Macabra Realidade – Parte final
Uma noite de muitos sonhos à Fátima, via-se beijando Matias, em seguida no beijo surgia o gosto de sangue e o grito de Matias, que ao tirar a boca da boca dela vertia sangue pela face, Fátima se via mastigando a língua de Matias, o terror do grito, o gosto do guisado parecia vivo em sua boa, Matias sumia e ela se via ali sentada na mesa do casebre, comendo a carne ensopada de seu amado, tentava lembrar porque não deveria comer, mas estava gostoso e ela queria mais e mais, comia tudo e um desespero crescia dentro dela, até que abria a geladeira e roia os ossos, terminando por beijar ardentemente a cabeça que esfriava na geladeira, ouvia a risada diabólica de Paulo, que a chamava de vadia, de puta, de comedora, um grito de desespero, quando menos espera uma mão a sacode e uma voz:
- Fátima! Fátima, acorde... Você está berrando.
Ela pula da cama assobrada, pega o copo de água de Maria Isabel e nada diz.
- Ta mais calma?
- Estou sim.
- Sabe você não quer me contar o que você passou? Você nunca contou a ninguém lá dentro o que houve mesmo com você, tu não parece o tipo de doida que mata o amante para fazer picadinho como dizem.
- Mas não fiz, meu marido fez isso comigo, ele nos descobriu e armou para mim, me trancou em uma casa e lá com fome ele me serviu um cozido de carne que foi feito com o meu amado Matias.
- Nossa, bem safado esse teu marido hein. Ruim também.
- Olha vamos dormir, vai amanhecer e eu quero ir visitar meu maridinho, tenho contas a acertar com ele.
- Posso te ajudar?
- Não deixa quieto, eu sou um caso perdido, não quero te enrolar mais.
- Piada isso né? Eu tenho três sentenças de 30 anos por tráfico, estou com 39 anos, se eu cumprir minha pena toda saio da cadeia com 69 anos, tirando o duplo sentido do número, diria que não tenho mais nada a perder assim como você, e além disso fui com tua cara e adoraria ver o safado do teu marido pagar por isso, mas veja bem, precisa não só se vingar tem que limpar tua cara também.
- Sei como vou fazer isso, será que seu pai arruma o carro que vimos na garagem?
- O carro não é dele, é meu, então pode deixar que é nosso – Isabel riu e apertou a mão de Fátima – pode deixar saberemos o que fazer.
Passaram-se seis meses, o corpo de diversas detentas foram queimados durante a rebelião e uma das queimadas acabou adquirindo a identidade de Fátima, Maria Isabel não teve a mesma sorte, ainda era procurada pela polícia. Paulo reconheceu um dos cadáveres como o de sua mulher, dando fim às buscas por uma foragida.
Paulo seguia seus dias com normalidade, voltou a ser motorista da fábrica de vidro onde era visto com pesar por todos, sim, ali ele era o pobre viúvo, vítima da sordidez de uma mulher safada e maquiavélica, para todos os efeitos Fátima ia ser deixada por Matias e o matou e o devorou em sua completa insanidade.
Nas ruas, talvez a culpa o fazia ver coisas, tinha impressão de ser seguido, de sentir o cheiro de Fátima o assombrando, besteira pensava, ele tinha se dado bem, de casa nova, de carro novo, Fátima tinha um seguro de vida, isso o fizera ser tão “astuto” em reconhecer logo seu corpo, afinal, ele um pobre viúvo traído agora era um rico viúvo traído.
Saiu do trabalho e foi se encontrar com sua namorada, uma vendedora de calçados, tomaram umas cervejas, riram um pouco, se beijaram e ela lhe disse:
- Querido estou com fome.
- Eu também, pede alguma coisa.
- Deixa eu ver, vou pedir um sanduíche.
- Sim eu também quero um, o mesmo que você pedir meu amor.
- Ta bem – chamou a garçonete e pediu dois sanduíches.
A garçonete atenta anotou tudo e o pedido logo chegou.
- Vou ao banheiro, me espera.
- Claro amor, mas não demora, pouco tempo é muito sem você.
- Que lindinha, você é mesmo um sonho Maria Isabel.
Mal ele saiu e Isabel, diluiu um envelopinho em seu copo de cerveja, fez isso e completou com mais um pouco.
- Pronto voltei, hum que fome meu amor.
- Eu também nem te esperei.
- É estou vendo, esfomeada, será que vai ter essa fome assim mais tarde?
- Sempre terei uma fome quase incontrolável de você querido. Vamos brindar.
- Sim, ao futuro!
- Isso ao futuro, que seja breve e nos gere outro futuro mais risonho.
