Vaidade mortal
Minha colega de trabalho Kathy não pensou duas vezes. Extremamente vaidosa, sempre foi obsessiva quanto a beleza, a ter um corpo perfeito. Quando se pesou e viu que tinha engordado alguns quilos, correu ao endocrinologista. Aconselhei a ela que procurasse uma academia, afinal ela não estava gorda, apenas com alguns “pneuzinhos” indesejáveis. Alguns exercícios diários resolveriam seu problema em pouco tempo. Mas ela preferiu ir ao médico. Era mais fácil, mais rápido e não exigia desgaste físico. Como ela mesma disse sorrindo com um gracejo: “tenho preguiçinha”. Apesar de não ser obesa, com apenas cinco quilos acima do seu peso ideal, o médico sem ao menos pedir qualquer exame receitou a tal sibutramina.
Kathy. Uma moça bonita. Linda na verdade. Sempre feliz, de bem com a vida. Uma semana após o inicio do uso do medicamento, Kathy se tornou outra pessoa. Taciturna e sempre mal humorada, em seu rosto nunca mais eu pude notar o esboço de um sorriso. Estava sempre reclamando de tudo, e nada estava bom. Se tornou depressiva, pessimista.
Após um mês de uso do medicamento, Kathy ficou alguns dias sem ir ao trabalho. Quando fui visitá-la em sua casa, estava literalmente um lixo. Totalmente transformada, com uma forte depressão, sem tomar banho há dias, cabelo imundo e despenteado, só fazia chorar. Tentei consolá-la, mas de nada adiantou. Sugeri que procurasse um psicólogo, até indiquei um amigo, mas se negou veementemente. Ao menos uma coisa a satisfazia. Estava emagrecendo. Agora consideravelmente. Nesse mês perdera muito mais do que os míseros cinco quilos dos quais queria se livrar. Pela sua aparência havia perdido no mínimo uns 17 quilos. Seu corpo antes escultural agora era só pele e osso, cheio de pelancas. Mas a idéia de parar com o remédio a aterrorizava. Nessa altura já estava completamente dependente. Fui para casa com o peito oprimido, pois não consegui fazer absolutamente nada para ajuda-la ou dissuadi-la a largar o remédio que eu julgava ser o causador de tudo isso. Para ela, o remédio era seu salvador, não seu algoz.
Hoje faz quarenta e cinco dias que Kathy iniciou o tratamento com sibutramina. Neste momento estou em casa, colocando um vestido preto, sobre meias-calças pretas e calçando sapatos pretos. Preparando-me para ir ao seu enterro. Hoje faz dois dias que Kathy morreu. Na verdade se matou. E de uma maneira que seria inimaginável alguém escolher para tirar a própria vida. Sozinha em seu apartamento jogou álcool no próprio corpo e acendeu um fósforo. Ardeu em chamas até que os vizinhos a socorreram aos berros. Foi levada para o hospital ainda viva, mas com 80% do corpo queimado, as cordas vocais cozinharam, os olhos derreteram, alguns de seus ossos foram carbonizados. No meio da noite na UTI, cega e muda, acordou sozinha e terminou o que havia começado mais cedo. Com os tubos que a mantinham viva, deu voltas no próprio pescoço e se enforcou. A enfermeira de plantão que entrou no quarto alguns minutos depois já a encontrou sem vida. Tinha somente 22 anos.
Será que podemos achar um culpado? Talvez o médico que receitou o remédio? Ou o próprio remédio? A própria Kathy por ter sentido “preguiça” e procurado um meio mais fácil e rápido de perder alguns quilos? Não sei, nem quero saber.
Só sei que este mês não posso atrasar o pagamento da academia. Amanhã, assim que sair do trabalho é para lá que eu vou.