O amigo imaginário

Até meus 10 anos eu tive um amigo imaginário. O chamava de Hans, confiava muito nele, era mesmo meu melhor amigo, estava comigo em todos os momentos.

Achava até que eu não precisava de mais ninguém para ser feliz.

Porém um dia tudo mudou, cheguei em casa da escola e minha mãe estava chorando, me sentei ao lado dela, ela me abraçou e me disse que meu pai havia ido embora.

Que não voltaria mais.

Fiquei sem saber o que fazer, sem chão, eu nunca havia notado nada de diferente, para mim sempre me pareciam felizes.

Fiquei ali chorando também sem saber o que fazer para ajudar minha mãe.

Depois fui para meu quarto e Hans estava lá.

Eu estava muito irritado e descarreguei tudo sobre ele, disse que a culpa era dele por não me deixar ver o que estava acontecendo com meus pais e que eu nunca mais queria vê-lo.

Ele não disse nada, ficou ali por uns minutos de cabeça baixa, depois notei que estava chorando.

Ele se virou de costas e ficou mais um tempo ali, chorando e emitindo sons estranhos.

Tive medo. E mais medo ainda quando ele se virou para mim e puder ver que ele estava chorando sangue. E pela sua boca, nariz e ouvidos vertiam sangue.

Ele olhou fixo para meus olhos. Seus olhos estavam vermelhos.

Me perguntou se eu tinha certeza disso, de que não queria mais que ele voltasse.

Eu afirmei que sim.

Fechei os olhos e ele sumiu.

Nunca mais o vi. E isso faz mais de 20 anos.

Hoje divido um apartamento com mais uns amigos da faculdade.

Tudo ia bem até a semana passada.

Meus companheiros começaram a reclamar que ouvem barulhos estranhos no apartamento e até vozes já ouviram.

E como eu estudo e faço estágio, quase nem fico em casa.

Uma tarde cheguei mais cedo e uma das amigas que divide o apartamento estava sentada no corredor ao lado da porta com cara de assombrada e parecia ter chorado.

Perguntei o que era e ela me disse:

Ele está lá dentro. No seu quarto. Diz que é o Hans.

Quase cai ao ouvir esse nome. Não podia ser. Não o Hans.

Peguei a chave, abri a porta e entrei no apartamento. Um cheio horrível me recebeu.

Fui até meu quarto. Era ele. Estava lá parado olhando para a parede.

Hans. Chamei.

Ele se virou devagar. O que vi era horrível. Sua roupa estava apodrecendo e seu rosto parecia estar se desfazendo. Da pele purulenta escorria pus e a carne estava exposta.

Ele sorriu um sorriso que me deu muito medo.

Apesar do medo perguntei o que ele queria.

Ele se aproximou como se flutuasse de modo muito rápido e me disse que era minha culpa a situação em que ele estava vivendo.

Pude sentir o cheiro de carne apodrecendo e o hálito horrível.

Ele continuou dizendo que quando eu o mandei embora, eu o matei aos poucos.

Ainda não era hora dele me deixar, a missão de todo amigo imaginário vai até a idade de doze anos. Eu só tinha dez.

E ele começou a morrer aos poucos.

Era a regra. E ele não podia fazer nada. Ele me olhava com raiva, com ódio.

Ele me disse que algumas vezes até tentou se aproximar de mim, mas não conseguiu.

Começou a andar em circulos ao meu redor e pensei que ele fosse me matar.

Eu não sabia o que fazer e perguntei se eu podia fazer algo para consertar meu erro.

Ele riu uma risada estridente e assustadora.

Não, não havia nada que eu pudesse fazer.

A não ser conviver com um amigo imaginário apoderecendo e cheirando a carne podre e morta.

Por quanto tempo? Ele não soube me dizer, mas eu sabia que seria por muito tempo.

Só exigi uma condição. Que apenas eu o visse.

A partir desse dia ele me acompanha, uma figura bizarra e desgraçada.

Um ser em processo de putrefação.

Apenas eu o vejo, mas as pessoas sentem o cheiro e por vezes me pegam conversando com Hans.

Acham que estou ficando louco e às vezes nem mesmo eu sei se estou são ou louco.

Conviver com uma criatura dessa forma é algo medonho. Dá medo, dá nojo, mas no fundo sei que a culpa é minha.

Esse é meu castigo.

Essa é a regra.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 07/06/2011
Código do texto: T3020714
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