Macabra Realidade (parte II)

Em sua cela, calada e chocada, Fátima ainda sente o gosto do seu amado Matias, do vômito por ele provocado, mas desejando que não o tivesse feito, já desejava que ele tivesse sido digerido e se tornasse parte de seu corpo.

Separada das outras detentas Fátima se tornou “a comedora”, uma espécie de duplo sentido da sua condição de amante e canibal.

Os carcereiros mexiam sempre com ela:

- Tenho um bom pedaço de carne para você aqui sua cadela.

E riam desgraçadamente de sua desgraça. A porta da cela abre e Fátima é conduzida à presença do investigador:

- Bem queridinha, acho que hoje a madame vai querer falar alguma coisa?

Sem resposta o investigador tenta outra abordagem:

- Quer um cigarro?

E estica o maço de cigarros para ela que o pega e retira um cigarro, com as algemas deixando suas mãos postas ela gesticula com o cigarro pedindo fogo, pedido que prontamente é atendido pelo investigador.

- Pronto, agora você relaxou e pode me contar que porra houve naquela merda de casebre?

- Não consigo falar.

- Você sabia que estão querendo te trancar em um asilo de loucos e jogar a chave fora? Você vai passar o resto da vida naquela merda, chapada, suja e sendo fudida por todo tipo de escória que trabalha lá, ainda mais você assim, com fama de puta, jeitosinha.

Fátima olhava tudo que ele dizia com ávido desespero, mas ainda não conseguia desfazer o gosto na boca e portanto não queria falar, não sabia se queria dispersar ou manter o gosto na boca do seu amado.

- Ei!!! Você ta me ouvindo sua vadia? To falando contigo porra!

Berrou dando um soco na mesa

- Sim, eu estou te ouvindo.

- Agora sim, você consegue responder perguntas não é? Me diz agora o que houve naquela porra de casa? O teu puto ia te deixar e você surtou, matou o desgraçado e fez picadinho com ele, foi isso?

- Não, não foi.

- Pois bem isso está no meu relatório, se não é isso me conta sua piranha, conta o que foi que houve, estou só querendo ajudar.

- Se me chamar de piranha mais uma vez eu vou...

- Vai fazer o quê? Chorar? Hilário isso, você era puta mesmo do encarregado que eu sei. Deixa de pudores vazios e fala logo – o investigador a olhava com desejo e desprezo, isso a incomodava, mas por fim ela resolveu falar.

- Meu marido fez isso, ele me bateu, desmaiei e acordei na casa com fome, comi a comida e depois vi que era o Matias morto, pelos restos mortais na geladeira.

- Mas tu és muito safada mesmo não é mulher? Põe chifre no pobre coitado e ainda quer mandar ele para a cadeia, na hora do crime ele estava no bar ao lado da sua casa jogando truco.

- Mas como isso, eles devem estar acobertando o safado, da uma pisa neles.

- E desde quando vadias como você me ensinam como fazer meu trabalho, some daqui sua vaca. Carcereiro, já acabei - foi saindo mas antes disso pigarreou e cuspiu nos pé de Fátima.

Levada aos empurrões para sua cela, o carcereiro ainda disse:

- Se lascou Comedora, o pessoal do pinel vai vir te pegar para uns exames na cabeça.

- Quando?

- Hoje, tão dizendo que você é muito doidona para ficar aqui, viu já que você é chegada te dou duas carteiras de cigarros por um favorzinho que você me faça de joelhos.

- Vai à merda seu filho da puta, some daqui.

- Ta ofendidinha né, quero ver você se ofender com os caras te chapando para fazer o que quiserem com esse corpinho.

Essas palavras fizeram a alma de Fátima gelar, certamente nunca acreditariam que Paulo era o arquiteto do crime, nem investigaram e certamente nem investigariam, era mais fácil ter uma amante canibal que um corno psicopata. Precisava fugir e provar sua inocência, precisava achar um jeito de fugir na transferência para o hospital psiquiátrico, o desespero tomou conte dela, por fim ela conseguiu esquecer tudo aquilo e dormir um pouco.

Mas o pouco parece muito quando nada temos e Fátima teve seus sonhos invadidos por uma realidade que preferia esquecer, sonhou com seus pais, com suas irmãs, todas chorando e ela pendurada em uma forca.

- Acorda Comedora.

De sobressalto pulou do duro colchão, se aliviando por ser apenas um sonho ruim, embora e realidade não fosse muito alentadora, em sua frente estavam parados os carcereiros e dois homens de branco com uma camisa de força nas mãos.

- Não precisa disso, não sou maluca.

- Não, não é, eu que sou, eu que almocei meu menino no jantar ontem - disse um deles rindo com franco deboche.

Sem que esperasse foi agarrada, para ser algemada, mas teve uma idéia.

- Carcereiro eu quero as duas carteiras de cigarros.

Nisso o alferes sorriu maliciosamente e ordenou que os dois parassem e disse:

- Esperem lá fora eu saio com ela algemada, tenho negócios a resolver com ela, quem sabe arrumo uns negócios para vocês também depois.

- Esses caras da cana são podres mesmo, nem doida perdoam.

- Então comedora, o que vai ser?

- Primeiro os cigarros.

- Tem que confiar, ninguém da cano em presa.

Ela se ajoelhou de frente ao carcereiro que tirou sua arma e a colocou na porta da cela com o coldre. Abriu a braguilha da calça do homem, quando o notou de olhos fechados, ela se arremessou em direção à arma derrubando-o no chão.

Engatilhou a arma e disse:

- Fica no chão filha da puta.

- Calma, calma, você não quer fazer isso, larga essa merda você vai se ferrar ainda mais.

- Mais! Estou sendo acusada de matar e devorar meu amante, minha família nem apareceu me visitar e muito menos um advogado pago por eles, você acha mesmo que posso me ferrar mais? Olha aqui seu desgraçado eu não tenho mais nada a perder.

- Como você acha que isso vai acabar?

- Eu sei como isso vai acabar quem não sabe é você, desgraçado estuprador de mulheres.

Bateu forte com a coronha na cabeça do guarda que desmaiou, pegou as chaves, abriu as celas todas do primeiro andar e gritou:

- Rebelião!!!

(continua...)

lordbyron
Enviado por lordbyron em 12/05/2011
Código do texto: T2965423
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