Dizendo isso Paulo bebeu tudo e começou a comer com a falta de modos de um viking.
- Calma querido, a comida não vai correr.
- É a fome, mas me sinto estranho, com a boca meio dormente, parece estar ficando dura...
Nem bem disse isso e a comida caiu de sua boca que estava paralizada.
- O que foi amor? Perdeu a fala? Achou mesmo que eu te amava filho da puta? Queria lhe apresentar minha melhor amiga, aquela que sempre comento com você, que teve uns problemas com o marido doido e eu ajudei.
- Oi querido!
Paulo ali travado olhava Fátima sentada em sua frente, como que surgida direto do inferno para sua mesa, ali estava ela, sentada como nada tivesse ocorrendo.
- O que foi “amor”? O gato comeu sua língua, talvez devêssemos comer a língua dele Fátima.
- Não! Deve ter veneno nessa merda, esqueceu que ele é uma cobra traiçoeira?
- É mesmo, como pude esquecer.
Paulo tentava balbuciar alguma coisa, mas sem efeito.
- Ah você quer falar Paulo? Talvez agora você queira falar como me enfiou em um buraco nojento a ponto de furarem meu cérebro para estudo, você é nojento, um maldito, eu só queria não viver com você, eu te admirava e você o que fez? Me transformou em uma canibal retardada que come até o amante, me chamaram de mamãe louva-deus, de comedora, tentaram me estuprar e só não foi pior porque acho que você tinha mesmo que se ferrar por minhas mãos. Algo tipo do destino mesmo, pois tudo conspirava contra esse momento.
Paulo tenta mais uma vez se mexer, mas ainda estava travado.
- Isso é toxina botulínica querido, quando usado em pequenas doses é paralisante, você vai ficar umas 4 horas travado, mas o melhor ainda está para chegar, vamos embora meu amor, menina a conta por favor.
- O que houve com ele? – perguntou a garçonete.
- Tem gente que não sabe mesmo beber, né? Falta de costume e pressão baixa só isso.
Pagaram e arrastaram Paulo até o carro. No carro aplicaram um medicamento ma coxa de Paulo que fez um olhar de profunda dor.
- Ah querido me desculpa, cutuquei o osso da sua perna. Desculpa é que sou meio nova nesse negócio de vilã psicopata, não tenho a tua experiência – Fátima riu de forma sinistra, Isabel dirigia e Paulo perdia a consciência vítima da droga utilizada.
Acordou ainda paralisado, em um caixão, aberto, com flores o cercando, Fátima vestida de preto de um lado e Maria Isabel do outro, ambas chorando e se lamentando.
- Era um homem tão bom, tão rico, trabalhou tanto por sua riqueza.
- Sim era mesmo, gastava tanto dinheiro comigo que era sua nova namorada.
- Pois é, e para isso só teve que destruir minha vida, só precisou me incriminar, jogar num sanatório e jogar a chave fora.
- Um exemplo de homem.
- Um primor de marido, vamos fechar o caixão.
Paulo por dentro queria gritar, esmagar a cabeça daquelas duas malditas, queria a pedir socorro, mas apenas conseguia ver e não podia se mexer. Viu o caixão se fechado, tentava berrar, mas conseguia apenas dizer sussurros mal expressos:
- hummmm, hummmm.
- Fátima ele está nos chamando do além.
- Isabel, você sabe que não acredito em fantasmas.
- Ah, é mesmo, adeus Paulo.
Jogaram o caixão à sete palmos abaixo do chão, quando o caixão tocou o fundo da cova uma luz se acendeu e lentamente Paulo começou a se mexer.
Fátima e Maria Isabel lentamente fechavam com pás a cova. Uma olhava para a outra com alívio, com um certo ar de maldade e felicidade, Paulo ouvia a terra sendo jogada e começou a se bater, a esmurrar a tampa, por fim achou ali um gravador, que ligou: “Paulo, você é um grande maldito, um desgraçado, você acabou com a minha vida, me fez devorar o meu amor, agora você vai morrer, se contorcer até que o ar acabe e você seque embaixo da terra e ninguém além de nós nunca saiba o que houve com você, boa sorte lá no inferno, seu bastardo filho de uma puta”
- Arghhhh !!! – Paulo berrou, mas berrou muito – principalmente quando se deu conta que haviam cortado seu braço direito.
Em cima da terra, Fátima e Isabel haviam terminado o serviço e uma disse para a outra:
- Você está ouvindo algo Fátima?
- Não, deve ser sua imaginação.
- É sério algo como um gritinho.
- Não é nada, aqui nunca nada aconteceu, vamos almoçar, estou morrendo de fome.
- Que bom saber disso, fiz guisado de carne.
FIM