A casa dos Horrores

A casa estava abandonada havia alguns meses. A grama do jardim ia alta, e resvalaria nas canelas de quem ousasse caminhar sobre ela. Ninguém o fazia. Toda a casa estava imunda. As paredes de um dos quartos ainda apresentavam marcas de sangue. Havia as folhas das árvores que caíam e entravam pelas janelas abertas. Ratos e baratas já dominavam o lugar, talvez atraídos pelo odor de carniça que empesteava o ambiente. Devia ser algum bicho morto... Por fora o reboco caía e deixava mais feio ainda aquilo que um dia foi lar de alguém. Não era um lugar agradável...

A essência do que havia acontecido ali estava impregnada em tudo. As pessoas evitavam olhar para o local, sobretudo à noite. As mães que porventura passassem ali com seus filhos atravessavam a rua para o lado oposto. Não era para menos. Era a casa de Jonas Barboza, um homem de uns trinta anos. Era sozinho, não tinha família, nem filhos. Não era uma pessoa bonita. Seus dentes eram bastante tortos, as sobrancelhas grossas e suas orelhas eram de um tamanho desproporcional ao de sua cabeça. Seus olhos eram tristonhos... Não era muito sociável, mas adorava crianças. Não era incomum vê-lo dando balas para os pequeninos que por ali passavam.

Não se sabia com o que trabalhava, mas saía lá pelas dez da manhã e só voltava às quatro da tarde, como muitos trabalhadores dessa mesma rua. Ela, a Rua das Margaridas, era a mais tranqüila, daquele povoado de casas distantes umas das outras. Mas as coisas começaram a mudar por ali. Crianças sumiram misteriosamente e isso logo se tornou assunto de telejornal. Eram muitos desaparecimentos. Cartazes foram colocados nos postes, e alguns ofereciam até recompensas. Mas nada feito. Não tinham pista alguma... Foi então que alguns corpos foram sendo encontrados na mata do lugarejo, à beira de riachos. Não tinham os olhos, e suas barrigas estavam cortadas de cima a baixo. Falavam em rituais de magia negra. Cada vez mais corpos eram encontrados e com marcas mais estranhas ainda.

Certo dia Jonas voltou para casa mais tarde do que de costume, umas seis horas da tarde. Uma multidão o esperava do lado de fora. Traziam pedaços de madeira nas mãos e gritavam: Monstro! Assassino! Pouco antes, alguns haviam entrado em sua casa e descoberto os corpos de mãe e filha, desfigurados, em um de seus quartos. O povo estava ensandecido. Queriam apenas se vingar do monstro que matava crianças indefesas. Alguns diziam que eram anjos...

Tentou fugir, mas não deixaram. Seguraram-no e amarraram suas mãos e pés, levando-o para o interior da casa. Jurava inocência o tempo todo. Foi uma das poucas vezes em que se ouviu a voz de Jonas. Deitaram o homem ao chão e amarraram um saco de pano em sua cabeça, com um nó bem dado em sua garganta, feito com uma corda de sisal. Ele se debatia, implorava clemência, mas o povo não o ouviu. Ele tinha que pagar pelos seus atos e ia pagar ali. Cada um com sua verga aplicou-lhe um golpe, primeiramente em seus braços e pernas, e depois de muito ouvir seus gemidos, bateram fortemente na cabeça, e o pano que a cobria logo foi ficando manchado de sangue. Seus gritos cessaram, mas foi bem depois que pararam de bater. A polícia chegou ao local, mas era tarde. A multidão enfurecida havia matado Jonas Barboza.

E era disso que Samuel Lourenço lembrava ao observar a casa, pelo outro lado da rua. O dia em que sua esposa e filha foram cruelmente assassinadas, como animais para abate. Uma garrafa de cachaça era pouco para esquecer disso. Todos os dias ele recordava. A criança vinha lançar os braços em volta de seu pescoço, chamando seu nome. A mulher preparava a comida na cozinha e depois vinha lhe recepcionar, com um carinho que ele não se lembrava se já conhecia. Mas foi tão rápido! Passaram em sua vida como um cometa, deixando um lindo rastro de luz, mas se foram... E tudo por conta de Jonas, o monstro.

