Vultos da Noite (Final)

Agora mais perto, a sombra confundia-se com o negrume da noite, e de entre os carvalhos que procediam o pátio do Albergue, a sombra, como provinda das trevas, rompeu em direcção à taberna, onde todos se mantinham num grande divertimento nocturno – “A sombra ia levar alguém”. – Premeditou. Podia ser a Dona Júlia, que ela tanto amava. E naquele momento recordou-se das palavras do jovem Gabriel, quando lhe explicou o motivo das suas visões: “Acho que podes salvar as pessoas, antes delas morrerem. Afinal, tu vês a morte a aproximar-se!...já imaginás-te que pode ser, essa a tua missão na terra?” Não podia hesitar. Teria de descer e ir salvar a mulher que a ajudou, quando todos lhe viraram as costas. Sem se deter, Virgínia desceu as escadas numa correria intensa, e ao acercar-se da porta que precedia a taberna, apenas se lembrou de gritar pela dona Júlia, suplicando-lhe para que ela fugisse dali, o mais rápido possível. Sem perceber o porquê daquela exaltação repentina, a Dona Júlia saiu da taberna e veio ao encontro de Virgínia. - Fuja, Dona Júlia!...Fujam todos, por favor, porque vem de lá algo muito mau!... – Bradou Virgínia, com o rosto rubro de pavor. E sem detença, a mulher começou a afastar-se, com a face nitidamente incrédula. Atónitos, os clientes que permaneciam na taberna, decidiram sair também, e logo ali se gerou o pânico e a confusão. Passados alguns minutos Virgínia notou que ficara sozinha na taberna. “Onde estás?”, inquiriu ela, de si para si.”Quem é que tu procuras?” Continuou a caminhar vagarosamente, ora de costas, ora de frente, como quem procura por algo que está escondido. Repentinamente, as luzes da taberna apagaram-se e o local ficou abafado por uma densa escuridão. Virgínia ouviu A Dona Júlia a vociferar algo, lá fora, mas não prestou atenção. Voltou a quedar-se no escuro, esperando por ver algo sinistro, que tanta desgraça tinha trazido à sua vida. Mas não via nada. Apenas uma fraca luz, que se levantou, da zona da cozinha. Olhou melhor e viu que não era uma luz. Era fogo. A cozinha estava a arder. Tentou fugir, mas uma labareda subiu pela parede, que era forrada a cortiça, logo arrebatou toda a taberna, e Virgínia viu-se envolta em chamas. E foi ali, no meio das chamas, que viu um delirante terror, mesmo diante dos seus olhos. A sombra, a sombra maligna estava ali, mesmo à sua frente, e sem qualquer compaixão, ceifou-lhe a alma, arrancando-lhe o espírito para as trevas. Cá fora, a Dona Júlia, e os frequentadores da taberna, apenas viram a prédio em chamas, a abater-se sobre os seus pilares, e a desmoronar-se completamente em direcção ao solo. A agonia invadiu as almas ao assistirem ao lúgubre acontecimento, pois sabiam que a pobre Virgínia tinha lá ficado debaixo para os salvar a todos.