Sem Salvação

Nem sempre as coisas são o que parece. Nem sempre uma criança é inocente. As trevas sabem disso e sempre voltam para cobrar sua divida, pois ela não enxerga o corpo frágil e sim a alma errante.

Mês de Julho, dias quentes de baixa umidade e as férias já estavam no fim. Assim Glauco aproveitava intensamente o dia como qualquer outra criança sadia. Mas ao entardecer, o pequeno coração de Glauco já batia descompassado, pois já aguardava temeroso o pavor noturno que chegaria.

Nascido em uma família pobre, seus pais não compreendia as visões que aterrorizavam a pequena criança de oito anos. Assim ele vivia entre a realidade e o medo que a escuridão viva da noite trazia. Varias foram às vezes que por sorte conseguiu acordar dos pesadelos pavorosos, sem dizer nos sustos que levava ao sentir mãos gélidas puxar seus pequeninos pés no meio da madrugada. As únicas armas que possuía eram o grito e o choro compulsivo, que logo era abafado pelos gritos e ameaças dos pais.

Mais naquela noite seria diferente! Ele parecia pressentir algo inexplicável, algo que dizia:

_Não durma!

Assim ele lutou bravamente, contra o sono e contra as sombras projetadas na parede escura do seu quarto. Tão jovem e indefeso, não sabia mais distinguir o real do medo que transformava a mais inocente sombra, em algo que só poderia ser criado nas profundezas do inferno. Com o corpo tenso e dolorido, pediu ajuda ao irmão mais velho que disse:

_Segure minha mão e oremos ao seu anjo da guarda, para que afaste o mal.

Sentindo força nas palavras do irmão, entregou-se confiante a oração. De olhos fechados, orando com todo o coração, sombras começaram a se mesclar para em seguida se transformar em um lindo pardal que pulava alegremente. Tendo aquela bela visão de olhos fechados, acreditou que sua prece foi atendida... Puro engano, pois o alegre pássaro transformou-se rapidamente em algo indescritível, que rosnou e o atacou com enormes garras. Imediatamente ele abre os olhos e grita desesperadamente com todo ar dos pulmões.

-Irmão estou com medo! Posso dormir com você? Só essa noite... Por favor!?

O irmão, quatro anos mais velho, sentindo pena da criança, não conseguiu dizer não. Glauco mais confiante e corajoso deitou ao lado do irmão, sentindo-se protegido. Logo adormeceu e devido toda a tensão caiu em sono profundo.

No meio da madrugada ele acorda, olha a sua volta e vê o irmão que dorme ao seu lado. Mais as coisas não estavam normais, ele sabia que algo se aproximava e que iria receber uma visita nada agradável! No quarto havia uma pequena e velha janela de trava, que devido ao calor ficava dia e noite aberta. Glauco olha petrificado pra ela esperando pelo pior. Os minutos passam-se e de repente ele vê pequenos pés descendo pelos vidros abertos, um por um. Glauco tenta gritar pela mãe, mas a língua parece querer asfixiá-lo, tentou balançar o irmão e não conseguiu mexer um dedo, só sentia o suor frio lavar seu rosto paralisado. A única coisa que fazia era lançar gritos imaginários para que a criatura fosse embora, para que não descesse e não entrasse pela janela. Quando a criatura amaldiçoada ficou completamente visível e passou a cabeça odiosa pelo vidro da janela, a criança em um ato desesperado conseguiu puxar a coberta e cobrir a cabeça.

Nessa noite todos na casa dormiram, pois Glauco, tão pequeno e frágil, não voltaria a gritar nunca mais!

Leonardo Athayde
Enviado por Leonardo Athayde em 23/07/2011
Código do texto: T3113561
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