Macumba para Alberto
Angelina não suportava a idéia de seu marido traí-la, porém as traições era uma constante desde que casou, há dez anos atrás. Alberto tinha inúmeros casos com mulheres diferentes, desde professoras a prostitutas. Angelina sofreu durante muitos anos calada e aceitava os casos, fingia não saber deles, pois seu casamento era o que tinha de mais importante na vida. Jamais pensou em deixar Alberto. A palavra divórcio lhe causava um medo maior que a morte. E continuou a viver assim até que Alberto apaixonou-se pela dançarina de boate Clélia. Eles tiveram uma discussão feia no qual Alberto irredutível, arrumou as malas e foi-se embora, deixando Angelina humilhada no chão da sala chorando e implorando para ele voltar.
Durante dois meses Angelina não saiu de casa. A vizinhança já sabia de tudo e ela não queria ser alvo de comentários maldosos. Estava tão deprimida que emagreceu 10 quilos, algo impensável quando era casada. Assistia cultos religiosos pela televisão, acendia velas e fez diversas promessas e nada de seu marido voltar. Uma vez quando teve coragem de sair na rua para comprar comida, soube pelas vizinhas que Alberto casaria com Clélia. Voltou para casa arrassada e passou o dia na cama chorando, desesperada. Foi até a sala e folheou umas revistas velhas, caiu na parte esotérica e um anúncio chamou sua atenção: CIGANA SORAYA, TRAGO SEU AMOR, AMARRADO E MANSO AOS SEUS PÉS. PAGAMENTO APÓS RESULTADO. Fechou a revista e animou-se, ligou para a vidente e no outro dia marcou um horário á tarde.
No dia seguinte, arrumou-se, foi até o endereço descrito pela vidente. Era um lugar sombrio e de arrepiar, mas não voltaria atrás e o anúncio dizia que ela só pagaria a consulta; o trabalho depois. Sentou-se na sala de espera ansiosa até a cigana chamá-la.
-Senhora Angelina?
-Sou eu!
-Vamos entrar?
A cigana tinha os olhos castanhos pequenos e o nariz torto. Muitas rugas e pintas deformavam o rosto, parecia um bruxa de tão feia. O seu corpo rechonchudo ficava ainda maior em um vestido vermelho horrível com babados pretos. E as unhas das mãos eram sujas e grandes, o que causou um leve asco em Angelina. A cigana abriu o baralho em uma tirada geral, disse: -Vejo que a senhora tinha um relacionamento do qual seu marido a deixou para ficar com uma mulher muito mais jovem e bonita. Não há nada que eu possa fazer, dona, é o destino deles. Você conhecerá um homem que te fará feliz. Esse daí não é e nunca foi para você.
Angelina sente as lágrimas brotar dos olhos e o coração pesar, enxugando o rosto com as mãos, encara a cigana -Quero Alberto! não existe outro homem. O quero de volta. Faça um trabalho e traga-o para mim, apaixonado.
-Tudo bem, Dona, mas vou avisar. Ele não é para você!
-Não tem importância. Quanto tempo?
-Dentro de 7 a 21 dias. Eu garanto. Minhas ciganas são fortes e meu clã está na terra há muitas gerações.
-Vá para casa e fique tranquila.
-Obrigada.
Angelina voltou para casa confiante. Há tempos não sentia-se feliz. A sua fome reapareceu e conseguiu dormir sem chorar a noite toda. Quando acordou, ligou para a cigana Soraya que a informou que iniciou o trabalho. Desligou o telefone e foi passear. As vizinhas a olhavam com pena, especulando sobre sua vida. Soube que Alberto casaria dali há algumas semanas, "Isso não acontecerá. O casamento não irá se realizar." Sorriu confiante, pensou em quando Alberto voltaria e lhe faria juras de amor eterno.
Passou 7 dias e Angelina já sabia que seu ex marido terminou o caso com Clélia. Os boatos corriam rapidamente pelo bairro. Alguns diziam que Alberto pegou Clélia o traindo com outro e quase a matou espancada. E Clélia nem saía na rua pois estava com o rosto inchado.
Em uma tarde, assistindo tv, a campainha tocou. "Quem será? não recebo visitas há tempos" Levantou-se e abriu a porta, quase desmaiou, era Alberto. Apático, mais magro e sua aparência era de dar pena. Ele não disse nada, apenas chorava como criança no sofá velho e desbotado, quando acalmou-se, abraçou Angelina -Perdão, minha esposa. Quero voltar para casa. Você me aceita?
-Claro, meu querido! Eu te amo.
Naquela mesma tarde fizeram amor até a noite e Angelina não cabia em sí, tamanha felicidade.
Alberto ficou, definitivamente ele não era o mesmo. Depois do acontecido, tornou-se um marido e amante maravilhoso. Sempre disposto a ouvir a esposa e muito carinhoso. Só que isso era feito de uma maneira mecânica, sem sentimento e alegria. Aquela vivacidade e espontaneidade típico dele, não existia mais. Era um robô a serviço de Angelina, ela arrependeu-se do trabalho que mandou fazer. Resolveu que iria desmanchá-lo. Amava Alberto, mas não o queria daquela forma, sem emoção, sem amor, sem paixão. Ligou para a cigana -Alô, Soraya?
-Sou, eu, quem fala?
-É a Angelina.
-Como vai minha filha?
-Eu estou bem.
-Soraya, agradeço muito o trabalho, mas será que não dá para desmanchá-lo?
-Não. Não existe a menor possibilidade.
-Obrigada.
Desligou o telefone.
Os meses passaram e Alberto continuou sem vida ao lado de Angelina. E ela chorava muito arrependida. Soube que Clélia não suportou a perda de Alberto e suicidou-se com veneno de rato. Todos ficaram chocados, pois Clélia perdeu a motivação e deu fim a própria vida. Alberto foi indiferente a notícia. Um dia quando Angelina, saiu, fazer compras para a casa, encontrou Alberto morto no banheiro. O mais provável é que ele bateu com violência a cabeça ao escorregar no piso molhado e morreu. Havia uma poça de sangue no chão; Alberto caído com os olhos pretos abertos, com a água do chuveiro quente pingando em cima do seu corpo morto.
O enterro foi dolorido para Angelina. Perdeu o amor de sua vida e sentia-se muito culpada. Depois da morte de Alberto marcou um novo horário na vidente e foi até a cada dela.
-Soraya, ele morreu!
-Eu avisei a você, não foi?
-Como assim?
-Você não queria separá-lo da moça?
-Queria..
-Pois bem
-Eles foram separados.
-Como assim?
-Só a morte faria isso, minha filha..
Angelina entendeu o que ela quis dizer e chorou arrassada pela culpa e pelo remorso.