A doce morte de Valéria

“Hahushaushas”!

Uma risada, como um raio, corta todo espaço. Seu som violento, com não houvera maneira de ser diferente devido à comparação anterior, assemelha-se a um trovão.

Valéria está amarrada pelo ventre por cabos de aço. Seus pés estão também amarrados, mas – fato estranho aos métodos de imobilização dos prisioneiros – suas mãos estão livres. Sua boca também não está amordaçada e por isso grita a famosa frase dos desesperados: socorro! Agora ela já está em si, já que antes dormira devido ao potente hipnótico que lhe fora administrado. As idéias em seu cérebro febril estão muito confusas. Lembra-se de ter saído às vinte e duas horas em ponto da biblioteca aonde trabalha... Vê um homem com a uma camisa. Nela está escrito algo... “O que é mesmo?” Sugar...

“Haushuahsuhaush”!

Nova risada irrompe da boca daquele homem vestido de negro que está à sua frente fazendo ribombar desde os tímpanos até o mais profundo recôndito da alma de Valéria. Como num susto purificador, ela saí de seu estado letárgico, e olha para o homem. Novamente grita socorro, “socorro”! O homem lhe interrompe:

“Aqui não adiantará em nada você gritar, estamos a 5 metros do solo, num lugar isolado acusticamente”

“Quem é você”

“Ora, que pergunta tola”

“Tola, porque?”

“Os carrascos não dão seus nomes... A única diferença aqui é que você vê meu rosto”

A palavra carrasco tudo diz, mas ao mesmo tempo anestesia Valéria que fica inerte. Seu corpo esfria, o suor molha toda sua testa.

O carrasco, já sabemos agora o que ele é, prossegue:

“Lembra de quando éramos adolescentes?”

“O quê? Nem o conheço!”

“Ah! Conhece sim...

O homem sai da frente de Valéria, chega próximo a uma das orelhas e continua:

“Conhece sim... Éramos amigos, muito amigos...”

“Amigos... Amigos nunca foram meu forte... Só tive um amigo...Mas ele morreu”

“Será que o nome deste amigo era... César?”

“Sim... Mas como você sabe? Você não pode ser o César! Eu vi seu caixão! Esperei ele chegar da cidade para onde havia se mudado! Sofri demais...”

“Não sofreu nada! Cale-se! Sua idiota! Lógico, não sou César... Hoje ele está lá, putrefato...Tão doce, tão meigo...Deveria exalar odores de rosas... O mundo é realmente muito injusto! Você sim, vadia, deveria feder e vai, eternamente!”

Valéria, no meio do mar de lágrimas, encontra forças e pergunta:

“Mas você disse que nós éramos amigos”

“Hhaushashuhasu, é que hoje eu sou ele! Sabe Lelinha --- não era assim que ele chamava ?--- Sei que você é muito católica... Sei o que você sabe que o padre age em persona Christi! Hoje eu agirei em in persona Cesar.”

“Eu não estou entendendo nada”

“Não está?Você o matou! E vim vingá-lo!”

“Mas quem é você? Eu adorava ele! Como assim, o matei?”

“Dissimulada! Qual foi a última coisa que você falou para ele? Lembra? Lembra? E eu, realmente você não me conhece... Eu fui amigo de César quando ele se mudou daqui. E ele repetiu, até o fim, que foi rápido, você sabe, o que você disse para ele...”

“Mas... aquilo era verdade, não queria que o tivesse magoado tanto”

“As palavras são como adagas afiadas, com um corte frio e perfurante...”

“Mas ele morreu por outros motivos...”

“Cale-se, hoje eu sou ele, e sei porque morri!”

“Você é louco! De pedra!”

“Você matou negando seu amor. O amor é doce, não é? Por isso te matarei te enchendo de amor!”

“Como? Louco!”

Os gritos de Valéria tornam-se mais fortes. O homem, deliciosamente feliz pelos gritos, vai até um canto da sala e trás uma mesa com um pano branco em cima. Descobre-a. O que Valeria vê a assusta tão profundamente que quase morre ali mesmo, de susto, tamanha perversidade e loucura de seu carrasco. Na mesa estão toda a sorte de doces: cajuzinhos, bombons de chocolate branco, canudinhos, carolinas, doces cristalizados de todos os tipos, baba de moça, pé–de-moleque, bombucados, queijadinhas. Valéria dá um grito e põe-se a chorar!

O carrasco deliciado com a cena e diz:

“Espero que coma direitinho! Como todas as tuas boas intenções, aqui foi tudo feito com amor, hrshuahuhr”

“Não vou comer”

“Espero que você coma, caso contrário usarei estes instrumentos, que não são tão doces...”

Em outra mesa, coberta com um pano negro, algumas protuberâncias apareciam. O carrasco retira o pano e assim exibe o conteúdo: serrinhas starret, alicates, bisturis, martelos, maçaricos e algumas facas.

Valéria, tem que fazer a opção entre a dor e o amor. Opta pelos doces. Mas a cada molécula de açúcar, deliciosa, que entra no seu corpo, ela sabe, lá ficará, matando-a. O amor por vezes é dor. E cá, Valéria não tem seu remédio, sabe que morrerá.Valéria é diabética, tipo I.

Laanardi
Enviado por Laanardi em 24/04/2011
Código do texto: T2927716
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