Ad Infinitum

Por Ramon Bacelar

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

O lento arrastar dos passos no denso cobertor outonal de folhas ressecadas e galhos quebradiços, não apenas denunciava em cores mortas e texturas fragilizadas a chegada da temporada das tristezas, mas também alertava com insistente insistência que sua busca presente, nada mais era que uma infindável reprise do desejo passado: uma vontade inalcançada em ontens de primaveras prismáticas, verões multicores e invernos de palidez ártica. Era como se um estranho senso de circularidade e repetição o possuísse, manchando sua esperança com as mesmas tonalidades, melancolias e ressecamentos de outonos que foram.

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

Acima dos galhos nus e copas frondosas, nuvens pesadas como chumaços de chumbo, salientadas no canvas opaco de um céu comatoso, perdiam-se em convolutas ondulações, fusões e fragmentações, como se assombradas pelos lamentos tempestuosos de uma tempestade vindoura.

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

Memórias vívidas de vontade forte e objetivo rígido o impulsionavam ao objetivo, e nem as constantes impressões de déjà vu e o peso de uma rotina sufocante o impediam de continuar, buscar, almejar, desejar, tentar, tentar, tentar...

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

“Filho!”

“Filho!!”

Exclamações raquíticas em desejos nervosos colocavam em nítido relevo, redes de rugas, calosidades e pés de galinha em cujas cavidades e saliências delineava-se, como códigos de pêlo e carne, o mapa de sua tortuosa existência.

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

Gotas obesas de formas mutáveis e transparências vítreas envernizavam suas retinas, inundando seu sentido de visão com cataratas de ondulações líquidas, superfícies escorregadias e irrealidades aquosas.

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

Folhas liquescentes, pétalas gotejantes, troncos oleosos, folhas ondulantes: o velho nadava na realidade úmida com os mesmos passos, as mesmas posturas e olhares, os mesmos almejos e tentativas e agora, à sua frente uma nova - e antiga - esperança úmida sorria para a fadiga de suas órbitas.

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

A tempestade castigava, o vento açoitava, mas não o impedia de almejar, desejar nem alcançar aquilo que poderia ter sido: estendeu a mão em forma de concha, suspirou, mas antes de tocá-la, mais uma vez mais uma esperança vestida em verde refulgente fugiu do seu desejo em vôos curtos, sapecas e saltitantes: suspirou, abaixou a cabeça e mesmo sem querer, continuou almejando, prosseguiu desejando, andando em círculos de cabeça baixa em torno do mesmo carvalho centenário no pátio do manicômio Santa Luzia.

Vuusshh, vuusshh, vuusshh...

FIM

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 25/06/2011
Código do texto: T3055808
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