LoBotoMia

Fui o protagonista de uma história inusitada. Sabe-se que não sou louco, porem não sou totalmente certo das ideias, admito. Mas acredito que os fatos que vivenciei foram reais demais, pois pude fatidicamente atesta-las pela dor. Não sei ao certo quando tudo teve inicio, ou quando tudo teve um fim. Pois bem, comecemos este relato antes que minhas ideias e memórias se tornem vagas demais.

Desde muito pequeno soube de que minha família sofria por diversas gerações de enfermidades mentais, que acometiam a todos até o fim de suas vidas. Graças á maldita genética, que nos deixa de herança apenas coisas ruins, fui diagnosticado como esquizofrênico. Deixo claro de tal doença jamais influenciou em meu intelecto, sendo provado por meio de testes que era superior aos demais. Graças a intervenções médicas e remédios metodicamente administrados, tudo estava na mais perfeita ordem, até mesmo os ataques de fúria haviam cessado.

Escolhi como profissão, ser historiador. Nada me fascina mais do que o estudo dos aspectos histórico sociais, que formaram lentamente a nossa humanidade. Eis que durante uma de minhas pesquisas, descobri no interior de São Paulo, a existência de um antigo sanatório há muito tempo desativado, do qual, dizem as lendas, que serviu como palco de experiências terríveis. Decidi então, pesquisar sobre o lugar e redigir uma matéria para o jornal da universidade.

Visitei o sanatório em uma tarde fria de inverno, os portões de ferro retorciam em estruturas enferrujadas em sua fachada. O prédio ao fundo erguia-se imponentemente sem cor em um jardim morto, de árvores secas e ervas daninhas que cresciam em todo lugar, espalhando-se como bactérias. As janelas, ausentes de vidros, assemelhavam-se a órbitas vazias enegrecidas, hostis a qualquer visitante. Em seu interior, a recepção jazia em frangalhos, fios elétricos dependuravam-se como cobras esguias no forro úmido, de onde o mofo negro e o bolor escorriam pelas paredes como lodo negro. Macas, cadeiras de rodas e camas amontoavam-se ao lado dos corredores. Tudo era o reflexo do mais completo abandono, como se alguém em um momento desesperador , houvesse fugido as pressas de um inimigo invisível.

Todos os meus sentidos capturavam aquele abandono, seja pelo olfato, ao inebriar-me com o odor de urina seca, ou o odor de medicamentos no ar, há muito tempo esquecidos. Súbito, ouvi um estranho som, como o bater de asas. Um corvo empoleirava-se em uma viga de madeira nua, fitando-me com aqueles olhos brilhantes de azeviche, grasnava zombeteiro irritantemente. Caminhando entre os seus corredores, avistei muitas salas, das quais as paredes estofadas desabavam em pedaços bolorentos. Vi salas onde aparentemente, eram destinadas a terapias arcaicas, ou até mesmo cirurgias cerebrais. No quanto de uma delas, esquecida, estava um aparelho de eletrochoque, desativada ha muito tempo. Encontrei arquivos de nomes indecifráveis, fotos e diagnósticos variados. Vislumbrando aqueles documentos, pude imaginar a vida terrível a que foram condenados àqueles doentes mentais. Meus devaneios foram interrompidos por um grito terrível, que ecoou como cântico fúnebre nos corredores, fazendo meu corpo inteiro estremecer. Corri em direção ao som, mas parecia ter partido de lugar algum. Afaguei a barba, e despreocupadamente retomei o meu passeio. Eu sei. Um erro, pois devia ter partido daquele lugar imediatamente, como qualquer pessoa normal faria. Mas como considero-me diferente dos outros, engoli o meu medo, que ficou borboletando em minhas estranhas e voltei a caminhar. Foi então que minha atenção foi absorvida por uma imagem peculiar. Em uma sala fechada, uma luz fraca e pálida bruxuleava em seu interior, mesmo ciente de que não havia eletricidade alguma. Observei com apreensão, e contrariando toda a vontade de meu corpo, caminhei para observar melhor aquele fenômeno. Saiba que sou um homem que tem como convicção que o que existe é apenas o real e não o dito sobrenatural. Quis apenas me certificar de que meus olhos não estavam a me pregar uma maldosa peça. Chegando lá, aparentemente nada havia, até que duas mãos e um rosto maléfico se formaram como vapor no vidro. Assustado, corri pelas escadas, sem poder tirar os olhos daquela horrenda figura que se formava. Meus infelizes pés não me obedeciam, sendo assim em desespero meu corpo se precipitou a rolar pelas escadas abaixo. E eu fiquei vergonhosamente inconsciente.

Despertei daquele terrível pesadelo. Ainda atordoado pela queda, tentei levar as mãos ao latejar de minhas temporãs, mas as minhas mãos estavam atadas a tiras de couro. A minha frente um médico com a inegável aparência de um louco, me observava, com aqueles olhos sisudos de sobrancelhas espessas e despenteadas.

- Eu lhe avisei... Suas alucinações chegaram ao limite, teremos de optar por um tratamento mais efetivo - Segurava nas mãos um pequeno martelo e um picador de gelo.

- Ei... Espera ai, o que você vai fazer com isso? – perguntei eu, sem resposta.

Uma enfermeira de lábios vermelhos segurou uma de minhas pálpebras, mantendo minha cabeça firme entre as suas mãos. O maldito posicionou o picador de gelo, em uma região atrás de meu globo ocular e começou a bater, até que aquele metal fino fosse introduzido por completo em meu crânio. Gritei ao máximo daquilo que meus pulmões permitiam, e a dor, fora algo indescritivelmente excruciante. Quando tudo terminou, fui reduzido a um nada, apenas tentava absorver as sensações que me haviam sido infringidas. Já em minha cela, ou quarto como queira nomear. Fiquei por horas deitado em posição fetal a fitar o vazio branco do teto. Dois enfermeiros de rostos pálidos passavam por ali, ouvi os passos se aproximando lentamente. E em suas vozes, palavras de escárnio.

- Sabe esse ai? – apontando em minha direção – Pensa que é professor em uma universidade, outro dia estava a encenar uma invasão sei lá do que para os outros pacientes, esse não tinha jeito, era até violento...

- Pobre diabo, não! – limitou-se em sua expressão penosa – Como um ser humano se reduz a isso?...

- Não sei meu amigo, não sei... – concordou o outro e ambos desapareceram de minha visão, caminhando pelo corredor, até que seus passos não pudessem mais ser ouvidos.

E eu permaneci no abandono de meus pensamentos, dizendo a minha consciência que tudo aquilo não era real, dizendo a mim mesmo que eu não era um louco, como as vozes diziam... Sussurrantes no vazio de minhas ideias..

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Obrigado.

Para saber;

Lobotomia; intervenção cirúrgica cerebral, que consiste em cortar ligações do lobo central, foi utilizada no passado em casos graves de doenças mentais como esquizofrenia. É uma prática que foi proibida devido aos efeitos colaterais severos, e mortes causadas por hemorragia cerebral.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 19/05/2011
Reeditado em 23/05/2011
Código do texto: T2981003
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