Substituta de Lúcifer

Continuação de “Sequestrado pelas trevas”.

Faby Crystall voou janela adentro na casa de Mauro Alves. Estava com um péssimo pressentimento a respeito de seu Pituco. Não se importou em esconder a sua verdadeira natureza. Sabia que ele não estava em casa. O quarto vazio e o computador em estado de espera apenas reforçou isso. Mas aonde ele teria ido? E por que não apareceu para se encontrar com ela?

Havia um cheiro do ar. Um cheiro que ela conhecia muito bem.

Enxofre.

Algo muito ruim aconteceu ao seu Pituco e só de pensar nisso, Faby sentiu uma fúria assassina crescer dentro de si. Seria capaz de moer o crânio de um, sem dó nem piedade. Sem nem sentir remorso depois.

Reiniciou o Windows, pretendia xeretar no computador de Mauro e descobrir o que ele andava fazendo antes de sumir. Se é que andara fazendo algo. O pobrezinho vivia sem trabalho.

Havia um arquivo minimizado na barra de tarefas. Entre parênteses estava a palavra “recuperado”. Faby restaurou o arquivo e ficou boquiaberta ao descobrir do que se tratava.

Não! Não! NÃO!

Havia uma aura negra emanando da cadeira onde Mauro estivera sentado, lendo aquela droga de Bíblia do Inferno. Faby Crystall fê-la voar pelo quarto num movimento rápido, o móvel foi se espatifar junto à parede, arrancando uma porção de lascas dela.

- Não, meu Pituco, me diga que você não leu isso!

Seus olhos começaram a verter lágrimas de sangue. Coitadinho, ele nem ao menos sabia que vivia cercado de coisas inexplicáveis. Fora cair numa armadilha e agora só Deus sabia o que estava lhe acontecendo.

Encarou o monitor, olhos vermelhos de ódio.

Uma vez no Inferno parecia não ter sido o bastante para Andhromeda. Ela não aprendera a sua lição. Faby Crystall não iria lhe dar outra chance. Dessa vez, não iria mandá-la, simplesmente, aos cuidados de Lúcifer. Iria transformá-la em pó antes.

Mauro Alves despertou em uma cama que não era a sua, em um quarto que não era o seu e sentindo um terror que jamais sentira antes.

Ele havia virada fumaça, em seu quarto, depois de ler um trecho da Bíblia do Inferno.

- Não acredito...

Mas era verdade. Não havia outra explicação para o que acontecera.

O sobrenatural existia ao seu redor. Seus olhos é que nunca se deram conta disso antes.

- Onde estou? – perguntou, para o quarto vazio, de pouca mobília, coberto de poeira – Onde estou?

Levantou-se e foi até a única porta. Estava trancada. Começou a ficar nervoso. Estava preso ali.

Andhromeda. Era ela quem estava por trás disso?

Começou a socar a porta e bradar por liberdade, sem saber ao certo se alguém poderia ouvi-lo. Ele podia muito bem ter sido abduzido e logo depois abandonado naquele cativeiro, sozinho.

- Ei! Andhromeda, seja você quem for, me deixe SAIR!

Nenhuma resposta. Nenhuma voz em seu socorro.

- ME DEIXE SAIR, DROGA!

Um uivo, alto e agudo, fê-lo congelar-se. Seu coração pareceu comprimir-se na caixa torácica como um cubo de gelo. Nenhum sangue parecia correr por suas veias, bem poderia estar morto ali em pé.

Outros uivos seguiram-se ao primeiro, ameaçando-o. Oferecendo-lhe a morte entre dentes dilacerantes.

- Lobisomens – disse Mauro, a si mesmo.

- Quem está lá em cima?- perguntou João, cauteloso – Você está mantendo um prisioneiro aqui?

- Pode-se dizer que sim, seu João. Mas há uma boa razão para isso.

Andhromeda havia convidado-o para jantar. Eram quase duas da manhã e ele recusara, polidamente, o convite. Estavam numa sala de estar muito ampla. Na realidade, era impossível haver uma casa que fosse tão grande assim por dentro. A casa negra era muito bem iluminada por lâmpadas fluorescentes. Móveis antigos, algo puídos e góticos, estavam dispostos ao redor, como criaturas de uma época que João jamais conheceria a fundo.

