, com vestimentas brancas e olhos pesarosos, estendeu as mãos em sua direção, como em uma suplica em vão. Atordoado, as mãos ao volante falharam, guiando-o para outro lugar. Sons de aço e vidro se chocando, tornaram-se murmúrios distantes, enquanto adormecia.

Despertou, espreguiçando o corpo, fazendo os ossos estalarem. As mãos deslizaram entre os lençóis de seda, algo lhe veio ao olfato, um odor adocicado de perfume de mulher. Levou até as narinas a camisola rosa de tiras finas, e aspirou à fragrância que havia nela. Ouviu o som do chuveiro e a fumaça quente que partia da porta do banheiro, levantou ainda nu, mas ao chegar constatou que não havia ninguém. Quem seria sua misteriosa musa? A quem nem mesmo sabia o nome, ou se lembrava do seu rosto. Lembrou-se de ter passado noites com muitas mulheres a aquecer a sua cama, mas recordava de todas elas, menos esta em especial. Aquela a quem lhe havia deixado o seu cheiro nos lençóis.

As vozes no corredor murmuravam coisas incompreensíveis, palavras sem sentido, em uma melodia cadenciada irreconhecível. Seguiu pelo corredor com as roupas que encontrou, seguindo por extensos e infinitos corredores, as vozes se perdiam, risos e lamúrias desaguavam em toda parte, entre as paredes, diante das portas, mas não parecia surgir de lugar algum.

- Estou no inferno ou no céu? – perguntou a si mesmo.

Um quadro na parede dizia- Bem vindo, ao hotel Califórnia - escrito entre coqueiros e um copo de vodka, com um pequeno guarda-chuva multicor. Ouviu passos do lado de fora, um homem na recepção lia um jornal velho e engordurado, sem tirar os olhos das notícias, mastigava compassadamente um palito de dente, que já estava úmido de saliva.

Na sacada, homens dourados de sol de corpos perfeitos, riam com copos cheios entre os dedos, dançavam entre o som de uma música, extasiados e inebriados com o prazer de seus corpos. No centro uma bela mulher, de longos cabelos loiros e olhos de um azul fúlgido e penetrante. O vento lhe trouxe o cheiro de sua pele, penetrando naquela fragrância adocicada de mulher, reconhecendo o que havia sido impreguinado em si mesmo. Ela o observou, caminhou em sua direção, balançando os quadris harmoniosamente a cada passo. O pegou pelas mãos, que sem entender e completamente enfeitiçado, deixou-se levar pelos lábios grossos e rosados da loura alta. Quando deu por si, estava nos braços dela, mergulhado nos seus beijos lascivos, sentiu dedos nodosos que o afagavam, entre milhões de outras mãos. Novamente ouviu as vozes, tão distantes, como sussurros;

- Acho que eles podem estar dizendo... – afastou dos lábios dela, mas seus dedos interromperam suas palavras de forma brusca.

- Aproveite apenas a sua estadia... Bem vindo ao hotel Califórnia – ela sorriu.

Serviram champanhe, apesar de seus protestos por vinho. Serviram caviar em pequenas taças, assados com molhos e mel, frutas que jamais virá em outro lugar, tão suculentas e macias quanto adocicadas. Quando estava farto deitou-se, afagando os cabelos de ouro que caiam em cachos entre os seus dedos, as mãos dela encontraram aquilo que lhe pertencia, apertando-o, acendendo o desejo de seus corpos. Entre as pernas dela, e os beijos adocicados, vislumbrou a lua, as estrelas e até planetas distantes, desejando que aquele momento fosse eternizado em sua memória, saboreando cada sensação. Mas aquelas vozes, aquelas malditas vozes diziam algo.

Acordou em meio à noite, com os sussurros a lhe perturbar. A cama estava vazia novamente. A noite havia tornado os corredores ainda mais fantasmagóricos, de onde uma fina nevoa pairava preguiçosa. Seguiu as malditas vozes, sentindo que a cada passo os breves sussurros, tornavam-se ainda mais audíveis. E em uma sala, repleta de homens nus, de olhos brancos em suas órbitas, gritavam em agonia, enquanto uma besta negra de olhos de fogo os devorava. Arrancando carne, ossos e músculos, triturando-os com suas mandíbulas poderosas, a saliva sanguínea escorria entre os dentes pontiagudos. E ela montada nua, com os seios leitosos e fartos, apenas sorria. Muitos o apunhalavam com facas de aço, mas nada podia ir contra aquela besta demoníaca.

Ele correu, forçando suas pernas em direção à porta. O suor brotava em pequenas gotas, deslizando entre os olhos injetados de medo. A mulher dizia, em sua voz doce e cadenciada;

- Somos todos prisioneiros, aqui. Todos por nossa própria vontade...

Chegou ao saguão, o mesmo homem estava a ler o jornal de ontem. Enquanto ele se debatia, contra aporta de vidro que estava trancada. Ele movimentou os olhos gordurosos em sua direção, mastigando aquele mesmo pedaço nojento de palito úmido.

- Você pode assinar quantas vezes desejar, mas daqui nunca irá sair...

E ao final, todas as vozes diziam...

- Bem vindo, ao hotel Califórnia...

As luzes explodiram diante dos seus olhos, e a buzina estourou em seus tímpanos. Depois de alguns bons palavrões de um caminhoneiro enfurecido, seguiu o seu caminho com tranquilidade. Olhou para o baseado que já havia se transformado em cinzas e a garrafa de conhaque vazia.

- Puta que pariu, que baseado é esse... – lembrou-se do sonho louco, enquanto na rádio tocava alto a melodia, Welcome to the Hotel Califórnia.... Such a lovely place...

Such a lovely face…

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 04/08/2011
Reeditado em 11/08/2011
Código do texto: T3140009
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