Caso n°11- a maldição da fazenda

A muito estava recluso numa cidadezinha do sertão baiano. Quando recebo uma mensagem de um amigo meu. Era Nicolau, fazendeiro de grande poder. A carta vinha em papel amarelado e letras tremidas. Nela dizia:

"Caro amigo

Me forço a incormoda-lhe pois grande mal aflige minhas terras. Meus empregados já me abandonaram a metade e temo por mim e minha familia.Por favor me traga alguma luz. Soube que tens iluminação.

Desde já agradecido Nicolau Góis."

A carta me cortou o coração. Nicolau era homem de poucas palavras e pra fazer aquele pedido deveras estar muito apreensivo. Então fui, minha vocação me impede de deixar pessoas sem ajuda, e minha posição de amigo muito menos.

Peguei meu carro, joguei minha mochila dentro e fui em direção a fazenda. Logo no meio do caminho vi uma cena de horror. Milhões de cadáveres de animais nas encostas das estradas. E milhares de aves de rapina distroçando suas peles como demônios famintos. Deveras famintos estavam.

Ainda sim continuei, o cheiro estava horrível, e começava a desconfiar que a preocupação do pobre homem tínha motivo...

Depois de passar pelo mar de corpos fétidos avistei a fazenda. Quando Nicolau me vira levantou-se em sinal de desespero, como uma criança que espera afoita pelos pais....

Tinha a cara cansada. "Noites mal durmidas". Me disse."Entre meu caro amigo, aqui fora não é seguro". Então ouvimos um grito: "Argh!"

"é Nina minha filha". Ele falou. Então entramos aos tropeços. Quando chegamos vi o que acontecera. No momento vi a mulher de Nicolau no chão, e Nina sendo atacada por uma criatura que transpassava por ela em forma luminosa. O corpo de Nina levitava enquanto esta gritava de dor e desespero. A criatura terminou de transpassar e saiu passando pelas paredes. "ela voltou meu amor". Gemeu sua mulher que estava sem mais forças de lutar.

Estava em estado de choque. De fato já vi muita coisa estranha mas aquilo não tínha sequer uma forma aparente. Sentia-me de mãos atadas. Mas eu não me permitiria ficar daquele jeito. Então sua filha em desespero veio em minha direção e me abraçou gritando :”papai... papai... tá escuro...eu tenho medo de escuro”! E foi então que apareceu o meu maior choque: a criança viva tinha suas órbitas arrancadas! Eu assistia tudo perplexo. “O pai paciente a retirou de cima de mim e segurando seu choro sussurrou em tom de brincadeira:” você tá com o olhinho doente, mas já já vai passar tá bom !”A criança sorriu num “sim papai”“.

Depois de levarmos mulher e criança para o quarto eu perguntei o quê que tinha acontecido. Ele olhando para o nada falou: “É a criatura... eu não sei mais o que fazer”. Concluiu olhando desolado para mim. E mesmo no meio desse “tudo perdido” eu o falei: “vai dar tudo certo meu grande amigo, tenha fé...”. E antes que eu me virasse eu conclui :”mais uma coisa...quero voltar a entrada da fazenda...Quero ver as outras vítimas”

Afinal de contas eu precisava tirar uma dúvida que me fulminava.

Chegando a enfermaria local tirei minhas conclusões. “Então é isso!” jubilei!

As vítimas atacadas não obedeciam a um padrão em suas aparências. Homens, mulheres, crianças, animais, não havia distinção! Mas os ataques...

Como sua mulher e sua filha as outras vítimas foram afastadas de suas órbitas. Mas por quem?

Continuei andando e uma menina que ainda enxergava desenhava algo no papel enquanto acompanhava seu pai. Eu curioso perguntei: “quem é?”

A criança desenhara uma espécie de cobra amarela atravessando o homem. Desenho rústico.

Ela respondeu: “é o bicho mal que levou os olhinhos de painhu!”

De fato parecia com a anomalia que atacara a família do meu amigo. Então guardei o resto do dia a pesquisar e procurar mais informações. Na sala da enfermeira tinha um livro infantil de folclore. Nele achei uma figura parecida com a da menina. Seu nome era boitatá criatura mística de instintos ruins que tem libido pelo órgão da visão. De deveras ter um pouco de verdade numa crença de livro infantil. Principalmente de fronte a tantos fatos.

