A Bruxa Velha
Eduardo era carteiro há pouco tempo. Passou no concurso concorrido e estava arrependido, entristecia-se mais ainda com os lugares bizarros, feios, sujos, fétidos e sinistro que precisava frequentar. Estudou tanto para acabar subindo nos morros decadentes, ás vezes tinha medo de morrer eletrecutado com aqueles emaranhados de fios de gato net. E era mal remunerado. Tinha que lidar com pessoas mal educadas, cachorros bravos e tempo adverso.
Odiava um lugar especial: O Morro da Macumba. O nome dava calafrios e era uma favela horrível mesmo. A pessoa que mais recebia cartas era a Senhora Astrogilda Mendes, uma anciã de nariz grande e pontudo, boca torta, dente podre e amarelado, pintas no queixo que cresciam grossos pêlos pretos, o rosto marcado por rugas e cicatrizes, sem dúvida uma visão do inferno. O corpo era rechonchudo sempre coberto por vestes pretas e tinha uma corcunda imensa nas costas, parecia uma bola de futebol emperrada. A voz era pavorosa, soava como uma música desafinada e irritante. Tudo nela era feio. Eduardo lembrou-se da primeira vez que a viu, teve um arrepio e medo. Quando passava no endereço da bruxa velha, sempre torcia para ela não estar lá. Não queria estragar o seu dia.
A bruxa velha intuindo seus pensamentos, o esperava sempre com um sorriso forçado e diabólico na face, ele sentia tão enojado de vê-la que só alimentava-se quando saía daquele buraco. A rotina foi essa por dois meses, até a velha esperá-lo com salgadinhos, que ele a princípio recusou-se a aceitar, mas ouví-la falar causava tanta repulsa que comia a contra gosto, mas admitia a sí mesmo que eram deliciosos.
Um dia, ela o convidou a entrar:
-Entre, Eduardo
Ele tremendo, recusava-se, mas a velha tinha algo de hipnótico que ele aceitou.
-Licença.
Eduardo chocou-se, a casa da bruxa velha era a mais limpa e aconchegante que conheceu. Então por quê ela era tão feia e mal arrumada?
-Não imaginava que a casa da senhora fosse assim, tão bonita!
-Ora, garoto, você achava que minha casa fosse horrível que nem a minha carcaça velha e pavorosa?
Eduardo muito sem graça e com repulsa, tentou disfarçar.
-Não, Astrogilda.
-Por favor me chame só de Gilda.
-Pois não.
-Eu moro aqui há muitos anos, essa casa foi de meus pais devo lhe dizer há séculos atrás. (risinhos)
-A Senhora tem quantos anos?
-Meu menino já tenho uns 295 anos.
Ele riu, pensou: "Que velha tosca"
-Qual o motivo da senhora receber tantas cartas?
-Eu tento ajudar as pessoas, sou uma conselheira sentimental.
-Sei...pensou:(bruxa mentirosa)
-Vamos tomar um chá com bolo?
-Obrigado
Ela serviu o chá com bolo e comeram satisfeitos. Despediram-se. Eduardo voltou para casa sem acreditar muito no que havia ocorrido. A bruxa velha só era horrível, percebeu que era aparentemente "bondosa" e que tinha posses. Daria um jeito de roubá-la e quem sabe matá-la, estava com o pé na cova, só daria um empurrãozinho. Ao passar seis meses ele já era assíduo frequentador da casa de Gilda, furtando seu dinheiro e suas jóias, quando ela não estava por perto. Com o dinheiro roubado que foi uma quantia alta, ele comprou um carro zero e vários produtos eletrônicos, fora o dinheiro que gastava nos motéis. Tornou-se cada dia mais ambicioso e arrogante, agradeceu o dia que conheceu a burra da bruxa velha. Ela satisfazia todas as suas vontades, o tratava como um neto, era carente. Parecia nem desconfiar do desfalque em seus cofres. Ele passou a tramar a morte da infeliz. Chegou a conclusão que iria matá-la com uma queda, o que inocentaria de qualquer culpa, permitindo roubar todos os seus bens. Ficaria riquíssimo, pois descobriu onde a velha escondia o cofre mais valioso e havia muito dinheiro.
