Conversa Privada

George Walker esperava impacientemente em uma viela escura nos arredores da cidade de Nova York. Devia ter aprendido, após todos estes anos, que algumas pessoas simplesmente não têm horário. Se o combinado fosse às seis, elas chegariam, no mínimo, às sete. Mas ele, não. Era um bom homem inglês, que acreditava que o caráter e a honra se mostravam em pequenos gestos, como comparecer na hora marcada.

No caso específico daquele dia, às duas e meia da manhã. George não gostava de não estar no conforto de sua casa a uma hora dessas, mas aquele homenzinho que ele esperava só estava disponível em horários como esse. Paciência.

Walker havia chegado ao local com quinze minutos de antecedência. O homem que aguardava não era especialmente do tipo de quem se esperasse alguma pontualidade, ou qualquer outra atitude que mostrasse respeito ou consideração por outros. Lidar com esse tipo de gente não era uma coisa da qual George Thompson Walker particularmente se orgulhasse, apesar de admitir a importância do sujeito no momento.

A rua estava fria e deserta. Os ponteiros do relógio se aproximavam das três da manhã, e nenhum sinal do segundo homem. A luz amarela e fraca que emanava do poste elétrico sobre Walker iluminava não mais que uma lanterna de pequeno alcance o faria, mas era melhor do que nada. As duas pensões que ladeavam a pequena alameda estavam com praticamente todas as luzes apagadas. Não abrigavam muitas pessoas, de qualquer jeito, mas em geral senhores e senhoras que iam para a cama cedo ou jovens que não voltavam até a manhã seguinte.

Walker trajava um chapéu preto de aba circular e longa, calças marrons escuras e um grosso casaco azul marinho sobre a blusa, para protegê-lo da friagem. Ele agora batia o pé em uma pequena poça d’água, mais impaciente a cada segundo. Se o assunto não fosse de tamanha importância, sem dúvidas já teria tomado o rumo de volta para sua casa, em Manhattan.

Um barulho vindo da escuridão da alameda tirou George de seu devaneio. Olhou para trás, em direção ao muro que demarcava o fim do beco, e viu um rato correr em sua direção. Quando o roedor passou a seu lado, deu-lhe um belo chute, fazendo o bicho voar para longe com um grunhido. Um sorriso de canto de boca tocou os lábios do homem.

Após esse breve momento, a inquietude voltou a tomar conta de George. Olhou no relógio mais uma vez. Havia se passado apenas cinco minutos desde a última vez que consultara o mostrador. Cinco minutos ou uma eternidade, não fazia diferença quando se queria acabar logo o que se estava fazendo.

Quando ergueu a cabeça, ouviu alguém se aproximar na calçada a sua frente. Seus sentidos se aguçaram, e ele sentiu que o momento do encontro estava muito próximo. Um calafrio correu sua espinha.

Eram passos leves e rápidos, como eram os do homem que esperava. Mas só teria certeza quando o dono das passadas se aproximasse da entrada da ruela, o que ocorreu alguns segundos depois. Apenas então Walker teria a certeza se sua espera havia finalmente chegado ao fim. Embora já tivesse se reunido com aquele sujeito, a sensação era sempre desagradável, como se ele emanasse ondas de desprezo e antipatia.

Quando a fraca iluminação permitiu a Walker ver quem se aproximava, ele reconheceu instantaneamente Ruppert Solomon. A esta altura, Solomon já estava perto o suficiente para que pudessem falar abrindo mão de sussurros. George foi o primeiro a tomar a palavra, após encarar o sujeito pequeno e feio, vestido com um sobretudo marrom e velho, parado a sua frente.

“Algum motivo para me deixar esperando todo este tempo, ou simplesmente desleixo? Não esperava nada diferente de você, para falar a verdade.”

“Então por que reclama, homem? Cale a sua boca, porque não vim para discutir com você. Vamos ao que interessa. Trouxe o pagamento?”

Ruppert Solomon tinha uma voz esganiçada e desagradável, além de um sotaque sulista acentuado. Olhava diretamente nos olhos de seu interlocutor enquanto falava, e com suas palavras acalmara os ânimos de Walker, que não parecia disposto a desagradar o homem mais uma vez.