A criatura era o boitatá, mas não tinha nada que falava como combatê-lo. Por que aquilo queria olhos? E o que era ele de fato?

Andei um pouco. Algo instintivo que te magnetiza, pelo menos comigo sempre aconteceu, me levou a selva de plantas agrestes. Chegando lá comecei a perceber uma trilha. Alguém ou algum animal de tamanho respectivo havia passado por ali. Havia gravetos quebrados, plantas quebradas e outros eteceteras. Então uma aparição me inundou o coração. Um homem de vestes seminaristas velhas, cabelos longos, barbudo e de cajado me falou:

“Vejo que estais com problema servo de Deus. Seu coração se desespera e se afunda por encontrar espinhos no seu calvário.”

“Não sei quem tu és.” Falei. “Mas se por acaso puderes me ajudar serás de grande valia”. “Uma cria do inferno está perturbando esses pobres inocentes e eu não sei onde está o problema...”.

“Meu caro sonhador”. Falou o velho. “Venho te observado faz tempos, e vos digo: talvez o problema esteja em você ver essas pessoas como pobres inocentes.” Concluiu o ancião enquanto se dissolvia em terra vermelha e sumia. E pra terminar concluiu: ”Ah, já ia esquecendo, muito prazer... pode me chamar de Antônio”.

Ainda que o acontecido tivera se apresentado como bizarro o conselho dele me martelava. “Talvez o problema esteja em você ver essas pessoas como pobres inocentes”.

Então eles eram culpados? Suponho... Mas de quê? Sussurrei...

Então resolvi ir a enfermaria e interrogar a criança que desenhara a cobra. Levei um café com leite pra disfarçar enquanto ela pintava com seu giz. E perguntei: “Minha criança, seu pai melhorou?”

“Não, ele ainda num tem oio”. Então insisti: “E você sabe por que a cobra roubou os olhinhos do seu papai”?

“Sei... painho foi mau.... só foi a igueja uma vez... e num deu mais dinheiro. Ele falou que eles eram uns ‘ladrãos’.”

Então a trama se estende. Fui perguntar a Nicolau sobre que igreja era aquela. Fiquei receoso em perguntar a população porque até então não se sabia de igreja nenhuma por aquelas bandas. Como de repente havia uma?

“É o tempo de Selestiano... a pouco ele tinha chegado nessa cidade oferecendo cura e riqueza ao povo... eu não aceitei mas minha mulher e minha filha foram averiguar o que era. Depois disso todo o ano tem encontro com no templo dele. Por que? Você acha que ele tem alguma coisa haver com isso?”

“Talvez”. O alertei. “Mas antes de qualquer decisão quero falar com sua filha.”

“Tudo bem”. Ele concordou.

Chegando ao quarto ele disse: “Filhinha... meu amigo quer falar com você”

“Ele encontrou remédio pra curar eu e mamãe?”. Falou olhando o nada enquanto procurava as vozes. Então interrompi:

“Talvez eu tenha. Mas primeiro eu tenho que saber o que vocês têm. .. qual o seu nome?”

“Joana”. Respondeu.

“Então Joana... você e sua mãe tem ido muito a essa igreja nova, não tem?”

“Umhum”. Falou envergonhada.

“E o que o moço fala nessa igreja?”. Perguntei. Então ela se calou.

“Pode falar...papai não vai brigar com você Joana”. Se esforçou Nicolau mas ela continuou calada e olhando para o chão.

Então pedi para que ele saísse. E argumentei: “Joana, você quer que sua mãe e você melhorem não que?”

“Umhum”. Mais uma vez ela.

“Então você tem que me ajudar. Papai saiu. Sei que você percebeu porque agora você ouve mais. Então se você me contar eu não conto pra ninguém... será o nosso segredo, eu prometo!”. Concluí.

Ela respirou, tomou coragem e começou:

“Ele diz coisas... diz que o deus dele é melhor que o nosso... e que é pra agente aceitar elE por que elE dá dinheiro e coisas boas”.

“Ele pediu para vocês fazerem alguma coisa Joana...? Tipo...pra aceitar o deus dele?”. Perguntei.

