Incidente na rua dos Alfaiates

É no mínimo bizarro e incompreensível o caso que passo a narrar agora, talvez um dos mais estranhos que já chegou aos meus curiosos ouvidos. Embora no texto que segue eu apresente um relato sistemático e conciso, tomei nota desse caso a partir de várias pessoas que testemunharam de alguma forma o ocorrido. Nem a polícia nem os médicos souberam dizer ao certo o que ocorreu com o pobre senhor Emílio, uso um nome falso para preservar a identidade da vítima.

Tudo começou com um grito na noite, um grito de desespero e horror, assim descreveram todas as testemunhas que me deram depoimentos. Já passava das onze horas da noite, muitos vizinhos, assustados, optaram por não se exporem ao que quer que seja que estivesse ocorrendo na velha Rua dos Alfaiates. Alguns olharam pela janela, receosos, a curiosidade falou mais alto, e o que puderam ver foi o senhor Emílio correndo pela rua como um louco. Ele olhava para trás como se estivesse medindo a distância entre ele e um possível perseguidor, mas não havia mais ninguém, ele corria só pela rua deserta.

Ele gritava desesperado pedindo ajuda, vez ou outro tropeçava e caía, levantava-se rapidamente e continuava correndo. Ao verem aquela cena estranha alguns vizinhos começaram a sair de casa, um deles ligou para a polícia, como me foi relatado pela senhora “M” que preferiu não se identificar.

O assustado homem percorreu aquela longa rua perseguido por seu algoz, invisível aos olhos de todos, e em seu desespero não notou que corria em direção à ponta da rua que não tinha saída. A rua dos Alfaiates terminava no muro da casa do senhor “P”, que também desejou permanecer anônimo. Quando Emilio chegou ao muro ele apenas escorou, pressionando seu corpo contra ele como que se, em seu delirante desespero, pudesse abrir passagem pelo sólido obstáculo.

Ninguém se aproximou os espectadores só olhavam de longe as súplicas do desesperado homem. O senhor “P”, que até então não havia sido alarmado pelo estranho acontecimento, foi despertado de seu sono pelos gritos na frente de sua casa, os gritos eram tão estridentes que não reconheceu a vós de seu vizinho, ficou paralisado de medo. Emílio se arrastou pelo muro até o portão e começou a bater com força nele, como se quisesse botá-lo abaixo, o que assustou ainda mais o dono da residência.

Em meio aos seus gritos de desespero ouviu-se também pedidos de desculpas e palavras de arrependimento. O senhor “P” reproduziu a seguinte fala: “Por favor, me perdoe, eu não quero mais isso! Deixe-me em paz pelo amor de Deus!”. Foram suas ultimas palavras, depois se sentou escorado no portão e ficou olhando para a rua com a face distorcida pela expressão de assombro. Ninguém ousou se aproximar, a polícia chegou pouco tempo depois para constatar que o senhor Emilio estava morto.

Os médicos não souberam precisar a causa da morte, ele simplesmente morrera sem sinais de doença, agressão ou qualquer lesão que possa matar alguém. A notícia que começou a circular era que o senhor Emílio acabou sendo declarado louco, e em seu pavoroso delírio teve um ataque cardíaco. Mas a maioria dos vizinhos passou muitas noites perturbados pelo ocorrido, louco todos sabiam que o falecido não era. Explicações estranhas não deixaram de surgir, contrariando o laudo médico. A esposa do senhor Emílio tinha falecido dois meses atrás, alguns vizinhos cogitaram que ele era o assassino, embora não houvesse nenhuma evidência disso, e ela voltara para se vingar. Outros explicam que nas últimas semanas ele estava recebendo a visita de pessoas estranhas altas horas da noite, sua faxineira diz ter visto livros assustadores em seus guardados, livros relacionado aos mortos, para ela o senhor Emilio teria atraído algum mal através de práticas obscuras.

Ainda hoje a casa é desabitada, crianças testam a coragem mutuamente desafiando seus colegas a entrarem no quintal à noite e olharem pelas grandes janelas. Vizinhos afirmam sentir um terrível calafrio ao passarem em frente à residência. Quanto a mim, visitei a casa à noite, pois tive a intenção de comprá-la, porém não ousei entrar após saber do ocorrido, e juro a vocês que ao observá-la da calçada, contemplando suas amplas vidraças, tive a impressão de ver dois vultos na janela me olhando de volta. Naquele momento, um calafrio percorreu meu corpo e um medo irracional tomou conta de mim, virei as costas temeroso, entrei em meu carro e deixei aquela rua assombrada, por fantasmas ou apenas pelo medo do incompreensível.

Getúlio Costa
Enviado por Getúlio Costa em 27/04/2011
Reeditado em 30/09/2015
Código do texto: T2934337
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.