As lágrimas minavam de seus olhos. Por mais que tentasse esquecer, não conseguia. Não havia participado do linchamento e a vontade de fazer justiça ainda pulsava em suas veias. Saiu dali e foi até em casa buscar um machado. Com ele ia destruir toda lembrança do que houve ali. Não restaria pedra sobre pedra.

Caminhou passos precisos e decididos na direção da casa do monstro. Ninguém o viu, já passava das dez, e gente de bem a essa hora já tinha se recolhido. A grama beijava-lhe as pernas de uma forma quase libidinosa. A marca de seus pés e do machado que ele arrastava deixou um rastro estranho no mato. Parou ofegante em frente à porta da casa, que estava fechada. As lágrimas vertiam como no mesmo dia do acontecido e ele limpava-as com o braço.

— Desgraçado! – gritou ele levantando o machado, e dando um violento golpe na porta. Deu um segundo golpe e a porta abriu no meio. Estava escuro, mas a lua cheia clareava muito bem a casa. Samuel sentia o vento frio e forte doer em seus ossos.

Caminhou sobre alguns cacos de vidro das janelas que haviam sido quebradas. Alguns atiravam pedras na casa durante o dia, como forma de protesto. O cheiro de podre, provavelmente de algum animal morto que ali estava, impregnou-lhe as narinas. Sentiu necessidade de cuspir, como reação pela fedentina.

— Seu merda! – disse ele dando uma machadada na parede. – Foi muito homem para fazer o que fez e onde está você agora? Não deve estar em um lugar muito bom, não é mesmo? Pois agora eu vou destruir tudo isso aqui e será como se nunca tivesse existido! Você e essa casa nojenta... Se quiser, venha aqui e me impeça! – disse ele dando outro golpe, dessa vez em uma das janelas, que já estavam quase que completamente quebradas.

Levantou o machado outra vez, mas levou uma forte pancada nas costas, derrubando-o ao chão. A ferramenta caiu também e escorregou pelo solo indo parar em um canto da sala. Levantou-se com esforço, gemendo de dor e olhou para trás. Ali estava um homem, com uma camisa e calça sociais, igualmente surradas e manchadas de sangue. Volveu os olhos na direção do rosto do homem. Estava coberto de um saco de pano, manchado de sangue, numa cor parecida com borra de café. Estava rasgado em algumas partes e deixava à mostra alguns vermes que devoravam a face do monstro.

— Não! – gritou Samuel arrastando-se ao chão. Afastou-se um pouco, mas levou outro golpe. Escorou-se na parede e olhou na direção do machado, ele não estava mais lá. Correu na direção da saída, mas a criatura apareceu em frente à porta com o machado nas mãos. Vinha caminhando lentamente em sua direção, como um zumbi.

— Vá de retro! – disse Samuel, sem eficácia. Correu para outro cômodo, mas o homem, mesmo caminhando a passos curtos alcançou-o. Deu-lhe um golpe de machado em uma das pernas, não lhe arrancando o membro, mas deixando este esfacelado, e seu sangue esguichava como uma bica d’água. O homem gritava e gemia, mas a criatura não se importava. Na verdade, parecia não ter nenhuma espécie de sentimento. Apenas instintos sanguinários. O sangue e os gritos de Samuel pareciam entorpecer-lhe. Tinha sede e ia saciar-se com a presa que havia caído em sua teia.

— Não! Pare com isso! – disse ele se arrastando, mas Jonas o puxou pela outra perna. Samuel ficou olhando-o por alguns instantes calado e ofegante. – Por favor! Não... – suplicou-lhe. A criatura parecia não lhe ouvir e com uma força descomunal deu mais três golpes no homem, abrindo o peito e a cabeça ao meio, como em uma carcaça de qualquer animal.

O sangue ainda quente escorria criando uma enorme poça que a criatura espalhava com suas pegadas pesadas, enquanto caminhava arrastando o machado, na direção da escuridão.

Samuel não mais gritava, como os outros que foram encontrados nesta casa e na beira dos riachos. Se estivesse vivo teria aprendido uma lição. Não se deve brincar com os mortos...

Panic
Enviado por Panic em 26/05/2011
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