Proposta macabra

No meu colégio piás e gurias estudavam em salas separadas. Nessa época a cambada de machinhos tinha uma professora chamada M. Quando seu marido viajava – e isso era uma constante, ele representava uma indústria farmacêutica – assistíamos à sua aula de matemática com o coração pulando no peito como cabrito selvagem. M. circulava entre as carteiras escolares e nós respirávamos fundo o seu perfume sutil de alfazema, observávamos seu andar de potranca bravia, poetávamos à visão dos seus cabelos louros cintilando à luz da manhã, delirávamos passeando os olhos pelos seus peitos pequenos e duros, os mamilos escuros fazendo sombra na blusa de cambraia branca – ela tinha precisa noção do efeito de seus seios sobre a garotada, pois desabotoava e prendia às costas o austero guarda-pó de linho que os escondia. À batida da sineta anunciando o término dos estudos, invariavelmente um de nós era retido, ou para apagar a lousa ou para qualquer outra coisa de seu repertório abundante de pretextos. À época eu pensava que M. não tinha um critério definido para suas escolhas, que apontava aleatoriamente um aluno qualquer, mas hoje revendo na memória aqueles dias, tenho certeza que ela selecionava argutamente o garoto que se mostrasse no momento o mais excitado e pronto para desafiar com desdém todos os perigos reais ou imaginários. Deu-se que um dia ela apontou o dedo sujo de giz em minha direção assim que a aula encerrou:
– Hoje é você quem apaga a lousa, G.
Na condição de premiado, suportei com altiva galhardia os olhares rancorosos dos alunos desprezados, recebi um tapinha na cabeça, generoso e despido de inveja, do meu irmão gêmeo e, a sós com M., limpei o quadro-negro e depois recebi a ordem maravilhosa:
– Vá às onze da noite, deixarei a porta da frente encostada.
Meu irmão me esperava no corredor.
– Tudo certo, L. A professora me mandou ir a casa dela logo mais à noite – eu disse. Meu mano me olhava absolutamente fascinado.
– Você tem que caprichar, assim M. me escolhe da próxima vez – afirmou cheio de convicção. Éramos gêmeos idênticos, todas as coisas nos aconteciam duplamente.
– Pode deixar comigo, vou fazer a professorinha nunca mais se esquecer de um homem de verdade – jactei-me. Homem de verdade! Eu tinha treze anos, como a maioria dos alunos, e nunca tivera uma mulher nos braços. Mas meu irmão apoiou-me com vigorosos acenos de cabeça. Eu precisava de autoconfiança, ele sempre estava de prontidão para não deixar a peteca cair.
O dia transcorreu numa aura de magia até as quatro da tarde. Minha avó materna, que morava conosco, me pediu para ajudá-la na arrumação do quarto de despejos, e foi aí que se deu o imprevisto: ao mover uma desconjuntada estante abarrotada de livros embolorados, não percebi um ferro de passar roupa em seu topo, o trambolho veio ao chão e atingiu meu pé esquerdo. Houve fratura, fui levado à clínica hospitalar pela minha mãe e ganhei uma bota de gesso. Com profunda amargura tive que delegar ao meu irmão a fantástica missão de transar com a M. Ela não daria pela troca, ninguém nos distinguia, mesmo o meu pai tinha dificuldade – a única que mostrava o chinelo a um de nós dois com plena certeza de não estar cometendo um erro de identidade era a nossa mãe.
L. escapuliu pela janela do nosso quarto às dez e meia da noite, prometendo me contar a aventura sexual nos seus mínimos detalhes. Então a vida da família rachou ao meio quando por volta da meia-noite um soldado veio em casa e comunicou que meu maninho e M. estavam mortos. O marido da professora retornara sem aviso da viagem e os flagrou em plena cópula – descarregou o revólver no casal. Minha mãe gritou dias seguidos arrancando os cabelos que de uma hora pra outra haviam embranquecido completamente; meu pai nunca mais sorriu e transformou-se num bêbado crônico, em pouco tempo passou a andar pelas ruas como mendigo, a dormir em becos, raramente aparecia em casa e quando tal acontecia era para pedir dinheiro para um trago à minha avó materna, que havia assumido a direção da indústria de fertilizantes da família com punhos de aço e a determinação daqueles que focalizam as energias num único objetivo para sufocar a tristeza inundando o coração. Meu pai morreu vitimado pela cirrose em exatos nove meses após a tragédia.
Quanto a mim, desde o dia da morte do meu irmão comecei a sentir terror absoluto do contato com qualquer mulher. Quando fiz vinte anos finalmente decidi que daquele jeito eu não podia continuar e contratei os serviços de uma prostituta – perdi o medo das mulheres, mas então descobri que estava impotente. Fiz todos os tratamentos imagináveis e inimagináveis, consultei neurologistas, psicólogos, psiquiatras; visitei curandeiros; bebi incontáveis garrafadas de composto de ervas medicinais preparadas por raizeiros de comprovada autoridade. Nada adiantou. Agora tenho vinte e três anos, estou na flor da idade e minha capacidade para ter uma mísera ereção é completamente nula. Mas surgiu uma luz no fim do túnel. Hoje pela manhã eu fui ao túmulo do meu irmão, acendi uma vela, fiquei ajoelhado próximo à lápide e fiz algumas orações. Quando me levantei, uma senhora muito velha pegou em meu braço com seus dedos longos, enrugados, terminando em aguçadas unhas recurvas pintadas de vermelho, encostou uma boca murcha recendendo halitose em meu ouvido e sussurrou numa voz gélida:
– Eu sei como resolver seu problema.
Depois de afugentar minha surpresa – como ela sabia do meu segredo? – uma baita curiosidade misturada à esperança bateu forte dentro do meu peito. Na verdade, fiquei entusiasmado. Quis saber quem ela era, o que sabia a meu respeito, mas a boca enrugada da mulher não se dignou a nenhuma explicação. Eu continuei insistindo numa série de outras perguntas, mas ela balançou a cabeleira negra mesclada com fios brancos e bateu na mesma tecla:
– Eu sei como resolver o seu problema.
– Então diga de uma vez, mas que porra! – gritei.
– Em noite de lua minguante você tem que invadir o mausoléu da família de M., abrir a gaveta funerária e sobre os restos mortais da professorinha possuir uma mulher jovem, virtuosa, casta, inteligente e destemida.
– Onde vou encontrar uma mulher assim?!
A velha deu de ombros:
– Isso é com você. Mas elas, acredite, existem aos montes.
Ajeitou o poncho xadrez cobrindo seu busto e foi embora num passo miúdo e um tanto claudicante. Eu voltei pra casa disposto a esquecer a bruxa e seu conselho esquisito. Mas uma coisa começou a mexer com minha capacidade de julgamento – lembrei-me de ter lido a respeito de serial killers que recebem centenas de cartas de mulheres lhes devotando admiração extrema, fazendo juras de amor, propondo casamento no civil e religioso. O próprio marido da professora M. deixara a prisão havia pouco tempo e se casou com uma jovem aparentemente de juízo perfeito. Por que uma garota bonita não poderia transar comigo em cima dos restos mortais da professorinha? Então, se você, eventual leitora, preenche os requisitos enunciados pela velha do cemitério, por favor, entre em contato comigo: angstman@hopemail.com – eu arcarei com todas as despesas, do transporte à hospedagem, caso você não seja aqui da minha cidade.