“Desculpe-me, Ruppert”,ele voltou a falar, recomposto. “E, sim, claro que eu trouxe o pagamento. Honro meus compromissos”, disse George apalpando um bolso interno de seu casaco. “E você, tem sua parte desta transação na maleta?”, perguntou, apontando para a maleta encardida que Solomon trazia em sua mão esquerda.

“Mas é claro que tenho. Agora, se não se importa, gostaria de tornar isto o mais breve possível. Mostre-me o que tem no bolso primeiro, se não se importa.”

O outro homem não hesitou. Puxou o maço de notas e estendeu-os a Ruppert. Era um maço grosso. O pequeno homem de aparência repugnante não conferiu todas as notas, apenas folheou algumas.

“Está tudo certo, Ruppert. Você sabe que sim.”

“Cautela nunca fez mal a ninguém, meu caro”, disse Solomon com um sorriso no rosto feio e comprido.”Se fosse qualquer outro eu contaria uma por uma, mas apesar de tudo, acho que nossa relação nesse aspecto é bem confiável.”

“Pode apostar que sim. Agora, posso receber minha parte?”

“É claro. Está bem aqui, tome.”,disse entregando a maleta a Walker.” Pode abri-la, se quiser.”

“Não será necessário. Nunca me veio um componente sequer errado de suas mãos. Acho que estamos quites, Ruppert. Não vou dizer que foi um prazer lhe ver, mas certamente ansiava pelo que há aqui dentro.”

“Digo o mesmo sobre o pagamento”, disse Solomon enquanto começavam a caminhar para lados opostos da rua, Ruppert em direção à sua casa e Walker a seu carro.

George virou à direita quando saíram da alameda em que se encontravam, e Solomon à esquerda, e alguns passos depois virava a esquina e entrava na rua transversal. Walker havia estacionado seu carro ao final da avenida onde desembocava a alameda, e andou cerca de cinco minutos no vento da noite que esfriara até chegar a seu Rolls Royce preto. Procurou as chaves pelos bolsos por alguns instantes, até retirá-la do bolso interno de seu casaco. Abriu a porta, sentou-se e repousou a mala no banco do carona. Hesitou em dar a partida por um segundo. Fora possuído por uma sensação de que as coisas não estavam certas. Não, havia algo de errado. Olhou para a maleta que Ruppert lhe entregara alguns minutos atrás. Acendeu a luz interna do carro, e colocou a mala em seu colo.

Antes mesmo de abri-la, soube que não encontraria o que esperava. E não se surpreendeu quando viu o que havia lá dentro, mas não pode se conter de esmurrar o painel do Royce, com um grito de raiva, além de repulsa pelos sapos, lagartos e outros pequenos animais que se encontravam dentro da mala.

Vou atrás desse desgraçado agora mesmo, foi o pensamento que passou como um raio de fúria pela sua cabeça. Ligou o carro e arrancou em direção à esquina onde Ruppert havia desaparecido de vista. Ao dobrá-la, logo viu um pouco mais a frente a figura atarracada de Solomon nas sombras da noite que caía estrelada. Parou o carro cantando os pneus, correu e abriu o porta-malas e de lá tirou um de seus tacos de golfe de dentro da bolsa, que estava lá por conta do jogo que havia marcado para a manhã seguinte com Timothy Utterson, um antigo amigo irlandês de férias na América. Agarrou o taco com força e correu em direção ao homem pequeno e feio, que estranhamente continuava andando calmamente apesar de certamente ter ouvido o barulho da freada do Rolls Royce.

Mas Walker não pretendia atacá-lo sem antes lhe dar uma chance de se explicar, quanto mais pelas costas. Ouviria o que o homem tinha a dizer- se é que tinha alguma coisa-, e depois veria o que faria. Mas era bom estar preparado e mostrar suas credenciais. Após uma breve corrida na rua deserta, sem Solomon sequer se virar em sua direção, George o alcançou e puxou-o pelo ombro, virando-o em sua direção, deparando-se cara a cara com ele.

“O que quer dizer isto, seu trapaceiro infeliz?”, bradou Walker, rouco, ofegante da corrida.

Solomon tinha um olhar que parecia genuinamente confuso e assustado, e a princípio não disse nada. Então, quando parecia que George gritaria com ele outra vez, ele finalmente falou.

