A CABEÇA NA GELADEIRA

Autor: Jorge Gibbon

Tudo começou quando abri a geladeira e encontrei a cabeça da minha mulher em uma bandeja de inox, me olhando e sorrindo de forma estranha. Fechei a porta rapidamente, mas a sede era grande e instantes depois tornei a abri-la. A cabeça havia sumido, ufa ! Peguei a jarra, enchi o copo com água gelada e bebi de um gole só, ou quase. Engasguei no final, havia algo sólido, cuspi, não sem dar uma dentada antes. Era um olho, ligeiramente mordido, soltava um líquido esbranquiçado pelo buraco da mordida, o olho agonizava. Soltei um grito de pavor, joguei o copo no chão e o olho saiu pulando, meu cachorro o pegou. Tentei tirá-lo, mas o cão já mastigava, provocando um ruído que só os olhos sabem provocar, quando mastigados. Meu cão voltou pra cama, satisfeito e bem alimentado. Mas eu ainda estava com sede, e embora tivesse receio de abrir a geladeira criei coragem e abri a porta. A cabeça não estava mais lá na bandeja de inox, agora estava dentro da jarra de água. Meti a mão na jarra, puxei-a pelos cabelos e a joguei na pia. Enchi o copo até a borda e bebi de um gole só. Ou quase, pois engasguei com uma orelha que eu não havia notado que estava lá. Cuspi a orelha, mas ela nem tocou o solo, pois meu cachorro apareceu na hora, pegou-a no ar e comeu. Em seguida, o cão foi dormir, mas eu não. Ainda estava com muita sede, resolvi pegar água direto da torneira mesmo, e de quebra ia aproveitar pra tirar a cabeça da pia e devolver pra geladeira. Abri a torneira, mas em vez de água jorrou um líquido vermelho. Pensei que era sangue, mas ao provar percebi que era vinho. De péssima qualidade, mas vinho. Tomei dois copos de dois goles só. Procurei a cabeça, mas ela havia sumido. Aproveitei e reabasteci o copo por mais algumas vezes, e tomei sempre de um gole só, para ganhar tempo. Depois, abri a geladeira em busca da cabeça mas não a encontrei, achei apenas o meu cachorro que dormia enrodilhado em uma das prateleiras. Provavelmente havia comido a cabeça. Abri novamente a torneira e o líquido jorrou novamente, vinho da pior qualidade, mas era vinho, e com bom teor alcoólico. Bebi vários copos de um gole só pra economizar tempo, e pra garantir o vinho antes que a torneira voltasse a jorrar água. Então a cabeça voltou.

A cabeça me olhava séria, e desta vez havia um corpo embaixo dela. Igual ao da minha mulher, aliás a cabeça também era igual a dela. Foi então que eu percebi que aquele conjunto desarmônico de corpo e cabeça era a minha mulher, e não parecia nada amistosa. Eu estava deitado em um colchão duro e sentia algo quente em minha bochecha. Era meu cão que me lambia e eu estava deitado no piso da cozinha. Ao meu lado, vazio, jazia um garrafão de vinho incriminador, de marca inesquecível: “Cabeça de Cabra, feito de Pura Uva !”