Cachaceiros

Ele sempre foi um bom homem. Bom pai de família e bom esposo.

Religioso, estava na igreja todos os domingos.

Herdou um alambique de seu pai e se tornou um grande produtor de aguardente na região.

Sua cachaça era muito apreciada e conhecida por todos os frequentadores de boteco da região.

Não havia uma pessoa que não elogiasse a branquinha. E ele inovou, criou outros tipos de cachaça e assim foi crescendo.

Mas ele nunca bebeu, nem para provar as novas fórmulas criadas por seus especialistas em cachaça.

Rico. Estava muito rico. Mas como nem tudo são rosas um dia ele adoeceu.

Pagou o médico mais rico da região. Mas infelizmente foi desanganado.

Tinha pouco tempo de vida. Ele ficou desconsolado. Entrou em depressão profunda.

Sabia que nada poderia ser feito e seu dinheiro de nada adiantaria agora.

Em menos de dois meses definhou, ninguém reconhecia mais aquele homem.

Estava magro. Esquelético. Pálido. Quase sem forças para andar.

Quase não dormia, não comia e ficava delirando.

Vivia entre a realidade e o delírio o tempo todo, beirando a insanidade.

Numa noite teve visões e nessas visões via pessoas vindo até ele tendo a pele soltando da carne, os olhos esbugalhados, os dentes apodrecidos e um fisionomia de muita dor.

Isso o assustava e ele não podia se mexer.

De repente uma multidão se juntou a seu redor e ele não sabia o que fazer.

Nesse momento, um a um ia se aproximando dele e dizendo:

"Estou aqui por sua culpa"

"Você é o culpado"

E apontavam o dedo para ele.

De repente uma imagem se formou diante de seus olhos.

Eram homens brigando com filhos, com esposa e com mães.

Eram homens brigando, caidos pelas ruas, alguns até mesmo matando.

Desesperado ele gritou:

-Quem são vocês? Como assim? Minha culpa?

Agora olhavam para ele com ódio nos olhos e cheiravam a cachaça.

Somos aqueles que se viciaram na maldita cachaça que você fabricava.

Enquanto você aproveitava a vida com sua familia com o lucro que nós te dávamos, nossas familias sofriam. Nós sabíamos disso, mas não tínhamos força para parar.

E nos afundávamos cada dia mais.

Olhe e veja quanta desgraça você trouxe.

Agora o fechavam em um círculo e o sufocavam.

Um deles pegou um garrafão de cachaça e outros o seguraram e despejaram em sua garganta o líquido que descia queimando sua garganta.

Ele sentia que a cachaça o queimava. Parecia corroer todos seus orgãos internos e a multidão que agora se formava ao seu redor agora ria muito.

Como se ele fosse um palhaço.

De repente uma criatura enorme surge no meio da multidão.

E com os olhos vermelhos olhava direto para ele e ria muito.

Nessa hora ele desperta de seu delírio, desesperado, suando e agitado.

Estava no meio da sala. Chorando. Assustado.

Sua esposa e filhos entram correndo ao ouvirem seus gritos e choro.

Com os olhos arregalados ele só diz uma coisa:

- Parem tudo. Fecham a fábrica de cachaça. Ainda há tempo para vocês.

Façam isso. É só o que eu peço.

Seus filhos, já todos formados e sem interesse em tocar o empreendimento, atenderam seu pedido.

A fábrica foi fechada.

E ele faleceu uma semana depois.

Ele nunca cometou sobre aquela visão terrível.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 16/06/2011
Reeditado em 16/06/2011
Código do texto: T3039249
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