Na semana seguinte, ele foi procurá-la disfarçando sua aparente alegria para executar seu plano. Finalmente não teria mais que frequentar a casa da velha nojenta.
-Gilda,
-Oi, meu menino, semana que vem estarei de partida.
-Como?
-Isso, vou me mudar para o interior
-Mas a senhora nunca viajou!
-Dessa vez preciso
Eduardo pensou " Agora é a hora de matá-la e ficarei com tudo"
-Tenho um presente, já volto.
-Tudo bem
Eduardo percebeu que ela demorava e quando olhou para cima deparou-se com uma bela mulher.
-Quem é você?
-Eu sou a Gilda, Eduardo
-Como assim? A Gilda que eu conheço é velha!
-Sou uma feitiçeira de terras muito distantes. Fico em uma moradia fixa até cumprir minha missão.
-Você acha que sou idiota, moça? apesar de bela, não venha com esse papo fantasioso.
Ele estava com medo, achando que a velha descobriu suas intenções e havia mandando a neta para falar com ele. Daria um jeito de tirá-la do caminho.
Ela aproximou-se dele e pegou o seu rosto e o beijou na boca, estava nua e ele atônito. Confuso, achou que pegar a neta da velha para depois executar seu plano seria irrecusável, como ela era bondosa, pensou, acabou cedendo aos encantos da moça e os dois tiveram uma longa noite de prazer. Eduardo exausto, achou que aquele foi o melhor sexo de sua vida e caiu no sono, esquecendo-se que foi até ali para dar um fim a velha.
Quando ele acordou já era 10:00h do dia seguinte, ele abobado e envergonhado, procurou em vão por ela. Onde estaria a neta gostosinha da velha? Encontrou um papel escrito " Nunca se deixe levar pela beleza e os beijos doces de uma feitiçeira pois o fim é trágico". Caiu o papel de suas mãos, o que será que ela quis dizer com aquilo? assustou-se. Pensou: será que tinha dormido com a velha? e ela era uma jovem feitiçeira? será que tinha 295 anos mesmo? suas mãos tremiam, nunca mais voltaria naquele lugar, só queria tomar um banho.
Pegou uma toalha e ligou o chuveiro, a água estava quente porque o tempo era frio, quando ensaboava seu corpo percebeu que pequenas bolhas formavam-se, teve pavor. Desligou a ducha, secou-se, gritou de dor. As bolhas emergiam e estouravam dolorosamente deixando sua pele coberta de um pûs nojento e mal cheiroso. Não conseguiu mais tocar em sua pele, dóia muito. Passou a língua nos dentes e percebeu que estavam moles, abriu a boca e eles voaram para fora, agachou-se no chão e tentou juntá-los, chorou com a cena. Tentou dar um passo, mas sentia suas juntas fracas e envelhecidas, alguns minutos depois, sua pele murchou, tornou-se flácida. Os cabelos caíram todos e seu membro virou um monte de pele repuxada e inválido. Olhou-se no espelho, tornou-se um velho horrível, quando gritou, emagrecia mais e mais até ficar só pele e osso. Os olhos esbugalhados, a aparência cadáverica e em um piscar de olhos, só restou seus ossos caídos no chão do quarto, da bruxa velha.
Ela havia assistido a cena com deleite, juntou os ossos e levou até o sotão, abriu uma passagem que dava para uma sala sombria e escura onde estavam pilhados vários esqueletos humanos. Colocou de Eduardo em um cantinho, mais um para a sua coleção de caveiras. Trancou a sua sala e foi dormir extasiada com o dever cumprido.