Instinto Maternal

Como sinto falta de minha pequenina. Ainda me lembro da agonia ao ouvir os que tentavam me acalmar das angustiantes horas enquanto aguardava notícias da esquipe de busca e salvamento. Consigo sentir, até hoje, o peso das notícias especulativas que chegavam a minha casa, Até que a confirmação chegou a um lençol branco que estava jogado em uma lata de lixo naquele bairro sujo e fétido. Tão diferente de nossa casa, de nosso jardim que a pequena Samantha sempre pedia para que se plantassem flores. Aquele bairro imundo onde acharam aquele lençol com o sangue e a massa encefálica da minha filinha.

Tudo havia sido escolhido com tanto primor para aquele dia, as roupas dela, a festa de aniversário no jardim que ela tanto gostava. Mas, o sumiço dela, a procura por ela, a morte dela, isso nunca foi planejado. Perguntava-me como poderia haver no mundo alguém de tamanho desprendimento que não visse o que acontecerá com nossas vidas. As pessoas viam minha dor, todo o Brasil me enviava mensagens solidárias. Mensagens que diziam como haviam superado e como haviam seguido em frente mesmo com a ausência de seus desaparecidos. Das esperanças que nunca morrem até que mostrem a impossibilidade de vida. Tentavam-me dizer que havia vida após a morte brutal de um filho.

Eu me recusava a pensar como eles, me recusava a aceitar que vissem dessa forma. A única coisa que fiz desde que perdi Samantha foi o jardim que ela tanto pedira em vida e eu nunca atendera. Eles nunca terão para ver como eu, para sentir como eu. Seu limite chega ao fim, sua alma se refestela de uma sensação estarrecedora, esmagadora. Nada conseguiria explicar minha dor. Muitos choram pela morte de minha Samantha, mas ninguém chora minhas lágrimas.

Ninguém soube a satisfação e o alívio que senti ao pegar aquele martelo e atacar aquele ser tão diminuto e frágil. Aquela que arruinara minha vida, meus sonhos, minha carreira. Da mesma forma como ninguém achará mais que os lençóis sujos onde envolvi seu corpo morto antes de joga-lo em uma cova rasa em nosso quintal. Tive a boa ideia de jogar esses detalhes em um bairro onde corpos somem todos os dias. Nunca escavaram o belo jardim que o corpo dela aduba e que foi feito em sua homenagem nos fundos de nossa casa confortável. Jardim o qual me rendeu uma nova carreira de paisagista com uma bela publicidade de "a mãe desamparada". O pai enlouqueceu e está hospedado em uma clínica que faz jus com sua conduta durante toda nossa vida, sujo e violento.

Por fim, só tenho a agradecer minha bela Samantha. Durma em paz, minha pequena. Até o dia em que virá me buscar para irmos ao inferno juntas.

Kate Nunes
Enviado por Kate Nunes em 16/06/2011
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