- Esteve mesmo no Inferno? – perguntou, puxando conversa. Havia uma porção de sons horríveis ecoando pela casa, vindo de cômodos que ele esperava nunca chegar a conhecer – De verdade?

- Sim – respondeu Andhromeda, roendo uma unha, sentada numa enorme cadeira de mogno, forrada com veludo vermelho. – Foram férias horríveis e impostas a mim por Faby Crystall. Foi a maior sujeira que ela me fez, sabia? Tudo por mais alguns anos aqui.

- Com assim? Explique melhor.

A garota parou de roer a unha, mas João gostaria que ela tivesse continuado. Dessa forma aqueles olhos maléficos não estariam voltados em sua direção.

- Simples. Faby vendeu a própria alma ao Diabo ao se converter ao vampirismo, há muito tempo atrás. Quando chegou o dia em que o Diabo veio carregá-la ao Inferno, ela fez um acordo com ele.

- Qual acordo?

- Eu.

- Hein?

- Seu João, o Inferno é composto por vários círculos, certo? Então, cada círculo tem um guardião, sendo o círculo mais profundo protegido pelo próprio Lúcifer. Lúcifer quer sair do Abismo. Mas não pode deixar o Inferno. Ele é o comandante lá. Lúcifer precisa que uma alma cuide do Inferno para ele, que impeça que o caos se instale no Submundo e Deus acabe trazendo o Apocalipse. Lúcifer quer férias de dez mil anos, ou mais. Mas sabe que sem um substituto, férias estão fora de cogitação.

- Você foi escolhida para substituir Lúcifer no Inferno?

- Não fale como se isso fosse uma honra, seu João. O Inferno é o Inferno e ninguém quer ir para lá. O lugar é muito quente e abafado, a música de fundo é horrível e a comida salgada demais.

- Mas como você conseguiu fugir de lá?

Andhromeda riu, como se João fosse um garotinho que não prestava atenção ao que a professora dizia.

- Ora essa, estando o Inferno cheio de corruptos, tudo o que fiz foi subornar uma alma, ué?

-Quem?

- O senhor deve ter reparado no meu motorista. Viu que ele está quase caindo aos pedaços?

- Sim, ele é um morto-vivo?

- Exato, seu João.

- Você o resgatou do Inferno, então? Em troca da sua liberdade?

Andhromeda riu, moleca:

- Mais ou menos, seu João. Ele queria voltar do túmulo, foi isso o que fiz por ele. Só que, uma vez no Inferno, é impossível a alma da pessoa ser trazida de volta... bem, as vezes, é possível, sim, mas... porque eu ajudaria um promotor corrupto, diga-me?

- Tem razão. Mas como você recuperou a sua alma?

João estava absorto em tudo o que ouvia, uma curiosidade tremenda crescia em seu interior, coisa que ele carregava consigo desde criança. Ele queria saber de tudo o que essa estranha criatura em forma de gente estivesse disposta a lhe contar.

- Seu João, escapei do Inferno porque meu corpo e minha alma jamais se separaram enquanto estive lá. Faby Crystall foi tola em me levar ao Inferno com vida, entende?

- Sim. Mas você pode morrer? Você... você não é imortal?

Ela riu e por um instante ficou em silêncio. Pensativa.

De algum lugar, veio um grito de agonia, assexuado. João sentiu o estômago se contrair em uma convulsão. Que tipo de lugar era esse? Tão cheio de maldades?

- Seu João – disse Andhromeda, arrancando-o de seus pensamentos -, acho melhor o senhor não fazer mais perguntas. E, a partir deste momento, peço que não se intrometa no que vou fazer. É para o seu bem que estou lhe pedindo isso. Estamos combinados?

- Sim.

Lá fora, uma sucessão de sons guturais se iniciou. Os lobisomens estavam se transformando. A vampira Faby Crystall rondava a casa negra, Andhromeda podia ouvir suas ameaças de morte dentro da cabeça, iguais ao crocitar de um corvo dentro de um cemitério.

Prossegue em “A Morte”

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 08/05/2011
Código do texto: T2956556
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