“Mas como, nem ouvi você se aproximar... Acho que estava muito imerso em meus próprios pensamentos. E o que quer dizer este taco, Walker?”, ele concluiu com surpresa na voz.

“Responda a minha pergunta, homem! Achou que me enganaria, seu verme? É melhor se explicar, porque não estou com muita paciência. Não me faça usar o taco, porque pode apostar que eu sei usá-lo muito bem.” George não urrou estas palavras, praticamente sem pausas para respirar.

“Solte isto, George”, disse Solomon sem se deixar afetar pela fúria de Walker. Agora, a expressão de surpresa havia desaparecido de seu rosto, e ele parecia ter total entendimento da situação. Na verdade, neste momento parecia que Ruppert era o homem sensato e Walker o louco.

George pareceu não ter ouvido o outro. Gritou com a mesma voz esbaforida, mais uma vez.

“Explique-se”, ele disse. Após isso, respirou, mas permaneceu com o taco em riste. Quando voltou a falar, parecia mais calmo, apesar da tensão ainda aparente.

“Cadê minhas substâncias”, ele começou. “Como posso terminar minhas pesquisas sem os elementos que você deveria me entregar?”

Ruppert o encarou; pareceu refletir por um momento, até que respondeu.

“Olhe, Walker”, ele iniciou, ainda calmamente. “Meus dias de tráfico acabaram. Não trabalho mais com substâncias químicas ilegais ou extratos de florestas tropicais... Este não sou mais eu. Na verdade, estou de mudança amanhã em definitivo para a América do Sul, e achei que um dinheiro a mais seria bom. Por isso levei o seu”, concluiu o homem, como se estivesse em uma conversa informal em um jardim, numa tarde quente de verão.

“Ah, seu trapaceiro imbecil, achou que podia me tapear”, disse Walker com um sorriso não de todo são no rosto. “Felizmente eu abri a mala no carro antes de partir. Mas vou lhe dar a chance de sair ileso se me devolver o meu dinheiro. Apenas isso que peço. O porquê da sua mudança não me interessa, mesmo que isso venha a me causar alguns problemas de fornecimento no futuro. Quero apenas minhas notas de volta.”

“Não”, respondeu Ruppert no mesmo tom casual de antes. “E, por favor, abaixe este taco. Também estou lhe pedindo, mais uma vez.”

Com mais essa colocação do homenzinho desagradável, toda fúria voltou a Walker, e, se possível, desta vez ainda maior. Ele não se conteve mais e partiu pra cima de Ruppert com o taco de golfe.

Ao perceber que o outro homem vinha para atacá-lo, Solomon desviou agilmente do primeiro golpe, e postou-se com a mesma agilidade às costas de Walker. Com as mãos entrelaçadas, desferiu um golpe na nuca de George, que se encontrava curvado em virtude do golpe que tentara infligir. A essa pancada, Walker veio ao chão, uivando de dor.

Ruppert tirou facilmente o taco de suas mãos, enquanto ele se retorcia em dor, caído. Agora, o homem baixo olhava de pé para o outro estatelado, com um sorriso no rosto.

“Eu dei a você a chance de seguir seu caminho ileso”, ele disse. “Sofreria uma decepção quando abrisse a mala, mas e aí? Pelo menos seguiria sua vida em paz. Mas não; você decidiu abrir-la e vir atrás de mim. Esta foi sua ruína, Walker.”

“Ruppert, por favor...”, começou George, mas Solomon pressionou o taco em sua coxa, fazendo-o para de falar e emitir um urro de dor.

“Calado, Walker, calado”, ele falou. “Você teve sua chance, e não a aproveitou. Não sou homem de dar segundas chances, meu caro”, concluiu Ruppert Solomon, enquanto erguia e brandia o taco no ar. George Walker ainda teve tempo de gritar pela última vez, antes de ter o rosto e o corpo dilacerados fatalmente por seu próprio taco, com o qual ele deveria jogar contra Utterson no dia seguinte.

Ao terminar sua tarefa, Ruppert deu uma rápida olhada no resultado. Jogou o taco sobre o corpo, e foi embora, abafando risos incontroláveis.

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 21/07/2011
Reeditado em 22/07/2011
Código do texto: T3109886
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