Mundo em Pânico

I

Uma breve e, devo dizer, confusa, demonstração da singular situação em que o mundo se encontrava durante os dez dias em que circularam as mais estranhas notícias da história. Primeiro, algumas manchetes que saíram em jornais pelo mundo:

HÁ SERES DE OUTROS MUNDOS ENTRE NÓS, ESPREITANDO CADA PASSO DA HUMANIDADE

-The New York Times

ASSOMBRAÇÕES SÃO VISTAS PELAS RUAS DE LONDRES NA CALADA DA NOITE

-The Guardian

TERRA SOB ALERTA: DESCOBERTOS MECANISMOS ULTRASSECRETOS COM O PROPÓSITO DE ACELERAR O DERRETIMENTO DAS CALOTAS POLARES

-El País

SEGUNDO FONTES, INVASÕES EXTRATERRESRTRE PODEM OCORRER A QUALQUER MOMENTO

-O Globo

II

Agora, algumas situações:

Repórter de rua da CNN, entrevistando pessoas aleatórias:

“O que o senhor acha das notícias que vêm se espalhando pelo mundo nos últimos dias?”, ela pergunta a um homem idoso que passa pela calçada. Ele para gentilmente e abre um sorriso para a moça.

“Seja o que Deus quiser”, ele começa em uma voz suave. “Temo por minhas filhas e meus netos, que estão aterrorizados. Pelo menos vivi minha vida, não? Esse é o lado bom de ser velho nestes dias”, ele concluiu, com um sorriso melancólico.

Ao avistar a equipe de reportagem, diversas pessoas gritam enquanto passam. Garotos zombeteiros podem ser ouvidos quando falam “corram para as colinas!”, aos risos. Mas, no fundo, eles mesmos guardam certo receio em relação ao assunto, só que obviamente, não querem demonstrar.

Uma mulher, de mãos dadas com uma criança pequena, se aproxima afoita da repórter após a entrevista do velho terminar. Ela, indiferente às câmeras que transmitiam tudo ao vivo, pergunta de olhos arregalados à mulher com o microfone se não é tudo mentira, tudo a velha teoria da conspiração, e que na verdade tudo está bem como sempre esteve.

A repórter, sem saber o que fazer, dá um sorriso amarelado e volta com o estúdio. Quando a transmissão é interrompida, já está formado um pequeno tumulto, todos ávidos para saber se havia algo de novo. Os seguranças da TV retiram a equipe de reportagem em direção ao furgão da emissora, que os leva de volta à sede.

Durante os últimos dias, a mídia de todo o mundo alertava para perigos e ameaças iminentes, como se de um dia para o outro o planeta passasse a ser um lugar que poderia implodir a qualquer momento. Era tudo muito recente, ninguém ainda tinha a idéia exata do que ocorria, mas já era o suficiente para gerar enorme repercussão e aflição ao redor do mundo. Todos à espera de alguma confirmação, ou de alguma explicação sobre tudo aquilo.

Por todo o globo, pessoas agem como se não houvesse amanhã, como acreditavam que realmente poderia não haver. Viajam a lugares que sempre sonharam, compram roupas e jóias que “namoravam” há meses, reveem amigos e parentes distantes. A enorme demanda por passagens aéreas e o fluxo absurdamente intenso dos aeroportos eram os sinais mais evidentes do colapso que se iniciava.

Os mais conservadores, assim como os mais desconfiados, assumiram a postura que mais lhes parecia razoável e ignoraram os noticiários que estavam “lunáticos” segundo eles, e tudo não passava de falso alarme -como tantos na história, e desta vez simplesmente vários soaram juntos ao redor do mundo-, e seguiam suas vidas normalmente, repreendendo aqueles que insistiam em entrar em pânico. A antiga, mas sempre atual, teoria da conspiração voltou à tona com toda a força.

As cenas exibidas pela CNN mostrando pessoas ávidas por informações concretas, se repetiam em diversos lugares. Em Roma, um fanático literalmente atacou o repórter que entrava ao vivo em um telejornal local e tomou seu microfone, berrando que todos se ajoelhassem e pedissem perdão, pois o fim estava próximo. Ele teve de ser contido como um animal insandecido pela força policial, para que não gerasse maiores transtornos.

As notas e reportagens que saíam nos sites e jornais eram superficiais e não traziam detalhes. As manchetes alarmantes, apesar de nunca estarem na capa, eram as mais procuradas assim que qualquer um se deparasse com um meio de informação. Mas, por que uma situação aparentemente catastrófica era tratada por esses veículos como algo aparentemente secundário? Essa era a pergunta feita pela população dos quatro cantos da Terra.

O único veículo que destoava dessa cobertura era a televisão. Entradas ao vivo e entrevistas com autoridades religiosas, científicas e acadêmicas eram constantes nas maiores redes de TV do mundo. A BBC de Londres mandou uma equipe ao Vaticano para reportar como era o movimento na cidade santa, que recebeu um número incrível de visitantes de todas as localidades possíveis desde que as notícias passaram a se espalhar. Quando não se tem para onde virar todos acabam pedindo por proteção, disse o Papa, que tentava transmitir paz e esperança a todos, à rede londrina de televisão.

III

O desfecho:

A cobertura e as notícias, sem explicações, pararam de aparecer gradativamente. O mundo foi simplesmente deixado sem saber do que tudo aquilo se tratava. Por maior que fosse a pressão que fosse exercida pelas pessoas que viveram aqueles dias como se fossem seus últimos e pelo público em geral, nenhum veículo ou governo se pronunciou sobre o assunto. Era como se nada houvesse acontecido, e a vida tivesse voltado ao normal tão rapidamente quanto tinha entrado em colapso.

