Encosto

Bares. Muitas pessoas acreditam que são ambientes favoráveis para que espíritos maus tomem posse de corpos de pessoas já alteradas pelo álcool e que geralmente as desgraças causadas por bêbados tenham influencia não só da bebida mas também desses espíritos que por ali ficam e "encostam" nos frequentadores.

Mas isso são teorias, nada confirmado.

E Maria acreditava nisso piamente, talvez porque com o passar do tempo ela tenha convivido com esse tipo de coisa, pois Cláudio, o marido era pessoa exemplar, ótimo marido, pessoa trabalhadora, carinhoso e atencioso.

Esse era o Cláudio durante a semana, mas na sexta feira tinha por costume após o trabalho, parar em um boteco com amigos do trabalho.

Maria nunca reclamou disso, pois achava que era uma distração merecida após uma semana de trabalho duro.

Porém de uns meses para cá, Maria notou algo estranho, toda vez que Cláudio para no tal boteco, chegava em casa estranho.

Não bêbado, pois nunca foi de beber muito. Chegava sóbrio porém alterado.

Ele não olhava diretamente para ela, era agressivo, não conversava com os filhos como fazia normalmente.

Se ela perguntasse algo, respondia brutamente.

E isso estava piorando.

Mas no sábado ele acordava normal. E a semana transcorria como sempre.

E chegava a sexta e Maria já sabia como seria.

Cláudio começou a chegar cada vez mais tarde em casa toda sexta feira.

E no sábado começou a ir para o boteco,

Maria preocupada, procurou uma "benzedeira" que pudesse ajudá-la.

Encosto. A "benzedeira" foi taxativa. Seu marido pegou um encosto no boteco.

Maria ficou assustada e com medo.

A "benzedeira" deu a ela um rosário e disse que ela deveria recebe-lo segurando-o toda sexta feira quando ele chegasse do boteco.

Foi o que ela fez. Naquela sexta feira, quando Cláudio chegou, ela o esperou no portão segurando o rosário, mas sem que ele notasse.

Para surpresa e desespero de Maria. Cláudio relutou em entrar, parecia estar com medo.

Mas na mesma hora ele se transformou, se tornando agressivo e perguntando com uma voz estranha o que ela tinha nas mãos.

Assustada ela deixou o rosário cair no chão, Cláudio a agarra pelo braço e a arrasta para dentro da casa.

Ela tenta reagir mas Cláudio é mais forte e a espanca, ela não o reconhece nesse momento, sua fisionomia se transforma, sua voz está alterada.

Ele avança sobre ela, dessa vez ela corre, apesar de ferida.

Entra na cozinha. Pega uma faca.

Cláudio entra e fica parado na porta da cozinha olhando para ela.

Maria desesperada e trêmula, grita para que ele se afaste.

Cláudio olha para ela, com olhos de dor, de medo, de piedade, mas isso só por alguns segundos.

Maria nota então um vulto, uma sombra, uma névoa entrando na cozinha e tomando posse do corpo de Cláudio que novamente se transforma e parte para cima dela.

Ela se defende, Cláudio se desequilibra e tomaba sobra pia.

Quando Cláudio se vira e olha para Maria, o desespero toma conta dela.

Cláudio está com olhos vermelhos, seu rosto desfigurado. Ela pode ver ódio no olhar dele. Ele pega uma faca.

E Maria não pensa duas vezes. Vai pra cima dele.

Uma, duas, três....perde a conta de quantas vezes enterrou a faca em Cláudio, o homem tão bom que ela amava.

Agora ali morto, inerte e ela com seu sangue nas mãos.

Ela se afasta, com a respiração ofegante.

O que ela vê a deixa ainda mais assustada e com medo.

Uma névoa saindo pela boca de Cláudio e circulando pela cozinha, como se procurasse outro corpo para se alojar.

Maria fica imóvel e vê aquilo se aproximando dela.

Ela sabe que não pode fazer nada contra isso.

Vai se agachando e começando a chorar.

Fica ali encolhida até sentir que está sendo possuída por algo.

O encosto. Ela agora é a hospedeira.

Deixa o corpo de Cláudio ali sobre a pia.

Deixa ali sua vida.

E Maria vai lentamente caminhando pelas ruas escuras.

Para onde vai Maria??

Para o boteco.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 13/05/2011
Reeditado em 14/05/2011
Código do texto: T2967329
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