“Agente bebeu uma coisa e rezamos a oração dele, mas eu não lembro da oração moço. “Confessou.

“E a criatura que te atacou mais sua mãe você sabe por que foi”. Insisti.

“Foi porque quisemos sair da igreja... era muito ruim... ele brigava com agente e matava os bichos...então ele nos castigou” Concluiu de forma que nem eu esperava.

Então existia uma seita...? E a serpente deveria ser algum demônio... as bebidas e a oração teriam sido um ritual de corpo aberto....

“Só mais uma coisa minha criança... que dia é que vocês vão pra essa igreja?”

“Hoje já tá tendo... ele prometeu que ia curar o povo... mas papai não deixou eu e ir... mamãe deve estar lá...”Falou.

Então informei Nicolau e fomos as pressas para o evento. E não demorou muito pra eu saber quem era Selestiano.

“Meus caros irmãos... vocês foram maus e foram castigados pelo meu deus por suas iniquidades...”. Urrava.” Mas eles os aceitaram se alguns fizerem um sacrifício para o bem de todos.

Então pedi: “Nicolau me dê cobertura, eu vou subir”. E fui.

Empurrei Selestiano... tomei o microfone de suas mãos e comecei:

“Amigos ... vocês foram enganados não vem?”

Nesse momento fui recebido por vaias e o povo avançava em minha direção para linchar-me.

Gritavam: “filho do demônio, você agrediu o iluminado!”....”vamos acabar com ele”.

Estaria acabado de fato se Nicolau não puxasse sua arma e atirasse pra cima:

“Pois vou querer participar da festinha e vamos ver quem vai dançar a primeira valsa”. Recuaram.

Continuei:

“Esse homem vos prende a um deus de medo, de deboche, ele não vos cura de mal alheio.... mas daquele que ele mesmo vos colocou...

Vocês me chamam de demônio.... mas que demônio mais seria seria este que vos traz sofrimento e medo.”

Cheguei no ponto certo. Entreolharam-se.

O homem possuído por fúria exclamou: “Vocês não podem fazer isso comigo... Certres!”

Chamou a serpente. Todos se calaram e encolheram-se enquanto a serpente vinha esfregando-se nas paredes do local... flutuando como pipa chineza....

Ela estava pronta pra me dar o bote.... Mas eu não saí do lugar... Sabia que eu não podia, mas tinha quem pudesse...

O monstro abriu suas mandíbulas pra dar o bote certeiro quando contivesse... era como se estivesse paralisada e mais que aqueles 30 centímetros não fosse capaz de alcançar...

Então o feiticeiro perguntou:” O que há de errado...?por que não dá fim nesse infeliz?

“Por que eu não posso com ele”. Exclamou séria a criatura.

“Então ele é o iluminado”! Gritou o povo eufórico.

Então revolteir-me:”Calem-se bando de cegos. E falo também dos que enxergam!

Todos vocês foram escurecidos antes do falso profeta chegar por estarem tão fracos em suas crenças!

Não vem que estão querendo cometer o mesmo erro... Não sou eu quem tem poder... mas meu

Deus... ElE tem poder e ele me protegeu...

“Queremos o poder do seu Deus”....”Queremos o poder do seu Deus”.... “como fazemos?”

Exclamaram!

“Arrependai-vos... abandonai o bizerro de ouro e confiai toda a sua vida ao poder celeste”.

Então eles fizeram... encorajaram-se.... e enquanto encorajavam-se as orbitais que a cobra engolira saía implodindo a criatura de pouco a pouco...

Todos voltaram a enxergar mas a serpente ainda estava lá... “Você ainda é meu Selestiano...”

E como um vapor de trem ficou transmutada , agarrou o feiticeiro e o arrastou para o espelho do templo... que após a entrada furiosa quebrou partido no chão... O templo começou a se desfazer em pó”. O povo afoito saía de lá aos gritos até o arco do inferno estar submetido a poeira.

Alguns dizem que ele ainda anda por aí oferecendo um novo deus, uma nova cura, uma riqueza mais rápida e sem esforços..... Eu só vos digo meus caros leitores...uma vida de fé cega envergonham os olhos de estarem a serviço nulo!