Protestos foram feitos, em especial na sede da BBC, onde inclusive cenas de revolta e vandalismo foram registradas, com pessoas enfurecidas arremessando pedras e mais o que tivessem a mão na direção dos seguranças e instalações da emissora. Praticamente nenhuma divulgação foi dada a esse tipo de revolta.

Os céticos, com o sabor da vitória em suas bocas, gabavam-se de não terem alterado suas rotinas e planos.

Alguns outros, adeptos de qualquer teoria conspiratória -desde a morte de Paul McCartney em 1966 à certeza de que o homem não foi à lua em 1969-, afirmavam categoricamente que extraterrestres já haviam chegado e tomado o controle da mídia, e estariam esperando apenas o momento certo para atacar. Uma mitologia foi criada em torno disso.

IV

Explicação(que o mundo não soube e jamais saberá):

Em uma mansão, em algum lugar do mundo, Paul Sabber acompanhava tudo o que saía sobre o assunto; internet, jornais e televisão. Gostava principalmente de acompanhar os telejornais, que davam uma grande atenção ao assunto.

Assim como ele sabia que seria.

Sabber era um americano, nascido na Califórnia. Desde cedo demonstrou sua habilidade para ganhar dinheiro, quando auxiliava o pai, um bem sucedido economista, a investir em ações da bolsa de Nova York. Após concluir o ensino médio, não fez faculdade; seu pai lhe deu um capital inicial, e ele em um relativamente curto espaço de tempo fez uma considerável fortuna que se multiplicou ao longo dos anos.

Hoje, aos cinqüenta e seis anos, dono de mais de vinte empresas em diversos ramos, entre hotéis, exploradoras de petróleo e aviação comercial, era o homem mais rico do mundo com imensa distância do segundo colocado no ranking da Forbes.

O que um homem assim ainda pode querer?

Um pouco de diversão. E um pouco mais de dinheiro não lhe faria mal.

Após duas semanas analisando e elaborando um projeto ambicioso e, alguns diriam, completamente insano, Sabber tomou a decisão. Investiria alguns de seus bilhões nessa ideia, e quem sabe, os teria de volta ainda com lucros? E se isso não acontecesse, bem, paciência, pelo menos o desenrolar do esquema lhe teria arrancado boas gargalhadas. Para pô-lo em prática, precisava antes de alguns telefonemas e de se reunir com algumas pessoas, o que não foi de forma alguma difícil. Quem em sã consciência recusaria um encontro com Paul Sabber?

Como o esperado, ninguém o fez. No espaço de uma semana, reuniu-se com o alto escalão das redes de informação do mundo e alguns chefes de Estado. Os mais íntimos do magnata, disseram-lhe que ele estava completamente louco, que aquilo era uma insanidade sem precedentes, comparável apenas a Nero incendiando a cidade de Roma. Então, Sabber aumentava sua proposta, e invariavelmente chegava a uma quantia que fazia seu interlocutor achar que ele estava são de novo, e aceitava de bom grado a oferta.

Tudo seria posto em prática dali a um mês. Sabber mal podia esperar.

No primeiro dia em que as notícias saíram, exatamente do modo e onde Paul Sabber havia acertado com os homens poderosos da área, o resultado não foi satisfatório para o megalomaníaco Paul. O pandemônio não se instaurou de imediato como ele desejara.

A partir de segundo dia, tudo mudou e passou a acontecer exatamente como ele queria. O pânico começou a se instaurar e em pouco tempo, o mundo estava correndo em um ritmo mais frenético que o habitual. Sabber começava a ver seu dinheiro investido retornar quando os aeroportos começaram a ter um volume de pessoas cada vez maior. A partir daí, ele soube que tudo daria certo. Pelo menos para ele. Então, sentou-se confortavelmente e divertiu-se com o que se passava.

Nas companhias de Sabber, a ordem era que a atenção e os esforços fossem redobrados. Ele não vazou a informação do que havia feito a ninguém, nem mesmo a seus sócios mais antigos, mas deixou bem claro que quem não continuasse trabalhando estaria na rua se nada daquilo se confirmasse. O mundo podia estar louco, mas as companhias Sabber continuariam a todo vapor, e dinheiro continuava entrando como nunca.

Paul via tudo isso com extremo prazer, e começou a achar que talvez aquilo tudo de fato ainda pudesse lhe gerar lucros. Mas a esta altura, isso já não fazia tanta diferença. Ter o mundo como seu grande show de marionetes era um sentimento impagável, e assim ele deliciou-se enquanto durou, e também depois, com o cessar das notícias e o atordoamento da população. Bem, o jogo um dia teria de parar.

No dia marcado para o fim das notícias, Sabber procurou imediatamente saber como andavam suas ações na bolsa, que eram sua grande preocupação após tudo dito e feito. Sabia que estaria tudo bem, mas queria checar para ter certeza.

Ao fim da tarde estava entediado. Pegou seu avião particular predileto e pediu que o levassem para ver o pôr-do-sol em Miami, do qual estava com saudades. Planejava em dormir às margens do rio Senna depois à noite, ao lado de alguma bela companhia. Porém, lembrou-se de que haveria um belo eclipse a ser visto da cidade do México, e lembrou-se também das mexicanas... Teria de se decidir.

Nem sempre era fácil ser Paul Sabber.

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 03/07/2011
Reeditado em 06/07/2011
Código do texto: T3072833
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